NUMA ESTAÇAO DE TREM

Kátia Barbosa Macêdo

Na sala reina o total silêncio. Desses em que cada um se entrega a seu jornal, muito mais para se proteger de um possível olhar cruzado ou alguma conversação. Do lado de lá, sentado em um canto, um moço se abraça à sua mala, não sei se para espantar a solidão, medo de assalto ou por cansaço.
E não mais que de repente surge um velho senhor, bem vestido, muito alegre e com duas medalhas penduradas no pescoço. Tenta conversar com um e com outro, puxando assunto. Mas, ninguém responde ou dá indícios da possibilidade de uma conversação, ele se senta, vira para o lado e começa a conversar sozinho.
No princípio ninguém percebe, mas a “conversa” toma um curso muito agradável, ele se mostra muito feliz, tirando do bolso uma gaita que toca muito bem, algumas pessoas já arriscam olhar por cima do jornal ou de lado, “disfarçando”. Sorriem com uma grande inquietude, riso nervoso, como se perguntassem se ‘essa doença é contagiosa’.
Enquanto isso, chega outro homem meio desavisado, e não se sabe por que motivos, senta-se exatamente ao lado daquele senhor tão alegre. O senhor começa a conversar e ele vai respondendo até se dar conta de que, independentemente do que responda, o assunto muda de rumo, seguindo o velhinho.
Para de conversar… e o velho continua. Nesse momento começa a se afastar e a olhar para o lado, como se quisesse desculpar-se frente a si mesmo e explicar que o “louco” é o outro, que ele não tem nada a ver com isso. Quer sair dali, mas tem medo. Afinal, de quem conversa sozinho pode-se esperar de tudo, não?

Começa a olhar o relógio, mexer na cadeira e, olhando para os outros, como se dissesse para não pensarem mal dele, afinal, ele não sabia de nada.
De repente, consegue achar a solução. Tira da carteira uma nota de dinheiro, coloca-a ao lado do velho senhor, como um aval para que saia dali ileso da situação. Despede-se e sai bem depressa, sem olhar para trás.
O velho despede-se dele, continua a tocando sua gaita e a conversando, sem olhar para o dinheiro. Tem umaexpressão tão feliz, que nem todo o ambiente de não relação que o envolve o afeta. Aliás, o que se passou é que, com o acontecido, as pessoas em volta começaram a conversar entre sim e a rir da situação: enfim, passam a se relacionar como humanos. E o velho senhor parecia tão feliz.
Ou melhor, o velho senhor era tão feliz…

Firenze, 1/4/1988


Publicado

em

por

Tags:

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Ir para o WhatsApp
Precisa de ajuda?
Olá, estou te esperando no WhatsApp! :)