A clínica psicodinâmica do trabalho: de Dejours às pesquisas brasileiras

Profa. Dra. Kátia Barbosa Macêdo; Marcos Bueno

Publicado na Revista ECOS – Estudos contemporâneos da Subjetividade , v.2, p.47 – 63, 2012

Resumo

Trata-­‐se  de  um  artigo  teórico  que  teve  como  objetivo  apresentar  a  clínica psicodinâmica do trabalho partindo das obras de Dejours e colaboradores e dos pesquisadores brasileiros que adotam a referida abordagem teórica e metodologicamente. Está organizado em duas partes, sendo que a primeira apresenta  os  pressupostos  e  a  construção  teórica  da  abordagem,  especi-­‐ ficando o enfoque dependendo do período histórico. Na segunda parte, são apresentadas e discutidas as principais categorias, que são: organização do trabalho, englobando as relações e as condições de trabalho; a mobilização subjetiva, englobando as vivências de prazer, estratégias de enfrentamento e a importância da cooperação, sendo seguidas do sofrimento, patologias e adoe-­‐ cimento. Ainda são apresentados os principais grupos de pesquisa no Brasil, enfocando sua produção, visando ilustrar a abrangência desta abordagem no país nos últimos anos.

Palavras-­‐chave

Clinica psicodinâmica do trabalho; sentidos do trabalho; categorias da psicodinâmica.

Abstract

This is a theoretical paper that aimed to present the clinical psychodynamics of work starting from the works of Dejours and collaborators and Brazilian researchers who adopt this approach theoretically and methodologically. It is organized into two parts, the first of which presents the assumptions and theoretical construction of approach, specifying the approach depending on the historical period. In the second part, are presented and discussed the main categories, which are: organization of work, encompassing relationships and working conditions; subjective mobilization, encompassing the experiences of pleasure, coping strategies and the importance of cooperation, being followed by the suffering , disease and illness. Although we present the main research groups in Brazil, focusing its production in order to illustrate the scope of this approach in the country in recent years.

 Keywords

Psychodynamic clinical work; meanings of work; categories of psychotherapy.

Introdução

 Nosso objetivo neste artigo foi de refletir teoricamente a contribuição da clinica psicodinâmica do trabalho de Cristophe Dejours  à  psicologia social assim como comentar sobre os conceitos que fundamentam as bases epistemológicas da Psicodinâmica do Trabalho e suas principais contribuições. Aqui é apresentada uma análise com base na revisão de literatura. Cabe destacar aspectos essenciais da teoria  de  Christophe Dejours em relação a Clinica Psicodinâmica do Trabalho -­‐ CPDT. Também serão apresentadas considerações de outros autores que atuam na mesma abordagem com relação à teoria de Dejours, como resposta ao estudo do processo de sofrimento psíquicos advindos do mundo do trabalho, situações essas enfrentadas por diversas categorias profissionais no campo do prazer e do sofrimento.

Os pressupostos da psicodinâmica do trabalho

 Os  pressupostos  compartilhados  por  esta  abordagem  reúnem  contri-­‐ buições importantes da PDT, da sociologia clinica, da clinica da atividade e da  ergologia  e  resumem-­‐se  a  quatro  pontos:  1)  o  interesse  pela  ação  no trabalho, 2) o entendimento sobre o trabalho, 3) a defesa de uma teoria do sujeito e 4) a preocupação com o sujeito e o coletivo em situações de vulnerabilidade no trabalho (BENDASSOLLI; SOBOLL, 2011).

O interesse em utilizar o referencial teórico da clinica psicodinâmica do trabalho deve-­‐se ao fato de apesar de ser uma abordagem recente e escassa no meio acadêmico, tem apresentado resultados e respostas a inquietações do conflito do mundo trabalho como pudemos perceber no levantamento do estado da arte. Temas relacionados ao estudo da psicologia do trabalho, que envolvem o interesse por estudar o mundo do trabalho e seus desafios, ou seja, prazer e sofrimento, inclusão exclusão social e trabalho.

Conforme Macêdo (2010) tem ocorrido um aumento significativo no interesse no campo de estudos relacionados ao mundo trabalho nos mais diversos segmentos. E especialmente a Psicodinâmica do Trabalho de Dejours vem ocupando espaços importantes nos congressos internacionais e brasileiros de Psicologia organizacional e do trabalho e de Psicodinâmica e clínica do trabalho em Brasília, São Paulo, Florianópolis e Rio de janeiro.

A  Psicodinâmica  do  Trabalho  possibilita  uma  compreensão  contem-­‐ porânea sobre a subjetividade no trabalho. Essa abordagem trouxe um novo olhar nas ciências do trabalho, ao propor a criação de espaços de discussão onde os trabalhadores puderam expressar sua voz, seus sentimentos e as contradições do contexto do trabalho que respondem pela maioria das causas geradoras de prazer e de sortimento (DEJOURS, 1992).

A Psicodinâmica do Trabalho é uma abordagem científica, desenvolvida na França na década de 1980 por Christophe Dejours, médico francês, com formação em Psicanálise e Psicossomática é professor do Conservaitore National des Arts et Métiers em Paris, onde dirige o  Laboratório  de Psicologia do Trabalho e da Ação. Dejours tem pesquisado a vida psíquica no trabalho a mais de 30 anos, tendo como foco o sofrimento psíquico e as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos trabalhadores para a superação e transformação do trabalho em fonte de prazer  (DEJOURS, 2004).

Bouyer (2010) destaca como eixos centrais da Psicodinâmica do Trabalho, com base em trabalhos publicados por Dejours e colaboradores: 1)a importante contribuição do reconhecimento; 2) a construção da identidade; 3) o compromisso entre sofrimento e defesa; 4) sublimação como estratégia de enfrentamento; 5) a racionalidade prática (pathique); 6) a preocupante alienação social. Entre outros fatores ou eixos de focos.

Diversas pesquisas no Brasil tem utilizado a abordagem da psicodinâmica do trabalho em especial nas áreas da saúde com Merlo e Mendes (2009) e de arte, entretenimento e lazer nas pesquisas de Macêdo (2010); Bueno (2009, 2010, 2011, 2012), Souza (2010), Ferreira (2011). O trabalho visto pelo olhar da psicodinâmica encontra interesse particular no estudo sobre o prazer, ligado a autonomia, liberdade, reconhecimento, identidade, sublimação e principalmente no processo criativo, mas também sofrimento, ligado a falta de reconhecimento, sobrecarga e na patologia da solidão estudada por Dejours.

A Psicodinâmica do Trabalho no mundo e no Brasil: uma lente diferenciada do mundo trabalho

O percurso da produção da psicodinâmica do trabalho tem produzido uma abordagem com olhar critico sobre as relações entre capital e trabalho e saúde e adoecimento no mundo do trabalho. Os anos 1980 e 1990 foram repletos de experiências que demonstram cada vez mais a importância das pessoas no contexto organizacional, o que levou ao surgimento de “novas leis e novas relações entre capital e trabalho” (LANCMAN; UCHIDA, 2003, p.81).

Para Dejours (1992) o inicio da história da psicodinâmica do trabalho é nos anos 1970 do século XX, na França, muito próxima na época da psicopatologia do trabalho. Em meados dos anos 1990 seus estudos destacam-­‐se  da  corrente  –  iniciada  por  Begoin, Fernadez-­‐Zoïla, Le  Guillant, Sivadon  e  Veil  –  da  psicopatologia  do  trabalho,  fundando-­‐se  a  disciplina psicodinâmica do trabalho. Esse novo modelo começa a investigar o tema do sofrimento no trabalho aliviando a relação causal precedente utilizada pelos psicopatologistas do trabalho da época. O foco de preocupação agora é problematizar  o  sofrimento  gerado  na  relação  homem-­‐trabalho,  quando  o trabalho   é   fonte   de   sofrimento,   está   nas   raízes   de   possíveis   descom-­‐ pensações psicossomáticas.

Dejours (1992, 1993, 1997,1999) então se torna um pioneiro que vai formular a nova ciência trata da “análise do sofrimento psíquico resultante do confronto dos homens com a organização do trabalho”. Dejours (1993, p. 49), em definição posterior, entende que se trata da “análise psicodinâmica dos processos intra e intersubjetivos mobilizados pela situação de trabalho”. O sofrimento passa a ser o centro da análise que, articulada às exigências da organização do trabalho, revela os modos de subjetivação, principalmente, da classe trabalhadora. Finalmente o trabalho ganha voz  no  mundo trabalho.

Na   etapa   atual   investiga-­‐se   também   a   psicodinâmica   do   reconhe-­‐ cimento e a construção da identidade dos trabalhadores. O reconhecimento do trabalho, da relação do homem com o real.

Três premissas da Psicodinâmica do Trabalho

Alderson (2004) enumera três premissas utilizadas pela psicodinâmica do trabalho:

  • A primeira se refere ao sujeito em busca de auto realização [accomplissement dusoi].

A concepção teórica do sujeito em PDT postula, com efeito, que todo indivíduo é habitado pelo desejo de realização que se inscreve na busca da identidade que o anima, que ele persegue e que o leva a querer oferecer sua contribuição à criação social ou à construção de uma obra comum (ALDERSON, 2004, p. 252).

  • A segunda é a da existência de um hiato entre o que é prescrito e o trabalho  rea   As   subjetividades   desenvolvidas   no   dia-­‐a-­‐dia   são mobilizadas para dar conta dessa lacuna.

Este fato mobiliza o sujeito e suscita seu investimento subjetivo  na atividade de trabalho. Ao interpelar a inteligência prática do sujeito e ao solicitar sua criatividade, o trabalho que deixa uma margem de autonomia oferece ao indivíduo a possibilidade de autorealização [s’accomplir] e de construir sua identidade (ALDERSON, 2004, p. 253).

  • A terceira premissa consiste no desejo de julgamento do outro, mais especificamente, trata do Como esclarece Alderson (2004, p. 53), “construção da identidade no trabalho se apoia sob o ângulo da PDT, sobre o necessário olhar do outro que pode ser tanto um coletivo de trabalho ou uma comunidade de pertença”.

Dejours (2004) tem por objeto de pesquisa a vida psíquica no trabalho, como foco o sofrimento psíquico e as estratégias de  enfrentamento utilizadas pelos trabalhadores para a superação e transformação  do trabalho em fonte de prazer. Os estudos de Dejours sobre a psicopatologia do  trabalho  dos  anos  1950  passaram  a  denominar-­‐se  Psicodinâmica  do Trabalho nos anos 1990, e, também por isso, é uma disciplina relativamente recente e em fase de construção.

No processo de construção deste conceito, em 1984 Dejours organizou o primeiro “Colóquio Nacional de Psicopatologia do Trabalho”,  quando foram apresentados vários indicadores de sofrimento, com a participação de sindicalistas e profissionais da saúde do trabalhador. Desde essa década, a abordagem da Psicodinâmica tem passado por reformulações importantes, vindo ser reconhecida na comunidade científica, quando, no ano de 1992, foi proposta a atual denominação Psicodinâmica do Trabalho, que incorporaria, no seu interior, as questões da Psicopatologia do trabalho e da psicanálise conforme mostra no Quadro 1.

Para Pires (2011) a primeira delas, desenvolvida na década de 1970, voltava-­‐se    para    o    estudo    do    sofrimento    psíquico,    sua    gênese    e transformações derivadas do confronto entre psiquismo do trabalhador e organização   do   trabalho.   Concentrava-­‐se   na   análise   da   dinâmica   do sofrimento e das estratégias defensivas suscitadas por esse sofrimento.

A  segunda  etapa  deu-­‐se  até  meados  da  década  de  1980,  direcionou-­‐se para o eixo da saúde ao abordar o estudo de prazer e a análise dos mecanismos utilizados pelos trabalhadores para tornar o trabalho saudável com o inicio dos estudos sobre as estratégias defensivas. A terceira etapa vem se desenvolvendo até por volta dos anos 2000, com enfoque mais critico utilizando as ideias de Habermas (1989, 1991) sobre a teoria comunicacional e à análise do trabalho na construção da identidade do trabalhador, ao estudo da dinâmica do reconhecimento e de seu papel sobre a vivência de prazer e de sofrimento no trabalho das novas estruturas da organização do trabalho.

Quadro 1 – Modelo evolutivo da psicodinâmica do trabalho

Período

Aspectos enfatizados na fase

1970

O

nascimento

Primeira etapa: psicossomático, estudo do sofrimento psíquico (inconsciente).

1980

Segunda fase

O foco foi na Psicopatologia e Psicodinâmica (Ergonomia) inicio dos estudos sobre as estratégias defensivas.

1990

Terceira fase

O foco foi na ampliação da Psicodinâmica, e influências mais críticas, a partir da teoria comunicacional -­‐ crítica de Habermas (1989) e a banalização da injustiça social, e no estudo do prazer e os mecanismos de enfrentamento dos trabalhadores para a saúde no trabalho.

2000

Fase atual

O foco foi na ênfase ao estudo do trabalho na construção da identidade do trabalhador e as vivências de prazer-­‐sofrimento no trabalho, na psicologia do reconhecimento e da sublimação como estratégia de enfrentamento e nos estudos sobre clínica do trabalho, proposta de uma ação transformadora através do espaço de discussão coletiva onde a palavra possa ter autonomia e liberdade de expressão, a “fala livre”.

Clínica psicodinâmica do trabalho.

Fonte: adaptado de Pires (2011) e Dias (2007, p. 43).

De acordo com Mendes e Morrone (2010) em uma análise longitudinal que demarca a construção dessa recente abordagem que é a Psicodinâmica do Trabalho sinaliza três etapas bem definidas, com características de definição e reformulação de conceitos e ampliação das abordagens e por novas integrações de vertentes conceituais conforme é apresentado no Quadro 2 abaixo:

Quadro 2: Histórico de produção do arcabouço teórico da psicodinâmica

1ª Etapa – Década de 1980

2ª Etapa – Década de 1990

3ª Etapa Década pós 1990

Enfocou o sofrimento

Enfocou a saúde,

Privilegiou os processos de

psíquico, sua gênese e

abordando o estudo do

subjetivação e as patologias

transformações derivadas

prazer e dos mecanismos

sociopsiquicas. Pesquisas

do confronto entre o

utilizados pelos

buscam aprofundar a

psiquismo e a

trabalhadores para tornar

análise dos processos

organização do trabalho.

o trabalho saudável.

relacionados à saúde dos

Pesquisas empíricas concentradas na análise

Pesquisas buscam aprofundar a análise do

trabalhadores.

dinâmica do sofrimento e

papel do trabalho na

 

das estratégias defensivas

construção da identidade

 

suscitadas por esse

pela investigação da

 

sofrimento.

dinâmica do reconhecimento.

 

Fonte: Desenvolvido pelo autor com base em Psicodinâmica e Clinica do Trabalho, temas, interfaces e casos brasileiros de Mendes, Merlo, Morrone e Facas (2010).

A quarta etapa do histórico sobre a Psicodinâmica do Trabalho, está em seu processo evolutivo como uma abordagem cientifica capaz de explicar os efeitos do trabalho sobre os processos de subjetivação, as patologias sociopsiquicas e a saúde dos trabalhadores. Essa etapa tem a marca  de novas publicações na França e traduzidos quase simultaneamente no Brasil A banalização da (in)justiça social traduzido no Brasil em 1999, a 13ª edição do livro pioneiro A loucura do trabalho, Evolução do trabalho e a prova do real: critica a fundamentação do desenvolvimento, publicado em 2003 e em 2012 publica Trabalho vivo e Sexualidade e Trabalho e Trabalho e emancipação.

A clínica do trabalho busca desenvolver o campo da saúde mental e do trabalho, partindo do trabalho de campo e se deslocando e retornando constantemente a ele. A Psicodinâmica do Trabalho é considerada  como uma clínica, que se desdobra para um trabalho de campo radicalmente diferente do lugar da cura (LANCMAN; SZNELWAR 2004).

Mendes e Araujo (2011) afirmam que a comunicação como linguagem é essencial nesse processo e, acima de tudo, o espaço para que o uso da palavra ocorra de maneira ética e saudável. Nesse sentido então, o trabalho passa a ser visto como uma atividade social, em que existe o desejo do outro. O trabalho não é constituído somente da atividade, mas de várias outras dimensões como a cultural e a social: trabalhar é viver junto. Diz ainda às autoras que esse sofrimento é invisível, não mensurável, só sendo possível tornar-­‐se  visível  e  acessível  pela  fala,  no  momento  que  o  sujeito  nomeia  o sente. O sofrimento em si não deve ser tomado como patologia, mas como um sinal de alerta para que algum tipo de ação seja mobilizado.

A clínica psicodinâmica do trabalho e da ação desenvolvida por Christophe Dejours na França teve inicio nos anos 1990 nas discussões do seminário Interdisciplinar de Psicopatologia do Trabalho, que deu origem aos textos de 1998 sobre prazer e sofrimento no trabalho, publicados pelo CNRS e traduzidos na publicação organizada por Lancmam e Sznelwar (2004) no Brasil. Desenvolveu um método específico e pautado nos princípios da pesquisa-­‐ação, mas devido às suas características específicas é intitulada clínica do trabalho.

A clínica do trabalho busca desenvolver o campo da saúde mental e do trabalho, partindo do trabalho de campo e se deslocando e retornando constantemente a ele. A Psicodinâmica do Trabalho é considerada  como uma clínica, que se desdobra para um trabalho de campo radicalmente diferente do lugar da cura (LANCMAN; SZNELWAR, 2004). Visa intervir em situações concretas de trabalho, compreender os processos psíquicos envolvidos e formular avanços teóricos e metodológicos reproduzíveis a outros contextos. Mendes e Araujo (2011) destacam que nesse momento de mudança para Clinica Psicodinâmica do Trabalho, ocorre uma revolução em termos metodológicos e visão também ocorre uma tensão com as duas disciplinas basilares dos estudos dejourianos: a Ergonomia e a Psicanálise. De um lado a Psicanálise agora passa não contribuir com seus estudos sobre o aparelho psíquico, mas com  a escuta centrada no conteúdo latente, além do manifesto.

Outro ponto importante abordado por Dejours (2004) se refere à concepção de sujeito, crucial para a clínica do trabalho. Cita o autor que o sujeito do inconsciente da Psicanálise está integrado, do ponto de vista teórico, ao sujeito do sofrimento e do prazer da Psicodinâmica. O desejo se confronta com a realidade. O sujeito em Dejours do inconsciente tem origem antes do encontro com o trabalho e ao se confrontar com o real, choca-­‐se e resiste ao que sua história singular mobiliza e singulariza e potencializa.

A Psicodinâmica do Trabalho é antes de tudo uma clínica. Ela se desdobra sobre um trabalho de campo radicalmente diferente do lugar da cura. Afirmar que ela é uma clínica implica que a fonte de inspiração é o trabalho de campo, e que toda a teoria é alinhavada a partir deste campo (DEJOURS, 1993, p. 137).

No  V  CBPOT-­‐  Congresso  Brasileiro  de  Psicologia  Organizacional  e  do Trabalho, Mendes (2012) apresentou o modelo que vem sendo utilizado na psicodinâmica atual, constituído de três eixos norteadores: a organização do trabalho, o modo de trabalhar e as patologias.

Figura 1: Modelo da Psicodinâmica adaptado por Mendes, 2012. (Fonte: (MENDES, 2012).

O real do trabalho é considerado por Dejours (2004) como  ponto central  na  psicodinâmica  refere-­‐se  ao  conceito  de  trabalho  pré-­‐escrito  e trabalho real. Conceito totalmente revolucionário no mundo do trabalho para qualquer atividade, sempre há uma expectativa por resultados e um trabalho possível de ser realizado como define Dejours (2004, p. 28) “Como, então, o sujeito que trabalha reconhece esta distância irredutível entre a realidade, de um lado, e de outro as previsões, as prescrições e os procedimentos”? Sempre sob a forma de fracasso: o real se revela ao sujeito pela   sua   resistência   aos   procedimentos,   ao   saber-­‐fazer.   “Para   dar   uma estrutura compreensiva” às contribuições da Psicodinâmica do Trabalho nas vivências de prazer e sofrimento.

As Categorias da Psicodinâmica do Trabalho

Dejours (1993) defende que “o conflito entre a organização do trabalho e  o  funcionamento  psíquico,  vai  além  do  modelo  “causalista-­‐funcionalista”. Vê o trabalho não como enlouquecedor, mas como algo que pode levar o homem ao sofrimento psíquico, dependendo do ambiente de trabalho em que ele se encontra. Dejours percebe em suas pesquisas que os trabalhadores não se mostraram passivos, mas capazes de se protegerem dos efeitos negativos e patológicos do ambiente de trabalho à sua saúde mental. Com base nessas premissas Dejours então elabora as categorias da psicodinâmica visando responder a essas demandas polares entre prazer e sofrimento, saúde e doença. Essa descoberta importante fez com que o foco de sua pesquisa fosse modificado: saiu do foco de buscar doenças mentais geradas pelo trabalho para o sofrimento e as defesas contra esse sofrimento (por exemplo, a sublimação). Daí, o enigma é a normalidade, mesmo com sua instabilidade, a busca constante de equilíbrio, precariedade, entre sofrimentos e defesas. Em função da temática desse estudo ser de natureza subjetiva as preocupações de Dejours com relação a  trabalho  e subjetividade se justificam.

Para Dejours, Abdouchelli e Jayet (1994) a PDT propões  cinco categorias para estudar a relação organização do trabalho e trabalhador. As categorias da Psicodinâmica são compostas por duas grandes categorias. A primeira categoria é composta por: Organização do contexto do trabalho; Condições de trabalho; Relações de trabalho; e na segunda grande Categoria por: Mobilização subjetiva do trabalhador; que é composta de: vivências de prazer e sofrimento; estratégias defensivas e espaço de discussão coletiva. Faz parte dos conceitos básicos da PDT: sublimação, ressonância simbólica, mobilização subjetiva, vivências de prazer e ressignificação do sofrimento e identificação com o trabalho subjetivo.

Quadro 3: Categorias de análise da Clínica Psicodinâmica do trabalho

 

Categoria

Elementos da categoria

 

Definição

Organização de trabalho

 

Organização de trabalho

Divisão de tarefas entre os trabalhadores, repartição, cadência, e, enfim, o modo operatório prescrito e a divisão de pessoas: repartição das responsabilidades, hierarquia, comando, controle, etc.

 

Condições de trabalho

Referem-­‐se ao ambiente físico (temperatura, barulho, pressão, vibração, irradiação, altitude, etc.), o ambiente biológico (vírus, bactérias, parasitas, fungos), as condições de higiene, de segurança e as características antropométricas do posto de trabalho.

Relações de trabalho

Referem-­‐se às relações com as chefias imediatas e superiores, com os membros da equipe de trabalho e as relações externas (clientes, fornecedores e fiscais).

Mobilização Subjetiva

 

 

 

Inteligência Prática

A inteligência prática, enquanto estratégia de enfrentamento coletiva auxilia o trabalhador a resistir ao que é prescrito, utilizando recursos próprios e sua capacidade inventiva, pressupondo a ideia de astúcia, mobilizando-­‐se a partir do surgimento de situações imprevistas. A partir do enfrentamento destas situações, desenvolve um saber particular que ao tornar-­‐se coletivo, transforma-­‐se em ação de cooperação. Este recurso apresenta a finalidade de minimizar o sofrimento e transformá-­‐lo em prazer.

 

 

Cooperação

A cooperação como estratégia de mobilização coletiva, representa uma maneira de agir de um grupo de trabalhadores para resinificar o sofrimento, fazer a gestão das contradições do contexto de trabalho e transformar em fonte de prazer a organização do trabalho, a qual seria possível a sua realização a través do espaço público de discussão e pela cooperação entre os sujeitos.

 

Espaço de discussão

O espaço público de fala significa a construção de um espaço de fala e escuta em que podem ser expressas opiniões contraditórias e/ou baseadas nas crenças, valores e posicionamento ideológico dos participantes do espaço.

 

 

 

Reconhecim ento

O reconhecimento é uma forma específica de retribuição moral simbólica dada ao ego, como compensação por sua contribuição à eficácia da organização do trabalho, isto é pelo engajamento de sua subjetividade e inteligência.

Sofrimento e defesas

 

 

Sofrimento criativo

Para Dejours (2009) o sofrimento pode ser criativo ou patogênico. No criativo, o indivíduo mobiliza-­‐se na transformação do seu sofrimento em algo benéfico para ele mesmo. Para isto, deve encontrar certa liberdade na organização do trabalho que ofereça margem de negociação entre as imposições organizacionais e o desejo do trabalhador.

 

Sofrimento patogênico

O surgimento do sofrimento patogênico estaria relacionado à ausência de flexibilidade da organização do trabalho, a qual impede que o sujeito encontre vias de descarga pulsional nas suas atividades laborais, utilizando-­‐se de estratégias defensivas para suportar o contexto de trabalho.

 

Estratégias defensivas

As estratégias de defesa têm como função adaptar o sujeito às pressões de trabalho com o objetivo de conjurar o sofrimento. Diferenciam-­‐se dos mecanismos de defesa do ego por não serem interiorizados e persistirem a partir da presença de uma situação externa.

Fonte – Elaborada por Macêdo e Fleury (2012).

O quadro 3 apresenta apenas um breve resumo dos pontos principais das categorias da psicodinâmica do trabalho.

O estado da arte da Psicodinâmica no Brasil

O   inicio   da   Psicodinâmica   do   Trabalho   no   Brasil   deu-­‐se   com   o lançamento do livro A loucura do trabalho, de Christophe Dejours, em 1987, como uma nova proposta teórica trazida pela obra, foi um livro importante no mundo trabalho, por que até então nos curso de administração, psicologia organizacional e engenharia de produção ensinavam e pesquisavam sob a ótica praticamente exclusivista do capital e o trabalhador tinha que adaptar aos novos modelos que foram surgindo desde a primeira revolução industrial em 1760 na Inglaterra e ultimamente com a Qualidade total, Reengenharia, etc.

Segundo Merlo e Mendes (2009) o percurso da produção brasileira em psicodinâmica do trabalho teve início na década de 1980 e acompanha o desenvolvimento da própria teoria, preconizada por Christophe Dejours, estando envolvidas nessa rede de construção, todas as tensões necessárias para o avanço científico de uma teoria e de sua aplicação.

O interesse nas universidades pela abordagem vem crescendo com a criação de Laboratórios de Pesquisa, Grupos de Pesquisa, cursos de extensão e disciplinas sendo oferecidas, por exemplo, na Universidade de Brasília-­‐UnB, Universidade Federal do Rio de Janeiro-­‐ UFRJ, Universidade do Estado  do  Rio  de  Janeiro  –  UERJ,  Universidade  Federal  de  Goiás-­‐  UFG, Universidade Federal do Rio Grande do Sul -­‐ UFRG, Universidade Federal do Amazonas, Universidade Federal de Mato Grosso, Universidade Federal de Santa Catarina, entre outras instituições superiores de ensino -­‐ IES.

Além da produção escrita como artigos, revistas, livros, trabalhos em congressos, advindas das pesquisas realizadas na França por Christophe Dejours (1992, 1999, 2001), diretor do Laboratório de Psicologia do Trabalho do Conservatório Nacional de Artes e Ofícios de Paris; Dejours e Abdoucheli (1994), dentre outras. No Brasil há publicações advindas dos estudos desenvolvidos por pesquisadores como Ana Magnólia Mendes (2010); Mendes e Abrahão (1996), Macêdo (2010, 2011), dentre outros.

Conforme os dados disponíveis encontrados na ANPEPP, UnB e nas teses de doutorados pesquisadas, o Brasil conta com trinta e um pesquisadores em psicodinâmica e clinica do trabalho, sendo onze pesquisadores no Distrito Federal/Brasília que conta com o grupo pioneiro e maior numero de pesquisadores coordenados pela Profa. Dra. Ana Magnólia  Bezerra  Mendes  da  Universidade  de  Brasília-­‐  UnB  que  defendeu sua  tese  de  doutoramento  e  pós-­‐doutorado  na  França  com  Dr.  Christophe Dejours em seguida o grupo de Goiás coordenado pela Profa. Dra. Kátia Barbosa Macedo com cinco pesquisadores que tem produção cientifica com cinco livros publicados e mais de vinte artigos e trabalhos publicados e o grupo do Rio Grande do Sul também com cinco pesquisadores tendo a frente o Prof.Dr. Álvaro Roberto Crespo Merlo, nome de destaque no Brasil e nos congressos, em terceiro lugar o grupo de São Paulo com três pesquisadores com vários livros traduzidos e publicados, por ultimo os estados de Santa Catarina que conta com a Profa. Dra. Soraya Rodrigues Martins, Maranhão, Amazonas e Minas Gerais com um pesquisador cada.

O levantamento bibliográfico realizado por Mendes e Morrone (2010) no período entre 1998 a 2007, foi considerado apenas a produção cientifica que abordaram aspectos do sofrimento psíquico do trabalhador sob a ótica da psicodinâmica e que apresentaram texto completo ou resumos que fornecessem elementos satisfatórios para a compreensão temática, revelou o total de 123 estudos. Sendo que 59,3% deles produzidos nos últimos três anos e 25,2% em 2007. Segundo Bueno (2012) no período dentre 2008 e 2012 mais 17 artigos registrados no SCIELO e 16 dissertações e teses de doutoramento tomando como fonte de pesquisa o Banco de Dissertações e teses da Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino  Superior  (Capes) assim como artigos de periódicos acessíveis no site do Scientific Eletronic Library Online (SciELO).

Morrone e Mendes (2010) pesquisaram a atividade com trabalhadores da área de saúde (enfermeiros, agentes comunitários, auxiliares e técnicos de enfermagem); educação; bancária; Teleatendimento, serviço público, construção civil e cargos operacionais dentre outros e segmentou por regiões: região sudeste com 35% de pesquisas, região Sul com 22,8%, região centro oeste com 21,13% e região nordeste com 19,5% de pesquisas realizadas no período de 1998 a 2009. Sendo que 95% das pesquisas são do tipo qualitativo. Tiveram por núcleos temáticos: caracterização  das vivências de prazer e sofrimento psíquico no trabalho; fatores propiciadores à vivência de sofrimento e de prazer no trabalho; modos de enfrentamento do sofrimento e interfaces da psicodinâmica com outras correntes teóricas.

Considerações finais

 A clínica psicodinâmica busca compreender para transformar o mundo do trabalho, não visa à criação de “nichos clínicos” no organograma da empresa moderna. Dejours (2010) busca, mais do que a transformações da organização do trabalho, que autoriza a precarização do trabalho. Então, estas transformações são justamente o objeto da clínica do trabalho,  tal como entende na França, desde que a tradição em ergonomia e em psicopatologia do trabalho deixou de herança esta regra de ofício: compreender para transformar, e isto, em resposta a demanda dos próprios interessados. No dizer de Yves Clot (2004) a metamorfose da psicopatologia do trabalho em psicodinâmica do trabalho. Seu horizonte doutrinal é o da psicanálise. A Psicodinâmica do trabalho pertence ao campo da clínica do trabalho.  Trata-­‐se  de  uma  clínica  do  real  tem  como  preocupação  olhar  o trabalho dos sujeitos como um desafio psíquico decisivo para o sujeito.

Percebe-­‐se pela evolução e interesse dos pesquisadores tanto do Brasil quanto da França pela clinica psicodinâmica do trabalho, pois apresenta amplas possibilidades de continuar crescendo e evoluindo e responde a demanda do mundo trabalho. Tendo em vista a urgência de  estudar  as novas configurações que envolvem o mundo do trabalho na busca de construção de um espaço de trabalho com mais saúde e dignidade pelo reconhecimento, autonomia e liberdade.

 

Referências bibliográficas

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BENDASSOLLI, P.; SOBOL, L.A.P. Clínicas do trabalho: novas perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade. São Paulo: Atlas, 2011.

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