Vivências de prazer de socorristas no convívio com a dor e sofrimento alheio: Prazer, dor e sofrimento

Vivências de prazer de socorristas no convívio com a dor e sofrimento alheio: Prazer, dor e sofrimento – Kátia Barbosa Macêdo

Profa. Dra. Kátia Barbosa Macêdo; Simone Maria Moura Mesquita

Resumo

Este estudo teve por objetivo identificar as vivências de prazer no trabalho de socorrista em um Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) 192 em funcionamento na Região Centro Oeste do Brasil. A abordagem teórico-metodológica foi a Psicodinâmica do Trabalho. A coleta de dados foi realizada a partir de três sessões de escuta clínica coletiva, com 14 participantes.  As falas foram gravadas, transcritas e analisadas pela análise clínica do trabalho proposta por Dejours. Identificou-se como fatores propulsores e potencializadores das vivências de prazer, essencialmente: o reconhecimento e o sentido positivo que atribuem ao labor. Os achados indicam que a organização do trabalho tem oferecido condições para os socorristas mobilizarem sua subjetividade em busca do prazer.
Palavras-chave: prazer, trabalho, psicodinâmica. 

Abstract

The aim of this study was to identify the experiences of pleasure in the work of rescuers in a Mobile Emergency Care Service (SAMU) 192 in operation in the Central West Region of Brazil. The theoretical-methodological approach was the Psychodynamics of Work. Data collection was performed with 14 participants from three sessions of collective clinical listening. The speeches were recorded, transcribed and analyzed by the clinical analysis of the work proposed by Dejours. Essentially, the recognition and the positive sense that is attributed to their work was identified as propelling and potentiating factors of the experiences of pleasure. The findings indicate that work organization has provided conditions for rescuers to mobilize their subjectivity in search of pleasure.

Keywords: pleasure, labor, psychodynamics.

Introdução
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) 192 foi instituído
no Brasil, em Municípios e regiões do território nacional no ano de 2004,
por meio do decreto nº 5055 27/04. A finalidade de sua criação foi à
implementação de ações com maior grau de eficácia e efetividade na
prestação de serviço de atendimento à saúde de caráter emergencial e
urgente. O acesso nacional ao SAMU é realizado pelo número telefônico 192
(exclusivo das centrais de regulação médicas), disponibilizado 24 horas pela
Agência Nacional de Telecomunicações (BRASIL, 2004).

O processo de atendimento do SAMU 192 envolve várias fases e começa
a partir do chamado telefônico, quando são prestadas orientações sobre as
primeiras ações. Após a constatação da emergência, são coletadas
informações sobre as vítimas e sua localização, e encaminhadas ao Médico
Regulador. Então, há orientações às vítimas e indicação do tipo de veículo
mais adequado e equipe multidisciplinar mais indicada para prestar o
atendimento, dependendo da especificidade e gravidade (BRASIL, 2017).

Os profissionais que atuam no SAMU 192 têm sido submetidos, segundo estudo de Guimarães, Silva e Santos (2015), a plantões extensos de trabalho em turnos alternados (diurno e noturno); a deslocamentos em veículos mal conservados e em estrutura viária deficiente; ao contato com agentes infecciosos; a situações de intimidação e ameaças de usuários do SAMU 192 e da população que assistem aos atendimentos; e também, segundo Melo e Magalhães (2016) a esforços com posturas corporais inapropriadas. Além disso, conforme Ortiga (2014) enfrentam situações desgastantes em decorrência da resistência dos profissionais da rede de saúde em receber pacientes e com, segundo Brasil (2017), vítimas em elevado estado de sofrimento.

Partindo da complexidade da atuação destes profissionais este artigo se
propôs a responder as seguintes perguntas: Os socorristas do SAMU 192 na
sua relação com o trabalho vivenciam o prazer? Quais fatores condicionam
a experiência de prazer, caso haja, dos trabalhadores do SAMU 192.

As vivências de prazer emergem da sensação de bem-estar que o
trabalho produz no corpo, na mente e nas relações sociais e se manifestam
por meio da gratificação, da realização, do reconhecimento, da liberdade e
da valorização no trabalho (FREITAS; FACAS, 2013) do bom relacionamento
entre os colegas, da colaboração e vínculo de confiança, pelo sentimento de
respeito dado a si próprio, o trabalhador, pela identificação que têm com a
profissão, pela possibilidade de ajuda ao outro (MAXIMO; CANÇADO;
JEUNON, 2012).

O poder dos trabalhadores de agirem, administrarem livremente suas
atividades e o reconhecimento do trabalho executado, são fatores que
viabilizam vivências de prazer (DEJOURS, 1997). O trabalho não é apenas
produzir, mas uma ocasião oferecida à subjetividade do trabalhador para
que o mesmo se realize (DEJOURS, 2012). Qualquer que seja o trabalho, sob
o ponto de vista de Dejours (2016), deve proporcionar prazer para quem o
efetiva, sendo uma fonte de realização profissional e pessoal. Logo, as
vivências de prazer no trabalho pelo trabalhador, tornam-se
imprescindíveis. 

Convém destacar que “a procura do prazer e a fuga do desprazer
constituem uma aspiração constante para o trabalhador, em virtude das
requisições instituídas no processo, nas relações e na organização do
trabalho” (AZEVEDO; FIGUEIREDO, 2015, p. 33). O prazer faz parte da
mobilização subjetiva do sujeito conforme conceituado em Psicodinâmica
do Trabalho. Esta abordagem teórico-metodológica “tem por objetivo, o
estudo das relações entre condutas, comportamentos, experiências de sofrimentos e de prazeres vividos por um lado, e organização do trabalho e
relações sociais de trabalho por outro” (DEJOURS, 2011, p. 343).

Inserida no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho, a
referida abordagem busca entender a relação entre trabalho e a
subjetividade do trabalhador. Para Macêdo e Bueno (2016), o ponto de
partida dessa análise é a organização do trabalho, na tentativa de
compreender como são produzidos os processos de subjetivação, as
patologias e a saúde. Seu princípio metodológico fundamental é a escuta e a
interpretação da fala dos trabalhadores. Para Ferreira (2012) o foco da
investigação a partir desta clínica são as estratégias de mediação utilizadas
pelos trabalhadores para ressignificar/superar o sofrimento e transformar
o contexto laboral em uma fonte de prazer. 

A relação do trabalhador com o seu trabalho oportuniza vivências de
prazer. Mas a experiência do sofrimento é constante e o mesmo antecede ao
prazer. Isto acontece porque a concepção, o planejamento e organização da
tarefa não atendem à realidade do trabalho. Ou melhor, entre o trabalho
prescrito e o trabalho real existe uma lacuna que nunca é definitivamente
preenchida. Sobrevêm sempre, em todas as situações de trabalho,
dificuldades e incidentes imprevistos que proporciona experiências
irritantes, desagradáveis, desesperadoras. Nas situações reais de trabalho o
sofrimento e o prazer, normalmente, coexistem (DEJOURS, 2012). Quando o
trabalhador consegue lidar com o sofrimento e satisfazer suas necessidades
e/ou desejos, ele pode adentrar-se no campo do prazer. 

As pesquisas envolvendo vivências de prazer no trabalho com
socorristas do SAMU 192 são pouco frequentes. No período de 2012 até
2016, 34 artigos foram publicados em periódicos revisados por pares, em
língua portuguesa, no Portal de Periódicos da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes. Deste total, as
produções que se aproximam da proposta do presente artigo é de Alves,
Rocha, Ribeiro, Gomes e Brito (2013) que identificaram os aspectos
positivos e negativos do trabalho dos enfermeiros socorristas e de
Arnemann e Winter (2012) que buscou compreender como o prazer e o
reconhecimento se articulam no processo de ressignificação do sofrimento
no trabalho. Diante disto, os objetivos do presente estudo foram: identificar
as vivências de prazer, em relação ao trabalho de socorrista em um SAMU
192 no Brasil; descrever as vivências de prazer, caso haja, bem como os
fatores que condicionam tais vivências. 

Este estudo favoreceu um espaço de diálogo entre o coletivo de
trabalhadores que fazem intervenções, suporte avançado, para manter a
sobrevida das vítimas. Ademais, permitiu fortalecer a abordagem teórico metodológica adotada e ainda a produção de informações relevantes sobre as vivências de prazer no trabalho destes profissionais.

Método 

Trata-se de um estudo de caso de caráter descritivo e exploratório, embasado na abordagem teórica e metodológica da Psicodinâmica do trabalho. Utilizou-se a análise documental, entrevistas individuais e realizou-se três sessões de escuta clínica coletiva (em dezembro de 2015) com 14 profissionais: Enfermeira 1 (E1), Enfermeira 2 (E2), Enfermeira 3 (E3), Médico 1 (M1), Médico 2 (M2), Médico 3 (M3), Médico 4 (M4), Médico 5 (M5), Médico 6 (M6), Condutor Socorrista 1 (CS1), Condutor Socorrista 2 (CS2), Motolante 1 (ML1), Motolante 2 (ML2), Motolante 3 (ML3). A condução das sessões com o grupo de participantes foi subsidiada por questões disparadoras elaboradas a priori. 

A demanda foi construída a partir do contato com os trabalhadores do SAMU 192, a adesão foi voluntária. As verbalizações foram gravadas em áudio, depois transcritas e posteriormente submetidas à análise clínica do trabalho com base em Dejours (1997, 2011, 2012, 2016). A validação dos dados foi feita durante a pesquisa e ao final da mesma. O presente estudo seguiu os preceitos de eticidade com a aprovação do mesmo pelo comitê de ética em pesquisa e anuência dos sujeitos pesquisados formalizada via assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Os dados foram analisados a partir da Análise Clínica do Trabalho, conforme Dejours (2012). É importante salientar que utilizou-se a triangulação de juízes tanto na coleta, transcrição, análise e validação dos dados. 

Resultados e discussão 

As análises clínicas sinalizam que o trabalhar dos profissionais do SAMU 192 é constituído de experiências de prazer geradas essencialmente por duas vias: pelo reconhecimento do trabalho executado (proferido pelos próprios trabalhadores; por colegas da equipe – entre pares -; pela coordenação geral atual; pela sociedade; pelos atendidos e suas famílias e pelo governo) e pelo sentido positivo atribuído ao trabalho.

a) Prazer pelo reconhecimento do trabalho 

O reconhecimento parece ser operante e significativo no coletivo de trabalhadores estudado, pois os dois tipos de julgamentos foram detectados: o de utilidade, relacionado à linha vertical constituída por superiores hierárquicos e usuários e o de estética, vindo de uma linha horizontal, isto é, dos colegas e pares. 

Os relatos dos participantes indicam que o dispêndio de energias físicas e mentais nas atividades laborais é reconhecido simbolicamente por eles próprios/auto reconhecimento que consideram o trabalho importante e suas funções úteis, essenciais na sobrevida das vítimas:

Tenho importância […] na sobrevida do paciente […] no diagnóstico […] (M6). O reconhecimento ele vem também de você […] é a maior recompensa de você saber que teu estudo […] trabalho, a tua dedicação está sendo reconhecida por você também, como ser humano (M4).

Para sentir o prazer de salvar alguém, os motolantes, suportam muitas
adversidades: sol, chuva, trânsito caótico por considerarem o trabalho,
realizado por eles, importante no processo de atendimento: “Montar numa
moto […] e ir num atendimento não tem dinheiro que pague” (ML2).

A unidade móvel para atendimento de urgência, motolância, permite
aos condutores chegarem o mais rápido possível no local da ocorrência.
Diante das dificuldades de mobilidade urbana e da importância do tempo
resposta a moto se tornou uma estratégia importante para os
deslocamentos de forma rápida. Isso somado à competência da equipe nos
procedimentos iniciais faz a diferença na sobrevida da vítima.

Diversas são as situações em que as motolâncias são acionadas. Uma
delas é a intervenção em eventos em locais reconhecidos como de difícil
acesso a veículos de urgência (ambulâncias) em razão de características
geográficas, condições da malha viária, dentre tantas peculiaridades de cada
município/região de abrangência do serviço. Ao desafiarem, com segurança,
o trânsito para fazerem os atendimentos, os motolantes experenciam os
efeitos da adrenalina no corpo conforme expresso pelo participante ML2: “É
bom, a gente gosta de adrenalina”. As falas revelam sentimentos de
valorização, dada pelos próprios trabalhadores, de seus esforços e do
sofrimento investido para a realização do trabalho.

O estudo de Romanzini e Bock (2010) com enfermeiros do SAMU 192
de Fortaleza revela que quando o atendimento é realizado de forma adequada, dentro daquilo que é estipulado, com equipe integrada, sem
ocorrer falhas significativas, mesmo que não haja sucesso na tarefa de salvar
a vida da vítima, o trabalho é considerado positivo para a equipe, porque
conseguiu fazer o que tinha que ser feito da melhor maneira possível.

Importante assinalar que dentre os sentimentos de prazer identificados
por Garcia, Dellaroza, Haddad e Pachemshy (2012), em pesquisa com
técnicos em enfermagem de um pronto socorro do Estado do Paraná, o auto
reconhecimento é incluído como fator associado. Isso é recorrente no
estudo de Guimarães, Silva e Santos (2015) com condutores socorristas que
reconhecem a importância do próprio trabalho, sentem-se recompensados
por aliviarem a dor e o sofrimento de outros seres humanos.

Para Dejours (2016) o trabalho nunca é neutro no que se refere à saúde
do trabalhador. Pode tanto constituir fator de sustentação da identidade e
mantenedor da saúde do trabalhador, quanto promover o adoecimento.
Soraggi e Paschoal (2011), comentam que o trabalho pode promover o bemestar por meio da prevalência de emoções positivas e percepção de
realização pessoal e alcance de metas pessoais no trabalho, ou contribuir
para a desestabilização, dependendo da forma como é organizado e gerido.

O reconhecimento do trabalho realizado pelos socorristas, com base no
julgamento de beleza, proferido pelos colegas e pares, foi recorrente em
diversos relatos indicando a existência de uma fonte de prazer:

Os médicos falam bem da gente (ML1). O reconhecimento mesmo é mais no local de trabalho […] na sua equipe… (E2). Reconhecimento […] entre os colegas é sempre e constante (E3). Reconhecimento […] é mais comum entre a equipe em si […] (M5).

Tais verbalizações enfatizam o reconhecimento da qualidade do fazer
mediado pelo o outro por meio do julgamento da beleza. Caso o
investimento do trabalhador no seu labor, passe despercebido, ou seja,
negado pelos outros, o sofrimento suscitado passa a ser uma ameaça para a
saúde mental dos profissionais. Haja vista que o reconhecimento gera
sentimento de pertencimento a um coletivo de trabalho e dá sentido ao
confronto com o real.

O reconhecimento também emergiu no estudo de Romanzini e Bock
(2010) com enfermeiros do SAMU 192 de Porto Alegre. Segundo Dejours
(2016) os colegas e pares são trabalhadores que conhecem bem as regras de
trabalho e podem julgar a conformidade com sua originalidade em relação
às normas em prática. É graças ao reconhecimento sobre o fazer que se
pode respeitar e manter relações de cooperação com pessoas.

Para Dejours (2012) o reconhecimento é um combustível necessário
para que o trabalhador consiga suportar o real do trabalho. O
reconhecimento depende do julgamento dos outros sobre a qualidade do
trabalho executado pelo trabalhador, ou seja, sobre o fazer e não sobre o
indivíduo. Reitera Gernet (2012) que o reconhecimento do trabalho
participa da realização do ser no campo social. Essa dinâmica permite
compreender de forma particular como, graças ao trabalho, alguns
trabalhadores conseguem consolidar a própria identidade e conjurar, por
vezes durante toda a vida, o risco da doença mental e somática.

Na percepção de alguns trabalhadores, o governo ao manter
funcionando o SAMU 192 transmite a eles a ideia de reconhecimento sobre
o trabalho que realizam. A coordenação geral, do campo de estudo, ao
empenhar suas forças para melhorar as condições laborais, sobretudo na
aquisição de melhores equipamentos de trabalho, sinaliza para os
profissionais a concessão de reconhecimento.

Os dados disponíveis no portal do Ministério da Saúde apontam
crescimento do número de municípios atendidos pelo SAMU 192 no Brasil.
Em 2013 eram 2.764 cidades, em 2014 aumentou para 2.949, em 2015 o
número era de 3.053, em 2016 manteve a mesma quantidade de 2015
(3.053), em 2017 estão sendo contemplados 3.385 (BRASIL, 2017).

Na percepção do participante ML2 “o SAMU é o único projeto que está
funcionando, em quase todos os municípios do Brasil […] com 12 anos de
existência”. Essa narrativa indica que o governo, ao insistir em ofertar os
serviços pré-hospitalares móveis para a população, está reconhecendo a
importância do trabalho dos profissionais que atuam no SAMU 192. Do
contrário, já teria eliminado esse tipo de serviço público disponibilizado à
sociedade.

O reconhecimento ao trabalho, esforço, dedicação e comprometimento
dos motolantes se manifesta também pelas ações da coordenação do SAMU
192 em estudo, conforme relato: “Sempre a coordenadora geral consegue
coisas boas para nós, equipamentos bons, capacetes” (ML1). O empenho em
fornecer materiais de qualidade é uma forma de reconhecimento interno na
hierarquia vertical na percepção deste participante.

Os condutores socorristas do SAMU 192 de Fortaleza sofrem com a
falta de reconhecimento de seu trabalho por parte da gestão (GUIMARÃES;
SILVA; SANTOS, 2015). Para Ribeiro e Mancebo (2013) a ausência de
reconhecimento e de valorização do trabalho que os servidores públicos
realizam é motivo de preocupação, pois tem sido cada vez mais comum o
trabalho para essa categoria assumir apenas o sentido de porto seguro para
atendimento de suas necessidades financeiras frente à instabilidade do
mercado.

A busca da satisfação movida pelo princípio do prazer via reconhecimento – elemento chave na construção da identidade do trabalhador –
sobre o fazer, proferido pelos outros, é indispensável para que o trabalhador consiga permanecer na normalidade (saúde mental) diante da
organização do trabalho. Graças ao reconhecimento, trabalhar não é apenas
produzir bens ou serviços, é também “se transformar em si mesmo”. Ao ser
reconhecido pelo trabalho realizado, o trabalhador pode, eventualmente,
voltar esse reconhecimento de seu saber-fazer para o registro de sua
identidade (DEJOURS, 2011, 2012).

Os atendidos e suas famílias se sentem tão agradecidos a ponto de
manifestar, via telefone ou pessoalmente, o quão foi importante o trabalho
realizado por eles: “Acontece de recebermos ligação de agradecimento […]
até mesmo na ocorrência elogiam” (CS1). “Já teve familiares que veio aqui
agradecer pelo atendimento prestado à vítima no local” (CS2). Foi relatado
também que “Algumas pessoas […] escreve uma carta… às vezes sai na
imprensa […]” (M5). “Muitos acham que a gente é anjos, anjos da guarda,
anjos da rua” (E1). “Paciente […] a maioria a gente consegue salvar […]” (E2).

A família, amigos e curiosos depositam toda confiança deles na equipe socorrista. Os consideram anjos, não celestiais, com habilidades capazes de estabilizar uma vida até que a mesma possa receber melhores cuidados em unidade de saúde habilitada. O cuidado dispensado à vítima repercute na satisfação de dever cumprido junto ao status a eles atribuído. Por estarem salvando vidas às pessoas os veem como anjos salvadores. Isso parece ser central na relação de apego com a atividade humana do trabalho.

O reconhecimento manifestado pelos atendidos pelo SAMU 192 e suas famílias revela ser tímido em decorrência do número de demonstrações recebidas pelos profissionais atuantes. Segundo Rocha (2013), o reconhecimento de usuários e familiares de usuários é percebido e valorizado pelo profissional socorrista, que se sente gratificado e motivado. Afirma Dejours (2016) que o trabalho não progride somente no mundo objetivo e no mundo social, mas também no mundo subjetivo – o do reconhecimento. 

A retribuição simbólica pelo reconhecimento do trabalho dos socorristas vem também de origem externa: “A população é grata pelo o trabalho
que a gente faz” (CS2). “[…] reconhece” (ML2). “Saiu na televisão um
atendimento que fizemos […] até hoje tem hora que a gente sai na rua o
pessoal vê e pergunta: foi você e tal?” (ML3).

Pode-se dizer que esse reconhecimento não se resume no atendimento
propriamente dito, só pelo que pode ser visto, mas do conjunto de procedimentos de engajamento no socorro às vítimas, que envolve a superação de obstáculos, tais como o difícil deslocamento devido ao trânsito e as próprias condições de trabalho, como a falta de equipamentos e outros recursos.

Mesmo com todas essas dificuldades conseguem salvar vidas. Ao serem
parados na rua pelas pessoas, os condutores socorristas experenciam
momentos de prazer, ou seja, todo o esforço valeu e vale a pena. O estudo
de Rocha (2013) revelou que a natureza do trabalho executado e o
reconhecimento da população funcionam como fatores de satisfação no
trabalho, fortalecendo o espírito de equipe, de coesão e de motivação e de
esforço da identidade profissional. Os achados de Melo e Magalhães (2016)
indicam que a população, ao reconhecer o trabalho dos profissionais do
SAMU 192, viabiliza sentimentos positivos (orgulho daquilo que o trabalhador produz). Esta vivência é determinante para que confiram sentido ao seu
trabalho.

Uma recompensa simbólica, ou mesmo “moral” é o que mobiliza a
inteligência do trabalhador e favorece a transformação do sofrimento em
prazer (DEJOURS, 2012). Para Merlo (2016) o verdadeiro impacto psicológico está ligado à dimensão emblemática. Este é o verdadeiro reconhecimento qualitativo pelo serviço prestado. Trabalha-se por este reconhecimento,
o qual passa por avaliações de julgamentos, emitidas por atores bem
precisos com os quais os trabalhadores interagem no trabalho. Somando-se
a isto está a afirmação de Ferreira (2011, p. 53): o “reconhecimento no
trabalho contribui para o desenvolvimento e a consolidação da identidade
individual e coletiva dos trabalhadores, e neste sentido, agrega sentido
humano ao trabalho”. 

A esfera social, familiares e amigos, também reconhece a importância
do trabalho de socorrista do SAMU 192: “O reconhecimento vem mais de
familiar que te admira pelo o que você faz […] pelo […] ciclo de amizades que
realmente reconhece […]” (E2). “Por parte da minha família eu tenho
reconhecimento […]” (E1). Estas falas indicam que os esforços empreendidos na execução do trabalho têm sido reconhecidos primeiramente pela família e
depois pelos amigos que os admiram e respeitam.

Segundo Edwards e Rothbard (2000) o indivíduo infeliz no trabalho,
procura satisfação e recompensas na esfera familiar. Para Dejours (2012) o
trabalho atua junto com o sofrimento e o reconhecimento. Se o
reconhecimento não surge, os trabalhadores engajam-se em estratégias
defensivas para evitar a doença mental, com implicações sérias para a
organização do trabalho.

b) Prazer pelo sentido positivo atribuído ao trabalho

O trabalho constitui a identidade do trabalhador. Dependendo do
sentido que lhe é atribuído, se há predominância de vivências de prazer ou
de sofrimento, pode contribuir para o trabalhador se sentir realizado,
reconhecido, ou sobrecarregado e explorado.

Pelas verbalizações foi possível identificar que os profissionais em
estudo vivenciam o prazer pelo sentido positivo que atribuem ao seu
trabalho. Cada um atribui um significado para aquilo que faz: “O trabalho
representa o ganha pão […] e a expectativa de vida que eu criei pra mim
desde a faculdade” (M1). “É uma coisa que dá muito prazer de fazer […] o
pré-hospitalar é muito bacana, é apaixonante […]” (M5). Enfatizaram outros trabalhadores: “Salvar uma vida […] é uma realização […] é gratificante”
(E2). “Sou apaixonado no que faço […] não sei fazer outra coisa só trabalhar
com urgência e emergência” (ML2). “Faço o que eu gosto […] com muita boa
vontade […]” (ML3).

Nos trechos supracitados é possível compreender que sentido do
trabalho vai além do atendimento às necessidades financeiras, sendo seu
conteúdo significativo e singular para cada indivíduo. Todos afirmam que
fazem o que gostam e sonharam fazer um dia. O trabalho, para eles,
representa uma possibilidade de realização pessoal. Esta característica,
pode-se dizer, é central para estimular o trabalho dos socorristas, é a que dá
sentido à sua profissão no SAMU 192.

Percebe-se, pelas falas, a presença de uma sincronia entre o trabalho e
o prazer experenciado. Mesmo diante das imprevisíveis circunstâncias, que
desencadeiam sentimentos de insegurança, temores e ansiedade, os
participantes atribuem significado positivo ao trabalho pelo prazer que o
mesmo proporciona.

Para o participante M1 o trabalho é condição essencial para suprir suas
necessidades financeiras e atender sua expectativa criada quando era
acadêmico. Na perspectiva do participante M5 o trabalho representa felicidade, bem estar. Este estado psicológico indica a presença de aspectos
positivos na experiência laboral deste trabalhador. O trecho, a seguir,
embasa tal compreensão: “Vou embora para casa […] feliz, vou cantando”
(M5). Mesmo depois de um dia de trabalho convivendo com o sofrimento
das vítimas, e por vezes com óbitos, o participante M5 consegue se sentir
feliz.

É muito importante que o trabalhador identifique-se com o seu
trabalho. Isso favorece experiências prazerosas no labor. Para o participante
M6 o trabalho, no SAMU 192, tem sentido de relaxamento e tranquilidade:
“Quando eu estou vindo pra cá normalmente é a hora que eu fico mais
relaxada, mais tranquila” (M6). O estado de calmaria e relaxamento emerge
justamente na hora em que está indo para o trabalho no SAMU 192. Isto
significa que o trabalho promove momentos favoráveis a sua saúde.

Os participantes também atribuem valor a seu fazer profissional pelo
sentido de ajuda concedido às pessoas: “Sempre bom ajudar as pessoas […] a
gente quer chegar ao local e socorrer. A gente esquece a família, esquece o
que está ao seu redor e quer chegar” (CS1). O sentido positivo do trabalho,
atrelado a isso também recorreu nas falas de outros participantes: “O papel
nosso é salvar vida, chegar lá e estabilizar uma vida e deixá-la seguir o seu
trajeto” (ML2). “É muito gratificante você estar ajudando o próximo […]”.
“Você quer sempre ajudar” (ML3).

De acordo com os relatos, pode-se afirmar que esses trabalhadores se
sentem úteis no trabalho, que suas tarefas são significativas para eles e para
as pessoas atendidas e que apesar das características da tarefa (fraturas,
paradas cardiorrespiratórias, baleados) eles as consideram agradáveis pelo
sentido que atribuem ao trabalho. Consideram as atividades que realizam
como muito importantes.

O aspecto da generosidade aflorou na fala de alguns participantes
como um dos sentidos positivos do trabalho: “A gente se coloca no lugar da
pessoa que está lá do outro lado” (CS1). “[…] já cheguei a levar paciente
numa situação tão precária que eles não tinham dinheiro para comer e nem
para voltar para casa […] dei dinheiro […]” (CS2). O envolvimento dos
trabalhadores com o trabalho é tão acentuado que os mesmos tiram de si
para doar aos outros. Mesmo tendo uma remuneração insatisfatória ainda
conseguem ajudar alguém.

As declarações de alguns participantes reafirmam a importância que o
trabalho representa em suas vidas. O vício pela adrenalina ultrapassa os limites do trabalho. Nem quando está de férias, o participante ML2 consegue se desligar do trabalho: “Férias você passa 30 dias longe […] a gente sente
falta […] é um vício. Então você está na abstinência. Montar numa moto […] e
ir num atendimento não tem dinheiro que pague” (ML2). Outros
participantes também sinalizaram o trabalho como fonte de prazer: “Pra
mim o SAMU é tudo. Quando você sai de casa ou do outro trabalho para vim
pra cá já vem com o coração alegre” (CS2). “A gente cansa, mas é gratificante
[…] é um cansaço que é bom demais” (ML3). 

O trabalho assume aqui uma condição de centralidade, haja vista que
sua ausência provoca sofrimento, como bem foi verbalizado pelo
participante ML2. Essa dificuldade de se desligar do trabalho, mesmo
estando fora dele, parece indicar que o participante ML2 possui um
comportamento workaholic (trabalhador viciado em trabalho; compulsivo e
dependente do trabalho):

Eu sou apaixonado pelo serviço de atendimento móvel […]. Fiquei quatro meses de licença médica e quando eu ouvia a sirene da ambulância eu pensava: nossa poderia estar ali dentro, ficava louco para entrar, louco para ir num atendimento (ML2).

Pode se considerar que o risco do desequilíbrio entre trabalho e lazer
se faz presente.

Outro significado atribuído ao trabalho é a sensação do dever
cumprido: “Você põe sua cabeça no travesseiro e dorme” (ML2). “Você tem
sua consciência boa” (ML3). Cumprir as atribuições inerentes à função que
exercem é de vital importância para que os condutores socorristas de
ambulância e motolância possam ficar com a consciência tranquila e
descansar. Na realidade experienciam sentimentos de satisfação por
estarem salvando vidas. A confiança da família e amigos da vítima,
depositada nestes profissionais, os fazem se sentirem como anjos
salvadores. A pesquisa de Lima et al. (2015) com profissionais do SAMU
Aéreo de Teresina, Estado do Piauí, revelou que os mesmos se sentem
satisfeitos e realizados, demonstram sentimentos de prazer pelo trabalho,
se identificam com o que fazem, são comprometidos com o outro e revelam
a sua alegria quando ajudam a salvar vidas.

Emergiu também na escuta clínica o aspecto positivo completude e
importância. Para os participantes, o trabalho realizado pelo SAMU é mais
completo e importante do que aqueles realizados por outro tipo de
organização pública de atendimento à população: “O SAMU foi criado para
atender casos clínicos. O bombeiro trauma. Mas depois […] o SAMU está com
os clínicos e com os traumas” (CS1). “O SAMU […] eu acho que é o único
projeto no Brasil certo, que anda […]” (ML2).

Numa ocorrência em que a vítima de acidente está viva e presa entre as
ferragens, precisa-se chamar o corpo de bombeiros, pois as equipes do
SAMU 192 não possuem equipamentos para cortar a lataria do veículo.
Neste caso, a vítima é retirada pelo corpo de bombeiros e a equipe do SAMU
192 faz os procedimentos para manter a sobrevida do atendido. Desta
forma, as equipes do SAMU são preparadas para estabilizar a vítima, já o
corpo de bombeiros possui especialistas em resgate de vítimas em situações
em que o acesso até elas pela equipe do SAMU é comprometida por diversas
razões. Dependendo da cena em que se encontra a vítima, o trabalho do
SAMU 192 não pode ser realizado. O corpo de bombeiros, nas situações em
que é necessário sua atuação, é primordial para que as equipes do SAMU
192 possam realizar os procedimentos necessários para estabilizar a vida
da vítima.

Para além do prazer o trabalho representa “responsabilidade enorme
nas mãos” (M4). “Porque você tem uma vida, você precisa manter essa vida  […]” (E2). Lidar com vidas em estado de sofrimento físico ou psíquico exige um conjunto de técnicas cautelosas que mantém em certas ocorrências a
vida da vítima ou não, isso vai depender do estado o qual a mesma se
encontra. No momento do atendimento o médico e sua equipe têm vida e
morte na mão. Essa situação, de certa forma, gera um peso alto de
responsabilidade para o médico intervencionista e enfermeira que lidam
diretamente com os procedimentos protocolares de socorro.

A possibilidade de realizar atividades consideradas úteis e gratificantes
dá sentido positivo ao trabalho dos participantes: “É bastante gratificante
você chegar e fazer o atendimento é tudo de bom” (E1). “Fácil não é não,
mas é gratificante […] vale a pena […] eu acho fantástico apesar de alguns
problemas […]” (M5). As falas indicam que o trabalho vale a pena, mesmo
encontrando dificuldades em sua execução. Pode-se dizer que o trabalho é
interessante, útil, dá prazer e é valorizado pelos membros da equipe de
socorro. Então, a profissão oferece a esses trabalhadores a possibilidade de
realizar algo que tenha sentido.

O trabalho representa também integração. O núcleo de competência de
cada profissional (médico, enfermeira, condutor socorrista) deve estar
integrado em uma ação conjunta para salvar vidas. E isso ocorre, como bem
afirma a participante E3: “É um trabalho em equipe, realmente um trabalho
em equipe. Não existe o seu serviço e o meu serviço. Todo mundo junto em
prol do paciente […]”. Essa integração revela que entre os pares existe o
reconhecimento da importância do trabalho, por eles executado,
concedendo sentido positivo a execução das atividades desenvolvidas no
SAMU 192.

Para o participante M5, “às vezes é melhor ter plantão do que ficar em
casa (M5)”. Essa analogia permite compreender que o trabalho é um refúgio
e um abrigo prazeroso que se apresenta melhor do que o próprio lar.
Mesmo oferecendo sensação de conforto, proteção, relaxamento, bem-estar
físico e emocional o espaço doméstico por vezes não é o preferível.

O serviço rotineiro de consultório não agrada aos participantes. Para
estes profissionais o trabalho que dá prazer, promove satisfação e tem
sentido é aquele com características desafiadoras e que promove resultado
imediato:

 

Não tenho perfil […] de ter consultório […] eu gosto […] de coisas diferentes […] exercer […] várias partes da medicina […] (M6). Se me colocar dentro do consultório eu fico doido […] (M5). Eu não tenho […] perfil de consultório […] gosto muito de urgência e emergência […] (M4).

De acordo com os relatos, compreende-se que existe um encontro de
oportunidades na atividade de trabalho realizada pelos médicos. Atuarem
no SAMU 192 significa satisfazerem suas necessidades de viver situações
limites, diferentes, desafiadoras que estimulam a liberação do hormônio
adrenalina, fazendo-os se sentirem vivos, importantes, fundamentais. Os
infortúnios das vítimas produzem sentido ao trabalho dos socorristas, pois
as atividades que eles realizam objetivam tirar ou amenizar o sofrimento do
outro. Existe uma relação dicotômica entre sofrimento e prazer. Quanto
mais difícil o caso, mais prazeroso se torna o trabalho.

Quando solicitados, a equipe do SAMU 192 assume os primeiros
socorros da vítima, estabiliza-a e faz a condução da mesma até uma unidade
de saúde habilitada a recebê-la. O trabalho de atendimento é fundamental
para a sobrevida e recuperação do paciente. Essa ação humanizada, dos
profissionais é muito importante e fortalece o sentido do trabalho: “Tenho
importância […] na sobrevida do paciente, pro diagnóstico do paciente […]” (M6). “Antes de aposentar eu vou ficar aqui até quando eu conseguir.
Enquanto não mandar eu embora […] não quero sair daqui não” (E2).

Beneficiar alguém que necessita de cuidados emergenciais é essencial
para a equipe intervencionista, médico e enfermeira. Se sentir útil e
importante desperta e mantém o interesse dos mesmos em realizar o
trabalho. Isto significa que os motivos que os conduzem a enfrentar os
desafios de cada ocorrência, o ato em si de trabalhar, estão relacionados
com o sentido da importância. 

Segundo Gernet (2012, p. 62) “a transformação do sofrimento em
prazer se torna possível pela interpretação do sentido dado à tarefa”. Para
Morin (2001) um trabalho que tem sentido é feito de maneira eficiente e
leva a alguma coisa, é intrinsecamente satisfatório, é moralmente aceitável,
é fonte de experiências de relações humanas satisfatórias, garante a
segurança e a autonomia, é um trabalho que mantém o trabalhador
ocupado.

Além disso, o significado positivo do trabalho promove prazer a quem
o exerce, a pessoa gosta de suas atividades e aprecia o que faz. O sentido de
satisfação no trabalho está relacionado à contribuição pessoal do indivíduo
para o próprio labor. Ademais, o trabalho faz sentido se quem o executa tem
a sensação de superar desafios e perceber sua contribuição e responsabilidade no trabalho executado (MORIN; TONELLI; PLIOPAS, 2007).

Ao estar “carregado de sentido o trabalho torna-se auto realizador,
vincula o homem a esferas que vão além da subsistência e das necessidades
materiais humanas e cria a oportunidade de aproximação do sujeito ao
grande potencial de desenvolvimento humano” (ARAÚJO; LEAL, 2009, p. 1).
Mas “quando o trabalho perde o sentido, a própria vida tende a perder seu
sentido, dado o lugar central que este ocupa em nossas vidas” (UCHIDA,
2007, p. 112).

Considerações finais 

Por meio dos resultados desta pesquisa, foi possível perceber que os socorristas do SAMU 192, atendimento avançado, vivenciam situações de prazer no trabalho mesmo desenvolvendo suas atividades em plantões extensos de turnos alternados (diurno e noturno); deslocando em veículos mal conservados e em estrutura viária deficiente; expostos à agentes infecciosos, violência externa, estresse; lidando com a resistência dos profissionais da rede de saúde em receber pacientes e com vítimas em estados de sofrimento. Então, a realidade laboral desses profissionais não se resume a aspectos financeiros, frustrações, contradições, mas também ao prazer, questão central na motivação para o trabalho.

O esforço dos socorristas tem sido reconhecido primeiramente por eles próprios, por colegas da equipe (entre pares), pela coordenação geral atual, pela sociedade, pelos usuários e famílias de usuários e o governo. Pode-se dizer que a vivência de ser valorizado ou reconhecido sustenta o compromisso e o envolvimento com o trabalho. Mesmo com todas as dificuldades apresentadas conseguem salvar vidas. Assim, os profissionais experenciam momentos de prazer, ou seja, todo o esforço valeu e vale a pena.

Percebe-se, pelas falas, a presença de uma sincronia entre o trabalho e o prazer experenciado. Mesmo diante das imprevisíveis circunstâncias, que desencadeiam sentimentos de insegurança, temores e ansiedade, os participantes atribuem significado positivo ao trabalho pelo prazer que o mesmo proporciona. Parece que a atribuição de sentido positivo ao trabalho é mais diretamente devido à percepção do reconhecimento e do significado (valor) atribuído ao trabalho; o prazer é decorrente dessa experiência.

Compreende-se que os trabalhadores estudados se sentem úteis no
trabalho, que suas tarefas são significativas para eles e para as pessoas
atendidas e que apesar das características da tarefa (fraturas, paradas
cardiorrespiratórias, baleados) eles as consideram agradáveis pelo sentido
que atribuem ao trabalho. Consideram as atividades que realizam como
muito importante.

Pode-se dizer que o trabalho é interessante, útil, dá prazer e é
valorizado pelos membros da equipe de socorro/intervenção. Então, a
profissão oferece a esses trabalhadores a possibilidade de realizar algo que
tenha sentido. Há homogeneidade de experiência, relacionada com o
reconhecimento e sentido do trabalho, para os participantes da pesquisa.

A abordagem teórico-metodológica da Psicodinâmica do Trabalho, com
o seu método clínico, se fez coerente para identificar as vivências de prazer,
visto que a mesma viabiliza o acesso às vivências subjetivas dos trabalhadores em relação ao seu trabalho por meio de um espaço de discussão, onde
a fala (palavra dos trabalhadores) é o elemento central para revelar as
experiências vividas no trabalho, as quais incluem o prazer. O espaço da fala
favoreceu reflexões sobre o prazer, desenvolveu a empatia entre os
trabalhadores e contribuiu para ampliar a compreensão do sentido positivo
do trabalho para cada participante.

Como toda pesquisa, esta também se deparou com limitações, mas que
não produziram prejuízos à mesma. A principal delas decorreu da dificuldade de conciliar os horários das sessões clínicas com os horários dos
trabalhadores participantes. Os mesmos atuam em outros empregos, além
do SAMU 192, e os plantões acontecem em turnos (diurno e/ou noturno)
durante a semana, fins de semana, feriados.

Para estudos futuros sugere-se investigações sobre os aspectos da
organização e gestão do trabalho de outros SAMUs 192 que têm favorecido
as vivências de prazer. Considerando que no presente estudo não se
preocupou em examinar as estratégias utilizadas pelos trabalhadores para
lidar com as dificuldades do “trabalho real” que, quando bem sucedidas,
também produzem sentimentos de potência e de prazer.

Assim sendo, mais informações serão disponibilizadas ao público
interessado, viabilizando discussões que possam concretizar mudanças nas
relações laborais a fim de ampliar possíveis fatores que possibilitem aos
trabalhadores o prazer pelo trabalho e, consequentemente, a construção
e/ou manutenção de sua saúde mental.

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Publicado na Revista ECOS. Disponível em  , [http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/3002]


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