DINÂMICA E IMPLICAÇÕES DO HUMOR, DA DESINFORMAÇÃO E DO ÓDIO NAS REDES SOCIAL

No trabalho de Freud, a linguagem é referenciada como central sob três aspectos: na construção sociocultural dos fenômenos psíquicos, na mediação entre os processos inconscientes e conscientes e em sua função intersubjetiva (Santos, 2012). Não seria demasiado pretensioso afirmar que de todas as contribuições de Freud, a qualificação da linguagem e da fala teria sido a maior. Na odisseia freudiana, desde a clínica psicopatológica às psicopatologias da vida cotidiana, a linguagem constitui-se como fio condutor de sua Deutung.

 

Entre as formações do inconsciente ligadas à vida diária, o chiste, em sua dimensão intencional, tem para Freud valor demonstrativo ao revelar a determinação inconsciente e os elementos de uma gramática que por via das condensações (metáforas) e dos deslocamentos (metonímias) governam “sub-repticiamente” a palavra e a linguagem (Quinodoz, 2007, p. 63).Enquanto formação de compromisso, o chiste constitui possibilidade social para lidar de modo criativo com a agressividade, com a sexualidade e com as angústias. Atendendo aos impulsos do Isso, constitui-se como jogo de linguagem de onde se extrai um ganho de prazer (Roudinesco; Plon, 1984).O substantivo Chiste traduziu, para a Edição Stand Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, o Witz da língua alemã. A tradução do Witz foi objeto de polêmica entre os tradutores que transitaram entre termos que restringiram sua significação à esfera intelectual ou, pelo contrário, a estenderam ao campo das diversas formas de expressão do cômico (Roudinesco; Plon, 1984).

Neste sentido, James Strachey destaca as difi-culdades em traduzir os jogos de palavras intraduzíveis para a língua inglesa ao afirmar que o ditado italiano ‘Traduttore – Traditore!’ Poderia ser inscrito na página de rosto de sua tradução de Der Witz und seine Be-ziehung zum Unbewussten (Freud, 1905/2017, p. 16).Considerando as traduções para a língua portuguesa, Bohunovsky (2018, p. 85) coteja recortes de três dife-rentes traduções da obra Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten, e observa que elas constituem diferenciadas aproximações da escrita original, ou seja, diferentes leituras. Para a autora, essas diferenças proporcionam ao leitor “o contato com múltiplas facetas do texto freudiano”. Sobre essa extensão significativa do Witz, Coelho e Figueiredo (2018) consideram que Freud utiliza o termo para referir-se às tiradas sarcásticas, mas também o empregou no sentido de piada. Sob esse aspecto, o chiste representa uma construção por meio da linguagem que apresenta níveis variados de complexidade e de comicidade. É de conhecimento que Freud possuía um grande senso de humor e era um colecionador de chistes. Não só sua correspondência é repleta de situações de humor, mas também passagens de sua vida. Essa característica pessoal talvez o tenha levado a escrever dois artigos que remetem ao tema do humor: O chiste e sua relação com o inconsciente (1905/2017) e O Humor (1927, p. 25).Na introdução do seu artigo sobre o chiste, ao questionar “se o tema justifica tanto esforço?” Freud (1905/2017, p. 32) argumenta que há uma conexão profunda entre os fenômenos psíquicos, o que implica que o conhecimento psicológico de uma área pode ser valioso para outras.

 

Aborda o humor exclusivamente sob a perspectiva econômica, em que o prazer surge pela “liberação reprimida de um afeto”.Em sobre o humor, Freud considera o tema à luz de sua tópica estrutural do aparelho psíquico e afirma que um chiste é “a contribuição ao cômico fornecida pelo inconsciente”, enquanto o humor é “a contribuição ao cômico por intermédio do Super-eu” (Freud, 1927, p. 269). Sobre esse aspecto, em seu prefácio, James Strachey ressalta que essa é a primeira vez em que ao superego é atribuído um “estado de espírito afável” (Freud, 1927). Freud (1905/2017) diferencia os chistes quanto à sua finalidade em inofensivos, que não possuem nenhuma intenção particular, e “tendenciosos”, que servem a uma agressividade hostil ou sexual, cínica e cética. Os chistes cínico e cético abalam “fortemente o respeito pelas instituições e verdades em que o ouvinte acreditava” (Freud, 1905, p. 190).Essa dimensão de ataque pode ser ilustrada por uma ‘lenda’ (Roudinesco & Plon, 1998/2012, p. 112) ou uma passagem dramática da vida de Freud. Segundo Gay (1989), para deixar a Áustria em 1938, as autorida-des nazistas solicitaram a Freud que assinasse uma de-claração certificando que não havia sido maltratado. Ele assinou, acrescentando: Posso recomendar altamente a Gestapo a todos (p. 626). A ambiguidade deste chiste e o ataque cínico que se contrapõe à solicitação revelam a proximidade entre o trágico e o cômico, sugerindo que o humor é, às vezes, uma forma de enfrentar o horror que a vida nos reserva.Freud (1927, p. 265) assevera que o chiste, o cômico e o humor têm algo de “liberador”, mas que o humor possui características únicas que o distinguem dessas outras formas de prazer a partir da atividade intelectual. Seu “traço grandioso está claramente no triunfo do narcisismo, na vitoriosa afirmação da invul-nerabilidade do Eu. Este se recusa a deixar-se afligir pelos ensejos vindos da realidade”. No entanto, considerando o chiste mencionado, o prazer e o humor que emanam dele não se fundamentam na resignação, mas sim em uma rebeldia triunfante do princípio do prazer e do ego, que pode afirmar sua invencibilidade sobre as circunstâncias da realidade. Isso demonstra que, embora separados do ponto de vista metapsicológico, e o chiste sendo considerado mais intelectualizado por Freud, esses fenômenos não podem ser totalmente distintos na prática. Sob esse aspecto, desconsiderando os aspectos metapsicológicos, tratamos o chiste no campo vasto das diferentes formas de expressão do humor. Seja quanto à sua origem, no caso do humor, uma intervenção do superego ou, no caso do chiste, uma contribuição ao cômico pelo inconsciente, para Freud (1927), ambos consistem na mais social de todas as funções psíquicas que visam à produção de prazer. Sob esta condição intrínseca, o humor encontra-se preso à condição de sua inteligibilidade e, por essa razão, pode se utilizar da condensação e do deslocamento somente na medida em que esses mecanismos possam ser reconstruídos a partir da comunhão dos códigos sociais (Machado; Sousa, 2015).

Neste mesmo sentido, em sua História do riso e do escárnio, Minois (2003) evidencia que o cômico, como fenômeno social, varia sua forma conforme o espaço e o tempo, implicando na necessidade de compartilhamento do contexto sociocultural para que se torne compreensível. Destarte, o Witz: “Sim, a vaidade é um de seus quatro calcanhares de Aquiles”, emprestado por Freud (1905/2017, p. 40) de Herr N., para exemplificar a condensação que precipita o efeito cômico, provavelmente seria pouco “feliz” (Austin, 1990; Searle, 1984) para aqueles que carecessem do compartilhamento do contexto sociocultural que faz emergir o sentido desta metáfora (condensação).Considerando o contexto sociocultural, a comunicação interpessoal tem sofrido enormes transformações na atualidade, impactada pelas novas tecnologias de comunicação. Em muitos aspectos, a internet tornou-se uma mediadora de grande relevância na comunicação entre indivíduos e grupos, possibilitando um fluxo de informações em transferências cada vez mais rápidas. Nos anos 1990 e 2000, os telefones móveis celulares começaram a ser vendidos em todo o mundo. No Brasil, eles se tornaram populares rapidamente devido ao aumento da demanda por acesso móvel à internet. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2023), cerca de 87,2% da população brasileira com 10 anos ou mais utilizou a internet em 2022. O dispositivo mais utilizado para esse acesso ‘foi o telefone celular (98,9%). A maior utilização foi no envio ou recebimento de mensagens de texto, voz ou imagens por aplicativos diferentes de e-mail (92%).A utilização do telefone celular, frequentemente avaliada como exagerada, tem gerado questionamentos e levado ao desenvolvimento de métodos para avaliar seu potencial aditivo. Contudo, seja numa perspectiva positiva ou negativa (Davey; Davey, 2014; Smetaniuk, 2014; Rozgonjuk et al., 2016), verifica-se que os smartphones e os aplicativos neles instalados têm uma presença preponderante em nosso cotidiano.
Vários são os aplicativos que se tornaram populares para a comunicação interpessoal. Esses aplicativos promovem a troca instantânea de mensagens (de texto, voz, fotos, vídeos e chamadas telefônicas) entre duas pessoas ou grupos de pessoas. Por sua característica imediata, potencializam a circulação de mensagens com os mais variados conteúdos no espaço social. Além das conversas sobre temas privados específicos e conteúdos informativos diversos, é notável que os aplicativos têm sido frequentemente utilizados como espaços para a transmissão de postagens abrangendo uma variedade de aspectos da vida diária: opiniões, notícias, tragédias eventos, esportes, saúde, sociedade, economia e política, entre outros. De maneira geral, a expansão na circulação desses conteúdos pode ser atribuída à repercussão das informações disseminadas tanto pela mídia formal quanto pela mídia informal. Não é difícil perceber, pela experiência dos próprios usuários, que entre as categorias de conteúdos disseminados estão aqueles que abordam os mais variados temas de forma humorística. Especialmente no contexto nacional, proliferam os chistes e o humor sobre temas sociais, econômicos e políticos. No entanto, encontrar estatísticas que respaldem essa afirmação é desafiador devido à variedade de plataformas e à escassez de pesquisas quantitativas sobre o tema.
É perceptível que a circulação desses conteúdos envolve o reenvio por parte de um número expressivo de usuários, como fica evidenciado pelo recebimento repetido de mensagens com o mesmo conteúdo advindas de diversos contatos. O ato de compartilhar conteúdos humorísticos reflete uma ação social de natureza crítica e jocosa, realizada de diversas formas (áudio, imagem, texto) e implicando a exposição, o reconhecimento e a validação das críticas, especialmente na forma humorística em que são formuladas atingindo a suposta realidade dos fatos. Retomando os textos de Freud (1905, 1927), pode-se conjecturar que a disseminação dos conteúdos de humor nas redes sociais, em grande parte, pode ser motivada pela necessidade de equilíbrio da economia psíquica, pelo prazer que advém do escoamento subversivamente sublimado da agressividade e da sexualidade, implicando em uma inversão da impotência, da passividade e do sofrimento derivados dos fatos. Mais que uma vitória individual, a replicação de conteúdos de humor sobre as mazelas sociais, econômicas e políticas estabelece, em ato, uma potência simbólica ao furar o discurso oficial e informal, denunciando o rompimento do pacto social. Sob esse aspecto, ao congregar pelo riso, o chiste e o humor reestabelecem, por identificação, o laço social que nos resguardaria do desamparo. Como vê-se em Freud (1927), o humor possui “qualquer coisa de grandeza e elevação”. Assim, o mecanismo social de disseminação de conteúdo de humor social, econômico e político nas redes sociais constituir-se-ia em uma defesa elevada. Uma sublimação para se lidar com as decepções, com as angústias e com a impotência frente ao modus operandi da política e seus efeitos na realidade social e econômica nacional.
Neste sentido, como uma forma de defesa sublimatória, essa abordagem nas redes sociais de temas da vida cotidiana e de aspectos sociais, econômicos e culturais, sob uma perspectiva humorística, mostra-se presente, como se fosse uma vocação, “um apelo vindo do Outro” (Teixeira, 2005, p. 68), peculiar à cultua brasileira. Como se justifica um anônimo em um post no WhatsApp: “Eu sou um homem chistoso. É que o chiste é hoje meu único e último recurso, a kind of pro-hilarious coping behaviour, para manter algo de minha quase moribunda resiliência, é só pintar a oportunidade que eu chisto. Rs”.No entanto, além do humor, nos últimos anos, observou-se nas redes sociais a emergência de um novo modo de tratar as temáticas cotidianas, como fake news. Esse uso das redes sociais, embora não produza humor, segundo Freud (1905, P. 190), está a “a serviço das tendências cínica e cética e “abala fortemente o respeito pelas instituições e verdades em que o ouvinte acreditava”. Esse fenômeno nas redes sociais, não apenas crítica, mas também mina a certeza do nosso conhecimento, enfraquecendo a confiança nas instituições e nas verdades estabelecidas. As fake news, traduzidas literalmente do inglês como notícias falsas, referem-se a informações enganosas ou completamente falsas apresentadas como se fossem verdadeiras. Embora possam assumir diversas formas, todas têm em comum a capacidade de distorcer fatos e disseminar desinformação. Sua propagação, amplificada pelas redes sociais, tem levado a graves consequências, como a distorção dos fatos, a manipulação de opiniões e a erosão da confiança nas instituições e na validade das informações disponíveis nas mídias formais, chegando ao ponto de induzir atos extremistas e simbolicamente violentos, baseados em suas falsas verdades. A mentira não é uma novidade; no entanto, com o crescimento da internet e das redes sociais, a disseminação de fake news ganhou novas dimensões. Nos últimos anos, as fake news receberam ampla atenção quando se tornou evidente que informações falsas estavam sendo usadas para promover desinformação e manipular a opinião pública sobre aspectos ecológicos, sociais, econômicos e políticos. Em outras palavras, essas notícias falsas desorientam significativamente os interesses da sociedade (Delmazo; Valente, 2018), confundindo e influenciando opiniões.
O espaço político revelou-se um terreno fértil para a disseminação de fake news. Nesse contexto, é importante destacar que, embora essas notícias falsas não sejam disseminadas exclusivamente por líderes e/ou grupos geralmente extremistas, elas se tornaram uma estratégia crucial para esses segmentos, objetivando manipular a opinião pública e conquistar o apoio de partes da sociedade que se identificam com seus projetos. Assim, percebe-se que, apesar de sua aparente irracionalidade, as fake news funcionam como um instrumento eficaz de coesão (Martinnuzzo; Darriba, 2023).Sobre esse aspecto, Freud (1921) argumenta que a coesão dentro de um grupo é atravessada pela identificação dos membros com um líder ou uma ideologia, no mais das vezes, com um líder que representa uma ideologia. Esse processo decorre de si reconhecer nos valores e ideais do líder, Isso (Es) que já está presente em si mesmo e que em um circuito fechado é também projetado no líder. Dessa forma, o ansiado sentimento de pertencimento é apaziguado pelo reflexo que reluz o igual em um enclausuramento narcisista. Essa dinâmica de identificação e pertencimento não é estática, sendo constantemente intensificada por fatores que reforçam, sustentam, legitimam e refletem a identidade coletiva do grupo. Nesse contexto, as fake news desempenham um papel central na consolidação da narrativa ideológica. A seguir, indicamos a sua função no cenário recente, especialmente considerando o que elas realizam enquanto ato performativo (Austin, 1990; Searle, 1984):
1. Culto à personalidade do líder, encarnação da ideologia e das aspirações do grupo;
2. Destruição da verdade objetiva por meio da manipulação e distorção dos fatos para apoiar a ideologia e criar uma verdade conveniente;
3. Promoção de uma visão uniforme do mundo, buscando eliminar a diversidade e a diferença;
4. A informação é usada para moldar a percepção pública e disseminar a ideologia;
5. Ações de desmoralização e perseguição dos inimigos reais ou imaginários;
6. Mobilização dos apoiadores para reforçar ações e posição ideológica;
7. Defesa da gestão pública a serviço da ideologia, frequentemente ignorando a burocracia tradicional;
8. Manipular a história para reformular os fatos a serviço da ideologia;
9. Defesa da criação de um estado de exceção;10. Uso do medo e da desconfiança na tentativa de influenciar a população;
Considerando que as fake news constituem fenômeno recente e ainda atual, e que cada uma de suas funções pode ser recuperada na internet, optou-se por não apresentar extratos demonstrativos. No entanto, é crucial reconhecer que as condições do discurso que elas propagam refletem características que compõem alguns aspectos do que se pode denominar discurso totalitário.  Essa construção teórica pode ser apreendida a partir de Origens do Totalitarismo, onde Hannah Arendt (1951) analisou os regimes totalitários do século XX, especificamente o nazismo e o stalinismo. Frente a esse cenário, a organização United Nations destaca que, em muitos casos, o discurso de ódio foi identificado como um “predecessor de crimes atrozes, incluindo genocídio” e conclui que a história tem demonstrado que, quando combinado com desinformação, o discurso de ódio pode levar à estigmatização, discriminação e violência em grande escala.
Como afirma: “O Holocausto não começou com as câmaras de gás, mas com o discurso de ódio contra uma minoria”. Freud (1930) aborda o ódio e seus derivados como fenômenos profundamente enraizados nas relações humanas e de difícil renúncia para os homens. Esse sentimento é frequentemente intensificado quando alguém assume o papel de ideal do Eu para os membros de um grupo (Freud, 1921). Nesse sentido, os processos identificatórios são essenciais para entender como o ódio opera em um coletivo. Em O mal-estar na civilização, Freud (1930) utiliza o conceito de “narcisismo das pequenas diferenças” para revelar a dinâmica e a função do ódio sob os aspectos intragrupal e intergrupal: “Sempre é possível ligar um grande número de pessoas pelo amor, desde que restem outras para que se exteriorize a agressividade” (Freud, 1930, p. 80). Nesse sentido, a “hostilização dos que não pertencem” é um ganho para a coesão do grupo tanto quanto o amor Freud, 1930, p. 81).Após a análise dos fenômenos do humor, da desinformação e do ódio nas redes sociais, é crucial destacar a influência e os efeitos desses fenômenos nas interações e estruturas sociais. Para isso, é importante demarcar que essas formas discursivas, mais do que simplesmente transmitir informações, funcionam como atos performativos que influenciam, moldam e constroem novos sentidos na realidade social (Austin, 1990; Searle, 1984).Neste sentido, as fake news são ações intencionais, cujo intuito é induzir os receptores a aceitá-las como fatos verdadeiros. Desta forma, influenciam uma parcela considerável das pessoas, manipulando a visão sobre determinados aspectos da realidade social e provocando dissonância cognitiva na opinião pública. Assim, para um grupo de pessoas, ocorre a confirmação das ideias disseminadas e a negação de evidências. Quanto mais enraizada for essa crença, mais forte será a reação da pessoa em negar crenças opostas. Observa-se que a assimilação das fake news e a negação das verdades anteriormente compartilhadas têm efeitos prejudiciais na sociedade ao perpetuarem um ciclo de desinformação, criarem incertezas e diminuírem a capacidade crítica das pessoas. Além disso, corroem a confiança nas instituições formais, impactam negativamente a saúde pública, intensificam conflitos sociais, contribuem para a radicalização e a divisão da opinião pública, negam evidências científicas, comprometendo o avanço do conhecimento e desacreditando descobertas importantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As fakes news tiveram, e continuam a ter, um efeito contundente no tecido social. Desempenham um papel crucial na propagação de desinformação, preconceitos e ódio, fomentando uma passagem ao ato agressivo e hostil de discriminação e violência. O humor, por sua vez, tem um aspecto defensivo e sublimatório em relação às intempéries das condições sociais e políticas vividas pela sociedade. Contudo, como nos adverte a canção: “rir de tudo é desespero” (Frejat, 2001). Deste modo, por mais que promova inegavelmente uma organização intrapsíquica por meio do princípio de prazer (Freud, 1911), percebe-se que a ação social do chiste e do humor não efetua qualquer mudança sobre as circunstâncias da realidade social (pobreza, fome, insegurança alimentar, desigualdade social e racial, educação de baixa qualidade, violência urbana, desemprego, política corrupta e para os interesses privados de legisladores e gestores do executivo), que se mantêm, sob muitos pontos, intactamente cruéis.

Assim, há uma limitação e ambiguidade na sátira política, uma vez que, no mesmo ato em que ridiculariza seus adversários, corre-se o risco de ver o riso substituir a revolta e a cólera legítima. Destarte, o recurso sistemático à derrisão, ao desarmar a crítica e a ação séria, longe de desembocar na subversão, acaba por contribuir para a banalização e manutenção das práticas que denuncia (Minois, 2003).Sob esse aspecto, poder-se-ia pensar que, esta escolha (no sentido de escolha da neurose) do chiste e do humor (Freud, 1913), representem uma ação social imaginária, indicando uma passivação frente à insensata realidade social, econômica e política. Esse estado de passivação constituiria um aspecto central da nossa forma de vida (Wittgenstein, 1953)? Em nosso contexto sociocultural, haveria, no chiste e no humor um excesso, um gozo, uma compulsão à repetição sintomática que impossibilitaria a mobilização social efetiva para a transformação da realidade? Essa não é uma questão simples de responder. No entanto, se esse o pathos, a disposição afetiva fundamental da sociedade brasileira (Martins, 1999), ou aprendemos a usar as redes sociais, com sua velocidade e alcance, para catalisar nosso sentimento de indignação em ações sociais e políticas concretas, ou continuaremos a ser alvo passivos das piadas de mau gosto daqueles que nos indignam.
REFERÊNCIAS
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BIOGRAFIA DOS AUTORES
Fábio Miranda.
Psicólogo. Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília. Professor Adjunto I na PUC Goiás, atua no Programa de Pós-graduação em Psicologia, e desenvolve atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão.
E-mail: fabiojmiranda@gmail.com
Helenides Mendonça.
Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília. Psicóloga. Professora titular na Pontifícia Universidade Católica de Goiás no Programa de Pós-graduação em Psicologia e desenvolve atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão.
E-mail: helenides@pucgoias.edu.br
Katia Barbosa Macêdo.
Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Psicologia Aplicada às Organizações pela Escola de Administração de Empresas de Barcelona. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás. Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Pesquisadora convidada na Universidade Estadual de Campinas, São Paulo. Professora assistente na Sociedade de Psicanálise de Brasília. Professora titular na Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
E-mail: katia@pucgoias.edu.br
CONFLITO DE INTERESSES
Declaramos não haver conflito de interesses.
FINANCIAMENTO
Declaramos não haver financiamento.


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