Kátia Barbosa Macêdo
Os contos de fadas expressam angústias que são vivenciadas pelas crianças, motivo pelo qual tais contos são repassados, repetidos e recontados gerações após gerações, pois possuem a função de indicar, utilizando uma linguagem simbólica, possibilidades de superação, transformação e desenvolvimento. Da mesma forma que os contos de fadas, a música, a arte e o cinema também podem ser um valioso instrumento que auxilia a compreender melhor e nomear as emoções (Bettelheim (2007); Corso (2003).
As emoções são reações afetivas momentâneas, desencadeadas por estímulos significativos. A emoção é um estado afetivo intenso que surge como reação a certas situações e excitações internas ou externas, conscientes ou inconscientes. As emoções são acompanhadas de reações somáticas, corporais e psíquicas. Muitas dessas emoções decorrem da modulação hormonal. Assim, a presença ou ausência de hormônios como dopamina, serotonina, endorfina, ocitocina, adrenalina, cortisol, dentre outros influenciam o surgimento e a intensidade dessas emoções.
No filme “Divertida mente”, produzido pela Disney e Pixar, dirigido por Peter Docter e lançado em 2015, há cinco emoções básicas e universais: alegria, tristeza, medo, raiva, nojo (aversão ou repugnância), desconsiderando a surpresa. As emoções básicas estão presentes desde o nascimento.
No filme “Divertida mente 2 “, também produzido pela Disney e Pixar, dirigido por KilseyMann e lançado em 2024, algumas das emoções secundárias são apresentadas como decorrentes da puberdade, sendo elas : a vergonha, a inveja, o tédio e a ansiedade. As emoções secundárias são aprendidas e surgem à medida que a pessoa se desenvolve.
Em ambos os filmes há uma metáfora de uma mesa de controle das emoções, um esforço para reagir a situações que exigem um trabalho psíquico da menina Riley. No primeiro deles o desafio é trabalhar a adaptação a mudanças, e no segundo, o foco são as mudanças que ocorrem com o surgimento da puberdade, sinalizando uma entrada na adolescência.
Sabemos que a adolescência é um tempo de intensas transformações no corpo, na mente e na relação com os outros. O adolescente tem que lidar com as perdas do corpo infantil, com o reflorescimento da sexualidade, com o reposicionamento dos papéis em relação aos pais e com o progressivo ingresso no mundo adulto. Tudo isso marca um período de crise e vulnerabilidade, em que as experiências adversas podem ser vivenciadas com maior intensidade.Os adolescentes e jovens buscam construir uma imagem de si que ainda é muito instável e dependente do olhar do outro.
O que o filme Divertida mente 2 nos ensina sobre nossas emoções?
1-As emoções e as memórias são a base de nossa personalidade. A autoimagem resulta de um conjunto de crenças e valores que desenvolvemos acerca de quem somos, e funciona como uma base para nossas atitudes.
2- Com a entrada na puberdade toda a dinâmica psíquica da infância implode, e é quando surgem novas necessidades, emoções e formas de reagir. As mudanças corporais , a necessidade de ser aceito em um grupo de amigos passa a ter mais importância do que a família.
3- Apesar do filme trazer a ansiedade como surgindo a partir da puberdade, para a psicanálise ela já está presente desde o nascimento, e é considerada uma condição humana, assim como a inveja. Ou seja, todos sentimos ansiedade e inveja desde sempre.
4-A regulação entre as emoções é um desafio, o filme mostra o início de um ataque de pânico como resultado do desequilíbrio da ansiedade.
5- Há uma profunda relação entre as memórias e as emoções. O filme mostra de forma divertida o mecanismo de repressão, quando algumas memórias “dolorosas” são jogadas no esquecimento, para a psicanálise, para o inconsciente.
Assistir divertidamente é confrontar nossas próprias emoções, e mostra a importância de expressar as emoções. A base de toda a psicanálise são as emoções, a construção de um vínculo afetivo entre paciente e analista, onde se desenvolve a capacidade de sentir, nomear, trabalhar e elaborar as emoções, visando transformar vivências dolorosas em um modo de funcionamento que inclua o bem-estar e uma autoimagem amorosa.
Como em cada fase do desenvolvimento ocorrem desafios e emoções específicas, que venham os outros filmes Divertida mente 3, 4 … até acompanharmos a fase da velhice de Riley.
E você, assistiu o filme? Qual a sua impressão?
Referências
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas; trad. Arlene Caetano. São Paulo: Paz e Terra. , 2007, 21ª. Edição revista.
CORSO, Diana Lichtenstein. Fadas no divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed, 2003.
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