Análise do filme: A ilha do medo

Profa. Dra. Kátia Barbosa Macêdo

Grata pelo convite. Usarei a lente da psicologia e da psicanálise, deixando a abordagem psiquiátrica com a Dra. Valéria.

O diretor Martin Scorsese consegue prender a atenção e manter o suspense. Nos leva a identificar com o personagem, o ator Leonardo Di Caprio. Os vários níveis com escadas, torres, penhascos, são uma metáfora para os níveis psíquicos: consciente, pré-consciente e inconsciente.  O uso do jogo escuro/sombra também é utilizado como recursos para levar o expectador a aceitar o convite para desvendar o mistério, que parece ser externo ao personagem, e depois se desvela interno. Resultado de dois traumas psíquicos, envolvendo violência.

A vivência em Dachau, onde o personagem experiência um ódio, desejo de vingança contra os nazistas e entra em contato que com um conteúdo sádico: deixar o comandante sofrer por horas. Em um segundo momento, quando se depara com a esposa surtada e os filhos assassinados por ela, vivencia de culpa, atendo ao pedido dela de libertá-la e a mata. Essas duas vivências traumáticas constituem o fio condutor da trama.

O filme aborda a doença mental, o contexto do tratamento na época de 1954, tendo como possibilidades da cirurgia (lobotomia), medicações e ECT. Freud nos disse que, por mais estranho que possa parecer a loucura para quem está do lado de fora, devemos nos lembrar que ela é a última tentativa que a pessoa conseguiu fazer /construir para continuar viva.

Freud iniciou seus estudos com pacientes neuróticos, especialmente histéricas, obsessivos e paranoides. Desenvolveu sua teoria do funcionamento psíquico em duas etapas, conhecida também por duas tópicas.  Na primeira tópica, considerava que tínhamos a pulsão sexual ou libido, que busca o prazer e a satisfação. Explicava a formação dos sintomas como o resultado de uma não satisfação da pulsão, mas, à medida que foi desenvolvendo sua teoria, e principalmente após o surgimento das neuroses de guerra, foi obrigado a reformular sua teoria das pulsões. Em 1920, publicou Para além do princípio do prazer, e na obra descreveu que além da pulsão de vida/sexual/ libido, todos nós também temos a pulsão de morte/Tanatos, que é representante dos instintos violentos, agressivos. Em decorrência disso, apresentou nessa segunda teoria ou segunda tópica, houve um aprofundamento na compreensão da dinâmica psíquica dos pacientes.

O tema do filme aborda o trauma psíquico, ferida. No trauma há três componentes: angústia acima da capacidade da pessoa para lidar com ela, o desamparo e a impotência.  Após a vivência do trauma, são acionados mecanismos de defesa inconscientes para lidar com essa vivência. No filme são demonstrados alguns desses mecanismos: a cisão ou divisão; repressão das memórias traumáticas; projeção de aspectos violentos nos outros; criação de uma nova ‘versão dos fatos’.

O problema é que estamos lidando com o inconsciente, que é ATEMPORAL, não há tempo no inconsciente, só o presente. Por mais que a repressão tenha ocorrido, as vivências, memórias e cenas traumáticas querem voltar à consciência. Em forma de sonhos/pesadelos; sintomas, delírios e alucinações.

O conceito de realidade psíquica é importante para a psicanálise, pois para a pessoa que vive o trauma, que alucina, que delira, o que vivencia é uma realidade interna. A loucura nos convida a buscar compreendê-la a partir de diversos prismas.

O final é instigante, fica no ar se ele realmente retoma o delírio/alucinação de ser detetive ou se o faz para facilitar o processo de decisão de encaminhá-lo para a lobotomia. Será o que é melhor, ser um homem livre (da violência/traumas, culpa, castrado) ou continuar sendo um monstro em busca de cura?

Afinal, como dizia Caetano Veloso, de perto ninguém é normal.

Tenho um texto publicado sobre o tratamento do trauma na psicanálise o link é:           http://cienciaparaeducacao.org/eng/publicacao/macedo-k-b-o-trabalho-com-o-desamparo-e-o-trauma-na-clinica-psicanalitica-revista-educamazonia-v-2-p-185-202-2014/


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