O diálogo que transforma

Profa. Dra. Kátia Barbosa Macêdo

Uma pessoa perguntou a três pedreiros que trabalhavam numa construção: “O que você está fazendo?”  De mau humor, o primeiro respondeu: “Estou quebrando pedras, não está vendo?” Mais adiante fez a mesma pergunta a um outro operário, que fazia o mesmo trabalho e este disse que estava  ganhando o pão de cada dia, para sustentar a família. Mas um terceiro trabalhador, que também arrebentava pedras, quando questionado, afirmou, orgulhoso: “Estou construindo uma catedral!”

A clínica psicodinâmica do trabalho parte do relato dos trabalhadores sobre as vivências  relacionadas ao seu trabalho e, como na parábola acima apresentada, percebe-se que diante de um  mesmo trabalho, os sentidos e as vivências atribuídas a ele pelos trabalhadores tem nuances de sua subjetividade, portanto sendo ao mesmo tempo pessoais e  compartilhados. Parte ainda do pressuposto de que a maneira privilegiada de se conhecer esses sentidos e vivências é fazendo o uso da palavra, preferencialmente via o diálogo com os trabalhadores. É a partir do diálogo que os trabalhadores discutem sobre suas vivências e seu trabalho  que conseguem criar, estratégias para lidar com o sofrimento e transformar o sentido do trabalho. Desse modo, o trabalho é visto como fundamental para o processo de constituição da identidade, como fator de inclusão  social e grupal e como possibilidade de transformação e superação do sofrimento.

O título desta coletânea  considera que, para haver um diálogo é necessário que  hajam pessoas que  possuem um vínculo e que utilizam palavras em forma de diálogo. O diálogo prescinde da palavra, que por sua vez é constituída por termo e sentidos,  carrega representações de ordem cultural e pessoal, e sendo essas representações ligadas a aspectos cognitivos, afetivos e emocionais. Quando duas ou mais pessoas possuem um vínculo, se encontram e conversam ou dialogam, elas têm a possibilidade de transformar suas representações cognitivas, afetivas e emocionais relacionadas a determinado tema, e a mudança decorrente dessa ressignificação tem o poder de transformar angústia e sofrimento em vivências de prazer ou de inclusão.

A palavra (do latim parábola, que por sua vez deriva do grego parabolé) pode ser definida como sendo um conjunto de letras ou sons de uma língua, juntamente com a ideia associada a este conjunto. É composta por vocábulo e termo. Ela carrega sentidos ou representações relacionadas ao sentimento, emoção e pensamento. Esses sentidos ou representações possuem dois níveis: o primeiro é o coletivo ou cultural, aquele que foi apreendido dos vínculos e interações sociais via linguagem; o segundo nível é o individual, uma vez que cada pessoa colore suas palavras com sentidos pessoais, ligados à sua história de vida e suas emoções (Michaelis, 2014 ).

A função da palavra é representar partes do pensamento humano, e por isto ela constitui uma unidade da linguagem humana. Quando nos referimos à palavra enquanto um conjunto de letras, ela é parte da linguagem escrita ou gráfica. Quando nos referimos à palavra enquanto um conjunto de sons, ela é parte da linguagem falada ou glótica. Em ambos os casos, este é o denominado aspecto externo ou representação material da palavra, e a este aspecto externo, material, damos o nome de vocábulo. Quando nos referimos à palavra enquanto índice da ideia que ela representa (ou seja: quando falamos do sentido por trás da palavra escrita ou falada), estamos nos referindo ao aspecto interno ou representação imaterial da palavra, e a este aspecto interno, imaterial, damos o nome de termo.  O termo representação designa o próprio trabalho psíquico.  Relaciona-se com a percepção registrada na memória agregada a sentidos apreendidos com outras pessoas e sentidos individuais, ligados a sensações e emoções.

Para Freud (Afasias, 1896), na psicologia, a palavra é a unidade de base da função de linguagem, que evidencia ser uma representação complexa, composta de elementos acústicos, visuais e cinestésicos. Geralmente são mencionados quatro componentes da representação-palavra: a imagem acústica; a imagem visual da letra; a imagem motora da linguagem e a imagem motora da escritura. Assim, diferentemente das representações – coisa, sediadas no inconsciente, as representações – palavra têm por sede o pré-consciente e estão vinculadas à verbalização e a uma possível tomada de consciência.

Para que o diálogo possa ocorrer, é necessário que haja um vínculo entre duas ou mais pessoas. O termo vínculo se relaciona a tudo o que ata, liga ou aperta que possui ligação moral, relação ou subordinação. Diálogo (vem do latim Dialogus, significando conversação; vem  do grego antigo: διάλογος diálogos) é a conversação entre duas ou mais pessoas, significa “passagem, movimento”, assim, dialogo significa a troca de intervenientes, que podem ser dois ou mais. Embora se desenvolva a partir de pontos de vista diferentes, o verdadeiro diálogo supõe um clima de boa vontade e compreensão recíproca.

O termo transforma está ligado à ideia de fazer com que uma pessoa ou coisa mude de forma; metamorfosear; transfigurar. Converter, mudar, reduzir, trocar; tornar diferente do que era; alterar; passar para um novo estado; assumir novo aspecto; sofrer importantes mudanças; alterar, variar; fazer com que adote novos sentidos, sentimentos ou ideias.

As clínicas do trabalho consideram que é a partir do diálogo entre os trabalhadores que e possível levantar as representações relacionadas ao seu trabalho; conhecer os indicadores de prazer e sofrimento advindos do trabalho, e ainda auxiliar a elaboração de estratégias de enfrentamento ao sofrimento no trabalho. Existem quatro abordagens teórico-metodológicas das clínicas do trabalho: a psicodinâmica do trabalho; a clínica da atividade; a psicossociologia e a ergologia. Destas, a que embasou teoricamente essa coletânea é a psicodinâmica do trabalho.


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