As vivencias dos trabalhadores de um shopping center em relação ao seu trabalho: uma abordagem psicodinâmica

Profa. Dra. Kátia Barbosa Macêdo; Talita Tomazini

Publicado na RGO. v.3, p.204 – 224, 2010.

RESUMO

A presente pesquisa teve por objetivo investigar, através da abordagem Psicodinâmica do Trabalho, como os trabalhadores de um Shopping Center vivenciam o seu trabalho. Foram usadas entrevistas individuais semiestruturadas, tendo participado do estudo 20 (vinte) trabalhadores, divididos em dois grupos. O tratamento dos dados foi feito por meio da análise do discurso. Os resultados mostraram que a organização do trabalho desses profissionais muitas vezes é marcada por regras, pressões, estresses e conflitos interpessoais. Porém, há que se considerar as vivências de prazer presentes no discurso dos participantes como: satisfação, status, orgulho, gratidão por trabalhar na organização pesquisada.

Palavras-chave: trabalho; psicodinâmica; shopping center.

 

ABSTRACT

This study aimed to investigate by addressing psychodynamic work as employees of a shopping mall experience your work? Interviews were used semi-structured and participated in the study twenty workers, divided into two groups. The data was done by analyzing the speech. The results showed that the organization of work of these professionals are often marked by rules, pressures, stresses and interpersonal conflicts. However, one must consider the experiences of pleasure found in the discourse of the participants as: satisfaction, status, pride, gratitude for working with the company studied.

Key-words: work; psychodynamics; shopping center.

INTRODUÇÃO

Sob um olhar histórico, as questões que envolvem a relação saúde-trabalho, ainda que reconhecidas desde a Antiguidade, começaram a ser tratadas de modo mais objetivo somente após a Revolução Industrial no século XIX. As condições de saúde e higiene da população, motivadas, de acordo com Codo (2004), pelo crescimento acelerado dos novos centros urbanos e pela necessidade de sustentar um padrão de produção, tornaram-se uma preocupação para o Estado e para a economia. Com a Revolução Industrial, homens, mulheres e crianças passaram a compor a força de trabalho nas fábricas devido à necessidade de sobrevivência. Para Codo (2004) sabe-se que ainda não havia regulamentação sobre o trabalho, eram comuns longos turnos de 12 a 16 horas de trabalho, com inadequação das estruturas físicas e funcionais das fábricas. O grande número de pessoas e a falta de higiene nestes ambientes contribuíam para a proliferação de doenças, além de mortes e mutilações decorrentes das deficiências das estruturas físicas. Assim, esses fatores levaram à necessidade de normatização e de legislação fabril, que possibilitou a introdução de uma medicina de fábrica com o Factory Act, 1833. Codo (2004) afirma que esse ato regulamentou algumas medidas de segurança e higiene em relação à saúde dos trabalhadores. Logo, as doenças relacionadas ao trabalho passaram a ser consideradas doenças advindas do trabalho e não mais do trabalhador, priorizando a relação existente entre condições de trabalho e adoecimento.

O trabalho constitui-se como construtor de identidade e inclusão social, interferindo na vida do indivíduo como um todo. É fonte de riqueza, fonte de prazer e também de realizações humanas. Ao realizar o trabalho, o homem abandona a dependência para com a natureza e entra na experiência do especificamente humano. Assim, trabalhar tem o sentido de garantir as condições objetivas e subjetivas para a sustentação e o desenvolvimento da existência do homem, o que, na lógica, só poderia trazer satisfação e prazer. Entretanto, no sistema produtivo capitalista, o trabalho, para muitos, deixa de possuir tais possibilidades e expectativas e se consolida, na realidade, como fonte de desprazer, causando tensão e sofrimento, não permitindo a criatividade nem mesmo o usufruto de seus resultados, conforme salienta Oliveira (2006).

Visto assim, quando se institucionaliza o tempo de trabalho, faz-se o mesmo com o tempo de não-trabalho, ou seja, aquele tempo no qual o trabalhador estaria hipoteticamente livre para realizar outras atividades diferentes daquelas em que ele trabalha. Deste modo, se propaga um tipo de organização social na qual o trabalho é a principal referência de tempo utilizada pelo indivíduo na orientação de sua vida: tudo gira em torno do trabalho e dos intervalos de tempo entre o exercício do mesmo.

Ao falar sobre tempo de não-trabalho, Marcellino (2006) ressalta que o tempo do lazer situa-se no “tempo liberado” do trabalho. Descansar, distrair-se, recrear-se, por fim, o descanso e o divertimento são as atividades usualmente mais associadas ao lazer. Apesar disso, lamentavelmente o lazer é algo a que nem todos têm acesso, sendo privilégio de um grupo muito seleto, conforme expõe o autor:

[…] a classe social, o nível de instrução, a faixa etária, o sexo, o acesso ao espaço, à questão da violência crescente nos grandes centros urbanos, entre outros fatores, limitam o lazer a uma minoria da população, principalmente se considerarmos a freqüência na prática e a sua qualidade. (MARCELLINO, 2006, p. 24)

Embora o acesso ao lazer não seja prerrogativa da maioria da população, de acordo com Brasileiro (2008), as tendências econômicas apontam que o setor de serviços é o que mais crescerá no século XXI. Atualmente, o setor já movimenta mais de vinte bilhões de dólares em todo o mundo. E a maior ênfase está justamente nos serviços relacionados ao entretenimento, ao lazer e à arte.

Dumazedier (1974) evidencia em seus estudos que o lazer é visto como fator integrante da vida social do indivíduo. Além de ser elemento imprescindível na obtenção de uma melhor qualidade de vida, é produto cultural e industrial, gerador de empregos, bens e serviços, que leva o ser humano ao desenvolvimento pessoal, social e econômico.

Para Silva, Raphael e Santos (2006), o lazer se refere a um campo particular da vivência humana, incluindo liberdade de escolha, satisfação, criatividade, diversão e acréscimo de prazer e felicidade. Compreende, também, formas amplas de expressão e de atividades que transcorrem pelos conteúdos culturais do lazer, a saber: conteúdos esportivos, manuais, artísticos, intelectuais e sociais. Polato (2004) afirma que o lazer se constitui como um processo de transformação social, de desenvolvimento e participação. O mesmo autor verifica que, atualmente, o lazer é reconhecido como um dos muitos fatores que influenciam o desenvolvimento social da humanidade.

Compondo o universo do lazer, há o entretenimento que, de acordo com Trigo (2003), é algo relativamente novo no mundo e refere-se a atividades programadas e, na maioria das vezes, pagas. Com relação à origem da palavra entretenimento, o mesmo autor esclarece:

A etimologia da palavra entretenimento é de origem latina, vem de inter (entre) e tenere (ter). Em inglês a evolução da palavra entertainment significa ‘aquilo que diverte com distração ou recreação’ e ‘um espetáculo público ou mostra destinada a interessar e divertir’. (TRIGO, 2003, p. 32)

Trigo (2003) ainda ressalta a importância social, cultural e econômica do entretenimento na vida das pessoas, principalmente as que habitam os grandes centros, tornando-se uma força econômica, referência cultural e um estilo em vários segmentos sociais. Daí o interesse em pesquisar os trabalhadores de um Shopping, empresa que atua no ramo de lazer e entretenimento.

Essa pesquisa é um subprojeto de um projeto maior, proposto por Kátia Barbosa Macêdo1. Tal estudo investiga, por meio da abordagem psicodinâmica do trabalho, as vivências de prazer-sofrimento no trabalho dos trabalhadores de empresas de lazer e entretenimento, como também, o sentido do trabalho para os trabalhadores que atuam na arte, e vem sendo desenvolvido desde 2007. Podem-se encontrar algumas dissertações de mestrado relacionadas com o tema aqui desenvolvido: “o trabalho de uma organização de entretenimento” (DIAS, 2007); “o trabalho dos bailarinos profissionais de uma companhia de dança contemporânea” (SANTOS, 2008); “o trabalho em uma banda de blues” (ASSIS, 2008); “a vida no circo: relações e sentidos do trabalho” (BRASILEIRO, 2008) e “o trabalho dos professores de ginástica de uma academia: entre o divertir e o sofrer” (ARAÚJO, 2008).

Apesar da área de entretenimento e lazer ser apontada por muitos autores como o setor de maior crescimento, são poucas as investigações enfocando os trabalhadores que atuam no referido setor. Assim, uma pesquisa que visa a analisar as vivências desses trabalhadores com relação ao seu trabalho específico no Shopping, constitui um campo fértil para estudos e pesquisas. Sendo assim, o grande interesse neste estudo com trabalhadores de um Shopping Center deve- se ao fato de haver poucas publicações e referenciais teóricos a respeito do tema identificado, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Isso é o que torna este tema tão interessante e desafiador.

De acordo com Padilha (2006), o surgimento dos Shopping Centers pode ser entendido como um importante fenômeno da sociedade capitalista mundial. Tais centros de compras se desenvolveram como centros de consumo das cidades capitalistas e refletem toda uma cultura norte-americana. No entanto, suas raízes históricas estão na organização dos espaços e das lojas de departamento da Europa dos séculos XVIII e XIX. Considerado como um dos empreendimentos mais rentáveis e com maior taxa de crescimento em todo mundo capitalista, faz-se necessário reconhecer que sua origem e seu desenvolvimento interagem historicamente com o desenvolvimento do espaço urbano na complexa lógica do capital (PADILHA, 2006).

É notório que a dispersão dos Shopping Centers é uma tendência mundial. Em um mesmo local, estão dezenas ou centenas de lojas que comercializam diversificados produtos e serviços. Praças de alimentação que incluem fast-food, comidas típicas e até restaurantes sofisticados, cinemas, teatros, áreas de entretenimento infantil, shows, exposições culturais ou mesmo comerciais são algumas das opções de lazer e entretenimento que são oferecidas ao público, além de infraestrutura física e de serviços auxiliares que garantem conforto e segurança aos seus usuários, conforme expõe Moacyr (1997).

A ABRASCE (Associação Brasileira de Shopping Centers) salienta que:

A indústria de Shopping Centers vem demonstrando grande vitalidade, contribuindo para o progresso da qualidade de vida no Brasil. Os Shoppings tornaram-se pontos de encontro, pólo de entretenimento, aliando praticidade e segurança. Desempenhou importante papel na economia, como geradora de cerca de 629.700 empregos diretos e com expressiva integração com a comunidade. (ABRASCE, 2008, [s.p.])

Neste sentido, verifica-se que o trabalho realizado por trabalhadores de Shopping Centers é percebido pela população como tendo predominantemente características ligadas ao prazer, satisfação, ou mesmo diversão. O fato de o trabalho ser realizado em uma empresa que tem uma imagem relacionada ao “tempo livre”, lazer, entretenimento, para aqueles que ali frequentam, contribui para essa imagem. O que se deve considerar é que esse trabalho é um trabalho como outro qualquer, o que difere é que o mesmo é realizado em um ambiente seguro, bonito e agradável, que conta com shows musicais, exposições culturais, restaurantes, correios, bancos, pessoas circulando de um lado para o outro, em um ato de informalidade. Porém, o que se encontra por detrás desta imagem é o que será discutido, tendo em vista que o trabalho nesse local exige dos profissionais uma carga psíquica e física intensa.

Dejours, Abdouchelli e Jayet (1994) assinalam que os trabalhadores podem ser submetidos a excitações vindas do exterior, como informações visuais, auditivas, táteis, ou do interior, como excitações instintuais ou pulsionais, inveja, desejo, o que faz com que os mesmos retenham energia. A excitação quando acumulada origina a tensão psíquica ou tensão nervosa como é popularmente conhecida, precisando de vias de descargas (via psíquica; via motórica; via visceral). Daí a importância de se realizar uma investigação mais aprofundada não só dos aspectos objetivos, mas também subjetivos do trabalho realizado por trabalhadores de um Shopping Center.

Sendo visto pela sociedade como divertido, prazeroso, caberá ao presente estudo responder ao problema: Como os trabalhadores de um Shopping Center vivenciam seu trabalho?

DELINEAMENTO METODOLÓGICO DO ESTUDO

Este estudo segue uma linha de investigação fundamentada na abordagem qualitativa, utilizando o método de estudo de caso de caráter descritivo e exploratório. A opção por realizar um estudo de caso de caráter descritivo-exploratório foi feita considerando que os estudos exploratórios, conforme assinala Triviños (1999), permitem ao pesquisador ampliar seu conhecimento em relação a determinado problema. O pesquisador aprofunda seu estudo nos limites de uma realidade específica, buscando antecedentes e um maior conhecimento para, em seguida, planejar uma pesquisa descritiva. Um estudo exploratório também pode servir para levantar possíveis problemas de pesquisa.

O objetivo geral desta pesquisa consistiu em investigar as vivências dos trabalhadores de um Shopping Center em relação ao seu trabalho. Os objetivos específicos da pesquisa visaram a analisar as vivências dos trabalhadores de um Shopping Center em relação a: organização do trabalho; condições de trabalho; relações de trabalho; vivências de prazer-sofrimento no trabalho e estratégias de enfrentamento, individuais e coletivas do trabalho.

A organização escolhida foi um Shopping Center do tipo regional, conhecido nacionalmente. O Shopping foi inaugurado na década de 1980 em um bairro humilde e afastado do centro da cidade de uma capital do centro-oeste do Brasil. A sua implantação impulsionou a instalação de grandes empresas no bairro em que se encontra, além de notável valorização imobiliária local. Despontou como novidade no cenário de seu estado, abrindo caminho para a fundação de outros Shopping Centers. É líder absoluto no segmento de Shopping Centers no mercado em que atua e considerado um marco no comércio varejista de seu estado.

A presente pesquisa contou com a participação de vinte trabalhadores escolhidos intencionalmente. Utilizaram-se como critérios de inclusão: trabalhadores do Shopping contratados pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que atuassem em diversos níveis hierárquicos na administração e no nível operacional, com idade superior a 18 (dezoito) anos, tempo de casa superior a um ano e escolaridade variada. Logo, foram excluídos os funcionários contratados pelas lojas e restaurantes ou quiosques da praça de alimentação.

No presente estudo, para coleta de informações, foram usadas entrevistas semiestruturadas individuais. Triviños (1999) privilegia a entrevista semiestruturada porque, ao mesmo tempo em que valoriza a presença do investigador, oferece todas as perspectivas possíveis para que o entrevistado alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação. Para a elaboração do roteiro da entrevista foram consideradas as categorias propostas pela psicodinâmica do trabalho: organização do trabalho; condições de trabalho, relações de trabalho; mobilização subjetiva do trabalhador, vivências de prazer e sofrimento e estratégias de enfrentamento.

Após a realização da transcrição das entrevistas, utilizou-se como técnica de análise, a análise gráfica do discurso proposta por Lane (1985). Justifica-se a escolha da técnica para a realização da pesquisa pelo fato da mesma possibilitar a captação do discurso considerando o contexto em que foi construído. Para o autor, esse tipo de análise considera essencial a relação da linguagem com a exterioridade (condições de produção do discurso). Assim, estão incluídos o falante, o ouvinte e o contexto histórico-social e ideológico da comunicação.

APRESENTAÇÃO,ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Aqui, propõe-se apresentar os resultados da pesquisa realizada com os trabalhadores de um Shopping, seguidos da sua análise e discussão com base na abordagem da psicodinâmica do trabalho. Os mesmos serão apresentados considerando as categorias anteriormente descritas.

Os participantes

 Dos 20 (vinte) trabalhadores entrevistados, seis (30%) ocupavam cargos de supervisão, chefia e gerência, compondo o G1 (grupo 1) e quatorze (70%) ocupavam cargos do nível operacional da empresa, compondo o G2 (grupo 2). Dentre os vinte participantes, doze (60%) eram do sexo masculino e oito (40%) do sexo feminino. Dezesseis participantes (80%) tinham idade entre 30 e 50 anos e somente quatro (20%), tinham entre 20 e 29 anos.

Com relação à escolaridade, verificou-se que somente um participante do G1 (grupo 1) não havia cursado o ensino superior completo, enquanto dos participantes do G2 (grupo 2), sete não haviam completado o ensino fundamental e dentre os outros sete participantes, quatro haviam cursado o ensino médio completo, um, o ensino médio incompleto e dois possuíam o curso superior incompleto ou em andamento. Evidenciando que, ao contrário dos cargos do nível operacional, observa-se que para os cargos de supervisão, chefia e gerência, há uma valorização por parte do Shopping, com relação aos cursos superiores para sua ocupação.

No que tange ao tempo de trabalho no Shopping (antiguidade), dezesseis participantes (80%) tinham entre cinco e 29 (vinte e nove) anos e os outros quatro restantes (20%) entre um e quatro anos de empresa. Tais dados deixaram em evidência que a população pesquisada era formada principalmente por funcionários antigos na organização. Isso pode tanto indicar um local percebido quanto bom para se trabalhar, tanto quanto uma possível acomodação ou mesmo estagnação dos funcionários com relação ao seu trabalho no Shopping. Há que se considerar, ainda, que, em suas falas, muitos funcionários afirmaram se sentir orgulhosos por trabalhar no Shopping há tanto tempo; por ter acompanhado de perto todo o crescimento e a evolução da organização, pois muitos deles cresceram com ela, como é o caso do (S-08): “Eu me sinto feliz e orgulhoso por ter acompanhado de perto o crescimento desse Shopping. Já estou aqui há 26 anos e só saio daqui quando eu aposentar.”

Por questões didáticas, este tópico foi dividido em duas categorias definidas a posteriori, abrangendo, primeiramente, a categoria 1: organização do trabalho na organização, que envolve a organização do trabalho, as condições de trabalho e as relações de trabalho. Seguindo-se, a categoria 2: que compreende a mobilização subjetiva relacionada ao trabalho e enfoca as vivências de prazer-sofrimento no trabalho, além das estratégias de enfrentamento individuais e coletivas do trabalho.

Categoria 1 – Organização do trabalho

 Dejours (1994) entende por organização do trabalho a forma como se estabelece a divisão do trabalho (divisão de tarefas, repartição, cadência, modo operatório prescrito) e a divisão de pessoas (repartição das responsabilidades, hierarquia, comando e controle).

No Shopping pesquisado, fica evidente pelo seu organograma funcional que as divisões de cargos devem ser rigorosamente respeitadas pelos seus trabalhadores. Todos os participantes, tanto os do G1 (grupo 1) quanto os do G2 (grupo 2), afirmaram ser acompanhados por seus superiores durante o desempenho de suas tarefas, sendo que no discurso dos participantes do G1, a maioria das respostas indica um controle relativamente rígido, pois, mesmo não tendo que entregar relatórios formais periódicos, se faz necessária a prestação de contas relacionando as ocorrências nas respectivas áreas, indicando rigidez hierárquica.

Para Dejours (1994) rigidez hierárquica, controle, normas, padrões de conduta, são mecanismos adotados pela organização do trabalho que não permitem a subversão do trabalho prescrito em um trabalho no qual o trabalhador use sua inteligência prática, ou seja, uma organização do trabalho suficientemente flexível que absorva a criatividade no modo de executar as tarefas e a subjetividade.

Quando questionados sobre se o seu tempo de trabalho é suficiente para concluir as atividades, a maioria dos participantes do G1 afirmou que sim. Entretanto, metade (50%) dos participantes do G1 relatou não conseguir se desligar do trabalho nem mesmo nas horas livres, sendo que, algumas vezes, chegam a levar trabalho para casa. Dejours (1992) salienta que o condicionamento ao comportamento produtivo imposto pela organização do trabalho, afeta o homem por inteiro e fora do trabalho ele conserva a mesma estrutura de comportamento. Consequentemente, tempo de trabalho e tempo fora do trabalho formam um continuum dificilmente dissociável

Quanto à estabilidade por trabalhar no Shopping, percebe-se através dos discursos dos participantes do G1, que a mesma é relativa à dedicação por parte do funcionário, ao cumprimento das normas e regulamentos, ao alcance dos objetivos. Visto que, apesar de a empresa investir nos funcionários, a estabilidade não existe em lugar algum de acordo com o relato de um participante. Deste modo, há uma diferença de sentido com relação à estabilidade por parte dos participantes do G1 e dos participantes do G2. Enquanto os primeiros acreditam que com dedicação ao trabalho, respeito e cumprimento às normas podem obter estabilidade, para os participantes do G2, a realidade é outra: a ameaça da instabilidade vem muitas vezes pelo fato de a maioria não ter formação técnica/superior (algo que o Shopping preza e valoriza). Esse fato é provavelmente decorrente do atual cenário socioeconômico, em que a gestão dos trabalhadores é realizada a partir de uma visão dos sujeitos como recursos descartáveis. As mudanças ocorridas nas condições de trabalho, impulsionadas pela globalização, aumentaram o desemprego, as perdas das garantias sociais, aumentaram os trabalhos informais e temporários, que, de acordo com Claro, Botomé e Kubo (2003), trouxe como consequência o aumento da incerteza e a imprevisibilidade na vida dos trabalhadores.

Nas pesquisas já realizadas com os trabalhadores das organizações de lazer e entretenimento, coordenadas por Macêdo (2010), verifica-se uma diferença básica com relação à organização do trabalho, que é relativa à autonomia no trabalho, existente para os trabalhadores que atuam na arte. Santos (2008), Assis (2008) e Brasileiro (2008) expõem em suas pesquisas que, além da relativa autonomia, existe divisão do trabalho, movimentos repetitivos (na busca pela perfeição), trabalho em equipe e cultura de cooperação. Diferentemente, para os trabalhadores de um Shopping Center e para os trabalhadores de um restaurante e de uma academia, pesquisados por Dias (2007) e Araújo (2008), respectivamente, a organização do trabalho se apresenta rígida, falta autonomia para os trabalhadores, as normas e os regulamentos devem ser rigorosamente cumpridos.

As condições de trabalho são constituídas por elementos estruturais que expressam condições objetivas de trabalho, como ambiente físico, instrumentos, equipamentos, matéria-prima, suporte organizacional e política de pessoal. Sendo assim, os participantes do G1, relataram que eles trabalham em um lugar provisório, pois uma nova sede está sendo construída para a administração. Contudo, apesar da avaliação positiva na maioria dos itens, com relação aos ruídos/acústica, a avaliação não foi satisfatória, principalmente nos departamentos que necessitam de mais privacidade, como é o caso do departamento de segurança.

Inversamente, os relatos dos participantes do G2 evidenciaram uma insatisfação com relação aos ruídos, higiene, máquinas e equipamentos, por parte de alguns departamentos, como é o caso da central telefônica (departamento administrativo) e do departamento de manutenção, que engloba cargos como: encarregado de eletricista, auxiliares de limpeza e conservação, auxiliar mecânico de ar condicionado etc. É importante comentar que dada a diversidade dos cargos que compuseram esse grupo, incluindo várias funções operacionais, os riscos são diversificados, dependendo da função e de suas especificidades.

Vale salientar que é notável a diferença estrutural encontrada entre os dois grupos. Enquanto os trabalhadores do G1, mesmo trabalhando em um local provisório, possuem salas climatizadas, a maior parte delas individuais, com ambientes agradáveis, boa iluminação e higiene, os trabalhadores do G2, trabalham normalmente em ambientes com ruídos intensos, pouca iluminação e ventilação, como é o caso dos trabalhadores do departamento de manutenção de ar condicionado. Alguns trabalhadores do G2 reclamaram, ainda, das condições em que se encontram as ferramentas como máquinas e equipamentos utilizados pelos mesmos durante os seus trabalhos.

As condições de trabalho dos trabalhadores do Shopping apresentam aspectos semelhantes aos encontrados nas pesquisas de Dejours (1992, 1994) e Mendes (2001, 2007) como: desgaste, sobrecarga, cansaço físico/ mental, riscos de acidentes, o que causa nos trabalhadores ansiedade, medo e insegurança. Há, ainda, insatisfação por parte dos trabalhadores com relação ao trabalho noturno, aos finais de semana e feriados, como também foi verificado nas pesquisas com os trabalhadores que atuam na arte. Já com relação ao ambiente físico, que compreende: iluminação; ruídos; temperatura; higiene; máquinas e equipamentos, a avaliação foi satisfatória para a maioria dos trabalhadores do G1 e insatisfatória para grande parte dos trabalhadores do G2.

As relações de trabalho existentes entre os trabalhadores que atuam no ramo de lazer e entretenimento possuem algumas características em comum. São vivenciadas como sendo satisfatórias, amigáveis e até familiares pelos trabalhadores.

As relações de trabalho abrangem as relações que os trabalhadores estabelecem com os outros em seu trabalho. Podem ser, segundo Dejours (1994), relações de hierarquia (com seus chefes, superiores e gerentes, na busca do reconhecimento da utilidade de sua habilidade; e com seus subordinados, na busca do reconhecimento de sua autoridade e de suas competências); relações com os outros trabalhadores (colegas de trabalho), construindo estratégias de enfrentamento em comum; relações com os pares, na tentativa de reconhecimento de sua originalidade, de sua identidade ou de sua pertença a um coletivo. Assim, o trabalhador não pode ser considerado um indivíduo isolado.

Sobre o relacionamento com os seus subordinados, os participantes do G1 fazem questão de destacar que, para eles, não existem subordinados e sim colegas e parceiros. Entretanto, no tocante às dificuldades enfrentadas pelos participantes do G1 ao trabalhar no Shopping, há indicadores de que as maiores têm a ver com as relações de trabalho propriamente ditas, ou seja, com o fato de lidar com pessoas, clientes, colegas ou subordinados. É válido notar que a imagem da grande família, para os trabalhadores da empresa, assume, nessa perspectiva, contornos diferentes. A construção simbólica coletiva propicia, assim, encobrir as relações de dominação, presentes no cotidiano da empresa e que permeia as interações entre os trabalhadores.

Categoria 2- Mobilização subjetiva do trabalhador

 Para a psicodinâmica do trabalho, há sempre um descompasso entre o trabalho prescrito pela organização e o trabalho real. O trabalho prescrito não é passível de execução sem haver adaptações por parte dos trabalhadores, que, para transformar o trabalho em real, devem utilizar sua mobilização subjetiva, sua inteligência astuciosa para criar adaptações, “quebra-galhos” ou negociar com seus pares transgressões que permitam a execução e realização do trabalho real. Contudo, como saliente Dejours, mesmo sendo previsto, esse movimento dos trabalhadores mobiliza sentimentos de culpa, medo que, se não verbalizados e e compartilhados com os colegas, pode gerar sofrimento. Dessa maneira, as vivências de prazer e sofrimento coexistem, estão interligadas e se configuram nas vivências de prazer-sofrimento.

Dejours, Abdouchelli e Jayet (1994) salientam que as normas dizem respeito à forma como o trabalho é organizado, permitem a realização de atividades com conteúdos significativos ou não, bem como a influência ao sentido particular que assumem para cada trabalhador. Assim, todos os participantes do G1 afirmaram conhecê-las. A maioria dos relatos registra que as normas e os regulamentos são bons, bem elaborados, claros, de acordo com a legislação, se fazendo necessário o seu cumprimento. E o que normalmente acontece são adaptações, adequações, principalmente para as normas de ordem técnica. Já para os participantes do G2, a maioria também afirmou conhecer as normas e os regulamentos da empresa. Alguns acham as normas e os regulamentos bons, que em nada afetam; outros acham que poderiam ser menos rígidos. Ressaltam sobre a importância de sua prática, pois, ao contrário, há punições.

Apesar de os trabalhadores terem dito que as normas não mudam com frequência, há relatos que evidenciam o não-cumprimento das mesmas e dificuldades em se adequar (trabalho prescrito x trabalho real), como mostram trechos da entrevista do participante (S-08):

Não, menina. Não muda certo? Só a gente que, digamos, muda. Porque na minha área, eu sinto assim… Eu tenho que ser flexível pra atender bem o cliente que é o lojista, né? Aí então eu acho que isso aí é que faz a gente mudar o que tá escrito no regulamento do Shopping.

Considerando os relatos dos participantes, é importante destacar que nas pesquisas já realizadas, as vivências de prazer indicam dois elementos que as compõem: o primeiro refere-se à gratificação, ou seja, ao sentimento de satisfação, realização, orgulho e identificação com um trabalho que atende às aspirações profissionais. O segundo elemento se refere à liberdade no trabalho; relaciona-se ao sentimento de estar livre para pensar, organizar e falar sobre o trabalho, considerando que o modo particular de trabalhar é reconhecido pelos chefes e colegas. Portanto, de acordo com os relatos de alguns participantes do G1 e do G2, o segundo elemento que se refere à liberdade existente no trabalho, somente é possível se estiver relacionada ao cumprimento das normas e regulamentos impostos pelo Shopping, visto que, de acordo com Siqueira (2007), nas organizações modernas, os trabalhadores convivem com a definição e a construção diária dos limites que lhes são impostos, bem como com os controles que são realizados na organização como um todo.

Com relação à liberdade existente para fazer o seu trabalho no Shopping, a maioria dos participantes do G1 e do G2 afirmou que a liberdade é relativa, pois existem normas que devem ser cumpridas. Assim, percebe-se que no discurso dos participantes do G1 a exigência quanto ao cumprimento e respeito a essas normas são mais rígidos do que no discurso dos participantes do G2.

Segundo Mendes (2007), a liberdade é um fator indicador de vivências de prazer no trabalho. Quanto mais o trabalhador se sente livre para expressar suas ideias, para utilizar suas    potencialidades,   para       atuar               na organização, mais sentirá prazer naquilo que realiza. Porém, quando esse trabalhador é tolhido de sua liberdade, se sente mais aprisionado/limitado, vivenciando sofrimento.

No tocante ao reconhecimento, o mesmo se constitui a partir da severa reconstrução dos julgamentos que dizem respeito ao trabalho realizado. Segundo Lancman e Heloani (2004), os julgamentos podem ser de utilidade: proferidos, especialmente pelos superiores hierárquicos ou pelos subordinados, e eventualmente pelos clientes; e de estética: proferido pelos colegas, membros da equipe, ou da comunidade. Sendo assim, quando perguntado aos participantes do G1 e do G2 sobre “Você considera que o seu trabalho é reconhecido? (chefes, colegas, você, família)” (P5), todos afirmaram que sim. Asseguraram, ainda, que há elogios por parte dos chefes, desde que se cumpra o que é exigido, como ilustra o relato do participante (S-06):

[…] Meu gerente mesmo sabe reconhecer o trabalho da gente e sabe elogiar um trabalho bem feito e sabe também punir quando as coisas não são feitas dentro das normas e do regulamento.

 No discurso dos trabalhadores, verificou-se que tanto as vivências de prazer (satisfação; reconhecimento) quanto as vivências de sofrimento (insegurança; sobrecarga; desgaste) estavam presentes. Logo, as categorias indicadoras de prazer levantadas foram: satisfação pessoal, reconhecimento profissional, orgulho por trabalhar em uma empresa de renome, status, prazer nos relacionamentos interpessoais, gratidão para com a organização, confirmando o que foi encontrado nas pesquisas de Dejours (1992, 1993, 1994, 2004), Mendes e Tamayo (2001), Ferreira e Mendes (2003) e Mendes, Lima e Facas (2007), além dos resultados co-relacionados encontrados nas pesquisas de Dias (2007), Santos (2008), Assis (2008), Brasileiro (2008) e Araújo (2008), contribuindo para a construção de um significado comum do trabalho, no segmento de lazer e entretenimento.

Com relação às vivências de sofrimento, surgem em uma perspectiva dinâmica (conflitos intersubjetivos e intrapsíquicos) dos processos psíquicos mobilizados pela confrontação entre as necessidades do indivíduo e da organização do trabalho, de acordo com Dejours (1994). Assim sendo, quando a organização do trabalho é rígida, e o trabalhador não consegue ajustá-la às suas necessidades, ocorre o sofrimento psíquico. Dejours (2007), afirma que o trabalhador reage ao mesmo, tentando transformá-lo ou, ao menos, minimizá-lo. Se nenhuma das alternativas funcionarem, o trabalhador pode adoecer.

Ao ser perguntado aos participantes sobre: “O que você sente ao trabalhar no Shopping?” (P1), a maioria das respostas dos participantes do G1 se refere principalmente ao sentimento de satisfação com relação ao ambiente que é o Shopping: “lugar aconchegante”; “conforto, ar condicionado”; “pessoas bonitas”. Verifica- se, ainda, por parte dos participantes do G1, o sentimento de orgulho por trabalhar em uma empresa como o Shopping, assim como o contentamento com relação à função exercida pelos mesmos: “marca consolidada”; “empresa sólida”; “valoriza a gente”; “gosto muito do que faço”; “amo trabalhar com gente”. Já no discurso dos participantes do G2, observam- se principalmente os sentimentos de orgulho e gratidão por trabalhar no Shopping. Os participantes do G1, de modo geral, são gratos ao Shopping pelas realizações alcançadas, afirmam se sentir orgulhosos e honrados por trabalhar em uma empresa que em seu segmento é a mais importante do estado.

As categorias indicadoras de sofrimento encontradas referem-se ao desgaste, relacionado ao sentimento de que o trabalho causa estresse, sobrecarga, tensão emocional, cansaço, ansiedade e insegurança, relacionada ao sentimento de medo de não conseguir cumprir as metas com relação à produtividade, ritmos, regras e normas de trabalho, riscos de acidentes, insegurança diante da instabilidade no emprego e falta de tempo para si e para família. Tais categorias coincidem com as levantadas pelas pesquisas de Dejours (1992), Ferreira e Mendes (2001), Mendes e Tamayo (2001), Martins e Pinheiro (2006), Dias (2007), e demais autores.

As estratégias de enfrentamento ou estratégias defensivas são formas de mediações individuais ou coletivas que levam a amenização da percepção da realidade de trabalho. O foco da psicodinâmica são as estratégias defensivas construídas coletivamente, tendo em vista que, no campo do trabalho, o coletivo se sobrepõe ao individual. Nesse sentido, perguntas como: “Você se sente pressionado ou sobrecarregado na realização das tarefas?” (P1) e, ainda, “Se sim, o que você faz para reagir diante desta situação?” (P2), vão evidenciar alguns relatos sobre a pressão e a sobrecarga existentes no G1, principalmente com relação aos aspectos que envolvem a organização do trabalho, as condições de trabalho e as relações de trabalho.

Para enfrentar esse tipo de situação (pressão ou sobrecarga), participantes do G1 afirmaram cumprir com suas obrigações, como também conversar com seus superiores no intuito de buscar as soluções possíveis. Diferentemente, a maioria dos participantes do G2, que afirmou não se sentir pressionado ou mesmo sobrecarregado. Observa-se, ainda, que o tipo de pressão e sobrecarga algumas vezes presentes é relativo a certos períodos e funções, e está ligado especialmente à organização do trabalho.

Constata-se, através dos relatos dos participantes do G1, que o cansaço está mais presente do que a fadiga propriamente dita. O cansaço físico é maior em algumas funções e se instala ao final do dia devido às inúmeras locomoções dentro do próprio Shopping. Entretanto, é o cansaço mental que aparece mais nos relatos dos participantes do G1, e é percebido principalmente através do estresse do dia-a-dia/rotina. Quanto aos participantes do G2, alguns afirmaram sentir cansaço. Além do que, percebe-se nos relatos dos participantes do G2 que o cansaço físico é mais sentido do que o cansaço mental, talvez em decorrência dos cargos e das funções por eles ocupadas (nível operacional).

É intrigante constatar que, enquanto no discurso dos participantes do G1 todos afirmaram conhecer pessoas que já tiveram alguma doença por causa do trabalho, especialmente trabalhadores dos departamentos de limpeza/conservação e de segurança, no discurso dos participantes do G2, justamente os trabalhadores dos departamentos descritos logo acima, somente dois participantes relataram conhecer pessoas/ colegas que tiveram alguma doença por causa do trabalho.

Tal fato nos leva a pensar em um possível discurso ideológico ou ainda em estratégias defensivas, que, de acordo com Dejours (1994), são códigos de condutas estabelecidas e conduzidas por homens e mulheres. As estratégias defensivas variam de acordo com as situações de trabalho, sendo marcadas pela sutileza, engenhosidade, diversidade e inventividade. Dessa maneira, Dejours, Abdouchelli e Jayet (1994) elucidam que as estratégias defensivas levam à modificação, à transformação e à amenização da percepção que os trabalhadores têm da realidade que os faz sofrer e do medo dos riscos a que estão submetidos, com o objetivo de atenuar seu medo e seu sofrimento. Muitas vezes os procedimentos defensivos construídos servem para não admitir uma realidade incompreensível ou sofrível.

Com relação às estratégias de enfrentamento utilizadas pelos trabalhadores do Shopping, assim como as utilizadas pelos outros trabalhadores do segmento de lazer e entretenimento encontram-se o conformismo, a negação, a racionalização, como estratégias coletivas. Existe um sentimento de cobrança, autovigilância, disciplina, na execução da atividade/trabalho por parte dos próprios trabalhadores. Logo, pode-se afirmar que diante do sofrimento, o engajamento e a submissão do corpo tornam-se maiores, sendo legitimados através da aceleração dos gestos e movimentos, a fim de manter a produtividade e alcançar as metas.

De acordo com os estudos de Dejours (1992, 1993, 1994, 2004, 2007), as novas formas de organização do trabalho mostram um modo  de dominação  por  parte  das organizações, mais sofisticado e difícil de ser identificado. Caracterizam-se pelas contradições dos objetivos, das regras e dos controles impostos pela própria organização. As exigências do trabalho, muitas vezes invisíveis, ameaçam a perda individual do emprego e a desestabilização do coletivo de trabalho. Assim, o sofrimento instala-se e apresenta-se como uma reação, uma manifestação da resistência e da insistência em enfrentar a diversidade do contexto de trabalho, funcionando como um mobilizador para a luta contra as patologias sociais e pela saúde. Somente pela ressignificação do sofrimento é possível a busca pelo prazer. Ressignificação que só é possível a partir do momento que o trabalhador reconhece a realidade de trabalho que o faz sofrer. Daí dá- se a contribuição da psicodinâmica em que a construção do sentido do trabalho através da ressignificação/re-elaboração pode transformar o sofrimento em prazer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo realizado permitiu aprofundar a compreensão de como os trabalhadores de um Shopping Center vivenciam o seu trabalho, contribuindo com análises que ampliaram a produção científica relacionada a este tema.

O método utilizado mostrou-se adequado, pois a escolha da técnica de coleta e de análise dos dados possibilitou, com base nos discursos dos participantes, o acesso aos conteúdos que caracterizam a forma de gestão da organização e a mobilização subjetiva relacionada ao trabalho.

Os dados encontrados indicam que, apesar de ser uma empresa que atua no ramo de lazer e entretenimento, o Shopping proporciona aos seus trabalhadores vivências tanto de prazer como de sofrimento. Assim como na teoria, a coexistência das vivências de prazer- sofrimento revela-se interligada ao longo das entrevistas, ressaltando o caráter dinâmico dessas vivências.

As análises realizadas com relação à organização do trabalho, as condições e as relações de trabalho, são semelhantes em alguns aspectos a outras organizações do ramo. As pesquisas já realizadas em empresas que atuam no ramo de lazer e entretenimento, como academia, por Araújo (2008), restaurante, por Dias (2007), ou mesmo as pesquisas relacionadas aos trabalhadores que atuam na arte, realizadas por Assis (2008); Brasileiro (2008) e Santos (2008), apresentam características em comum quanto à forma de gestão, como também, a mobilização subjetiva relacionada ao trabalho, que abrangem as vivências de prazer-sofrimento e as estratégias de enfrentamento do trabalho.

A organização do trabalho no Shopping é vista pelos trabalhadores como sendo rígida, controlada por normas e regulamentos que devem obrigatoriamente fazer parte da rotina de todos. Mesmo os trabalhadores que ocupam os cargos de chefias, gerências e supervisões devem prestar contas e relatórios formais sobre as suas decisões. Muitos deles ressaltam a dificuldade existente em se cumprir o trabalho prescrito devido ao rigor presente na organização do trabalho. Para Dejours (1994), não há organização do trabalho ideal e, mesmo que ela se transforme, será potencialmente patogênica. No entanto, deve-se estimular a sua transformação, a qual deve ser realizada pelos próprios trabalhadores e por eles conduzida.

As condições de trabalho verificadas são diferentes para os dois grupos. Enquanto os trabalhadores do G1 (administração) trabalham em um local que, apesar de provisório, apresentou avaliação satisfatória com relação às condições físicas (iluminação; ruídos; temperatura e ventilação; higiene; máquinas e equipamentos). Alguns trabalhadores do G2 (operacional) apresentaram insatisfações no que se refere à higiene, aos ruídos, à temperatura e ventilação e às máquinas e equipamentos utilizados por determinados deles. Além do que, o risco maior de acidentes no G2 (operacional), gera nos trabalhadores, ansiedade, medo e insegurança. Existe, ainda, desgaste, sobrecarga, cansaço físico e/ou mental e insatisfação com relação ao trabalho noturno, aos finais de semana e feriados, por parte dos trabalhadores.

As relações de trabalho são vivenciadas pelos trabalhadores como “uma das coisas boas daqui”. São consideradas amigáveis e satisfatórias as relações entre chefes e subordinados e as relações entre os próprios colegas.

A mobilização subjetiva relacionada ao trabalho, revelada nas entrevistas, como as vivências de prazer-sofrimento e as estratégias de enfrentamento, apresenta aspectos relevantes com relação a como os trabalhadores de um Shopping Center vivenciam o seu trabalho. De acordo com Dejours (1992, 1994, 1999), o trabalho é um lugar no qual os conflitos intersubjetivos e intrassubjetivos podem ocorrer, possibilitando sentimentos relacionados com satisfação, reconhecimento e liberdade, isto é, vivências de prazer, mas também sentimentos de insegurança, instabilidade e desgaste, ou seja, vivências de sofrimento.

Assim, verifica-se que os trabalhadores do Shopping sentem satisfação e orgulho por trabalhar em uma empresa sólida, de renome (status). Sentem satisfação, ainda, em realizar o seu trabalho, visando ao alcance dos seus objetivos, conquistas e sobrevivência. São gratos ao Shopping pelos benefícios e cursos oferecidos (PAGÈS, 1987). “O Shopping investe nos funcionários”. O seu trabalho é considerado prazeroso, insubstituível, orgulho para a família, “tudo na vida”. O reconhecimento por parte da empresa, dos chefes e dos colegas, dos familiares, do público em geral, a valorização do seu próprio trabalho, os relacionamentos interpessoais, proporcionam prazer e alegria em trabalhar no Shopping. Sobre o reconhecimento, Mendes (2007) afirma que, para que o trabalho seja fonte de saúde, é imprescindível que o trabalhador se sinta reconhecido pelo seu esforço e dedicação a tarefa, uma vez que nesse reconhecimento está a possibilidade de dar sentido ao sofrimento vivenciado pelos trabalhadores. A autora salienta, ainda, que, ao sentir prazer no trabalho, o trabalhador torna-se o sujeito da ação, ou seja, cria estratégias para dominar o seu trabalho e não ser dominado por ele. Contudo, em função do poder da organização do trabalho, que pode desarticular as oportunidades para o uso dessas estratégias, isso nem sempre se torna possível.

O sofrimento dos trabalhadores do Shopping tem como indicadores o cansaço e/ ou desgaste que pode ser físico e/ou mental. Físico, decorrente das atividades executadas por funcionários de cargos que exigem um esforço maior do corpo, como é o caso dos seguranças, (que necessitam fazer a ronda pelo Shopping, como, ao mesmo tempo, ficar o período todo em pé); e mental, em virtude da preocupação em executar bem suas funções, cumprir as metas com relação à produtividade, ritmos, regras e normas de trabalho, o que também gera ansiedade e insegurança nos trabalhadores. Existe, ainda, insatisfação por parte de alguns trabalhadores com relação ao trabalho noturno, aos finais de semana e feriados, dificultando a convivência social e familiar. Para Ferreira e Mendes (2001), o constructo dialético prazer-sofrimento no trabalho tem sido estudado pela psicodinâmica desde os anos de 1980. Pesquisas revelam que situações de medo e tédio são responsáveis pelo surgimento do sofrimento, que se reflete em sintomas como a ansiedade e a insatisfação. As estratégias de enfrentamento utilizadas pelos trabalhadores referem-se especialmente à organização e as condições de trabalho. Utilizam do conformismo para negar e/ou racionalizar as situações em que sentem cansaço, desgaste, medo, tédio, ansiedade, insatisfação, insegurança, que ameaçam a sua estabilidade no trabalho. Assunto tão bem abordado por Dejours (1992, 1994, 1999,

2007); Mendes e Tamayo (2001); Mendes

(2007); Dias (2007); Araújo (2008) e outros. Esses autores ressaltam que a ameaça do desemprego gera muito sofrimento nos trabalhadores. Porém, para esses trabalhadores, é importante observar que essa condição pode se tornar uma forte arma de controle usada pela organização, à medida que os mesmos, por medo do desemprego, procuram se adaptar à sua cultura. Dessa forma, o trabalho durante os finais de semana e feriados, assim como o cansaço/desgaste físico e/ou mental, decorrentes da organização do trabalho, eram verbalizados pelos trabalhadores como “não tem outro jeito”; “já me acostumei”. Logo, diante das insatisfações nas condições de trabalho, com relação à higiene, aos ruídos, à temperatura e ventilação e às máquinas e equipamentos utilizados, observa-se que o comportamento conformista também se repete através da frase “já estamos acostumados”. Deste modo, quando os trabalhadores não conseguem mais se adaptar à organização, surge o sofrimento que se apresenta como uma reação, uma revelação da resistência em trabalhar em um ambiente precarizado, funcionando como um mobilizador para a luta contra as doenças e pela preservação da saúde. Para tanto, somente através do reconhecimento da realidade de trabalho que o faz sofrer, é que o trabalhador torna possível encontrar o caminho para obter a estabilidade sociopsíquica e as possibilidades de expressar a sua subjetividade de maneira autônoma.

Para Dejours (1992, 1994), criar condições para o aumento das vivências de prazer implica mudanças, tanto na forma de organização do trabalho quanto na divisão das tarefas e das pessoas, possibilitando uma melhor relação interpessoal e melhores condições de trabalho. Faz-se necessário que o trabalhador perceba sentido naquilo que realiza e se identifique como agente de transformação da realidade em que está inserido, pelo seu trabalho.

Diante dos resultados encontrados nesta pesquisa, pode-se afirmar que os objetivos foram alcançados, pois foi possível verificar as vivências dos trabalhadores em relação à organização e sua interação com ela, as condições e as relações de trabalho e a presença das vivências de prazer-sofrimento na organização estudada e a dinamicidade dessas vivências. A escolha pela abordagem psicodinâmica do trabalho se mostrou adequada, pois possibilitou contemplar o fenômeno de forma abrangente e integral, dando fundamento para as questões encontradas na prática dos trabalhadores, manifestadas nos seus discursos.

Na realização desta pesquisa, algumas dificuldades e limitações foram encontradas pela pesquisadora. A primeira delas diz respeito às limitações da própria pesquisadora diante da complexidade do objeto de estudo. Uma segunda limitação justifica-se pela falta de referenciais teóricos a respeito do trabalho em Shopping Center, tema ainda pouco abordado. A impossibilidade da análise documental da organização pesquisada, em virtude da organização do Shopping não ter possibilitado o acesso as mesmas, assim como, a não- permissão por parte da organização para as entrevistas coletivas, prejudicou a obtenção de mais informações, além de limitações relacionadas aos transtornos vivenciados pela pesquisadora no que se refere aos contratempos para cumprir o cronograma estabelecido no projeto de pesquisa, em razão de obrigações exteriores.

Em meio às possibilidades de novas pesquisas, pode-se ampliar o campo de estudo em relação a outras organizações do ramo, de diversos portes, para apreender e comparar os fenômenos psíquicos vivenciados pelos trabalhadores com relação ao seu trabalho. A continuação pela utilização e desenvolvimento da abordagem psicodinâmica do trabalho, que tem sido de grande utilidade para a compreensão dos fenômenos psíquicos vivenciados no trabalho.

Dentre as possibilidades de futuras pesquisas com base neste estudo, pode-se sugerir: a utilização da entrevista coletiva como técnica de coleta de dados para complementar a entrevista individual, que pode ampliar os resultados em termos coletivos.

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