O gerenciamento de riscos ocupacionais e a contribuição da ergonomia e da psicodinâmica do trabalho – Kátia Barbosa Macêdo

Profa. Dra. Kátia Barbosa Macêdo e Isabelle Arão

RESUMO

Introdução: A Ergonomia dialoga com a Psicodinâmica do Trabalho na medida em que trazem à tona a discussão sobre instrumentos que transformam positivamente contextos laborais potenciais geradores de impactos negativos sobre o trabalhador. Este movimento de envolver os sujeitos que laboram é fundamental no gerenciamento dos riscos ocupacionais, em especial no atual momento vivenciado pela legislação trabalhista. O processo de atualização das Normas Regulamentadoras – NR’s, em especial, a NR 1, tornará compulsório o gerenciamento de riscos e tanto a Ergonomia quanto a Psicodinâmica do Trabalho em muito contribuirão não só no atendimento à legislação, mas também na melhoria contínua, bem-estar e qualidade de vida no trabalho. O presente estudo teórico visou fazer um diálogo entre a Ergonomia e a Psicodinâmica do Trabalho no gerenciamento de riscos ocupacionais. Metodologia: Foi realizada uma análise bibliométrica a partir de um levantamento na base de periódicos da CAPES e repositório de dissertações e teses da USP, em língua portuguesa, no período de 2010 a 2020. Os descritores utilizados foram Ergonomia, Psicodinâmica do Trabalho e Segurança do Trabalho. Resultados e Discussão: Foram encontrados 11 artigos, 06 teses de doutorado e 02 dissertações de mestrado, totalizando 19 ítens. Após análise, os resultados indicam que 17 publicações revelam que o fator humano deve ser considerado em todas as suas vertentes e nuances para toda e qualquer avaliação dos aspectos laborais, 35% destas publicações focaram no fator humano em si, 35% associaram-no à análise da atividade; 15% relacionaram o fator humano à organização do trabalho e 15% deram ênfase à importância da participação desse fator humano e ao diálogo com este. A Segurança do Trabalho, área em sua maioria constituída por profissionais técnicos responsáveis pelo gerenciamento de riscos, deve alertar para este diálogo entre a Ergonomia e a Psicodinâmica do Trabalho e incorporá-lo em suas práticas. Conclusão ou Considerações Finais: Associar a Ergonomia e Psicodinâmica na prática do gerenciamento de riscos ocupacionais considerando em sua totalidade o trabalhador é uma atitude socialmente responsável e cautelosa, já que agindo proativamente este ser humano vivenciará situações laborais dignas, seguras e confortáveis.

Palavras-chave: Ergonomia, Psicodinâmica do Trabalho e Segurança do Trabalho.

ABSTRACT

Introduction: Ergonomics dialogues with Psychodynamics of Work to the extent that they bring up the discussion about instruments that positively transform labor contexts that can generate negative impacts on the worker. This movement of involving the subjects that work is fundamental in the management of occupational risks, especially in the current moment experienced by the labor legislation. The process of updating the Regulatory Norms – NR’s, especially NR 1, will make risk management compulsory and both Ergonomics and Work Psychodynamics will contribute a lot not only to comply with the legislation, but also to the continuous improvement, well-being, and quality of life at work. This theoretical study aimed to establish a dialogue between Ergonomics and Psychodynamics of Work in the management of occupational risks. Methodology: A bibliometric analysis was carried out from a survey in the CAPES periodicals database and USP’s repository of dissertations and theses, in Portuguese, from 2010 to 2020. The descriptors used were Ergonomics, Psychodynamics of Work and Occupational Safety. Results and Discussion: 11 articles, 06 doctoral theses and 02 master’s dissertations were found, totaling 19 items. After analysis, the results indicate that 17 publications reveal that the human factor must be considered in all its aspects and nuances for any evaluation of labor aspects, 35% of these publications focused on the human factor itself, 35% associated it with the analysis of the activity; 15% related the human factor to the organization of work and 15% emphasized the importance of the participation of this human factor and the dialogue with it. Occupational Safety, an area mostly comprised of technical professionals responsible for risk management, should be aware of this dialogue between Ergonomics and Psychodynamics of Work and incorporate it into their practices. Conclusion or Final Considerations: To associate Ergonomics and Psychodynamics in the practice of occupational risk management considering in its totality the worker is a socially responsible and cautious attitude, since acting proactively this human being will experience dignified, safe and comfortable labor situations.

Keywords: Ergonomics, Psychodynamics of Work and Work Safety.

1  INTRODUÇÃO

Avaliar riscos ocupacionais é uma constante na rotina laboral dos profissionais da Saúde e Segurança do Trabalho. Tanto a Ergonomia quanto a Psicodinâmica do Trabalho (PDT) poderão contribuir para um olhar profundo e contínuo a estes riscos, envolvendo os trabalhadores que a ele estão expostos e permitindo não só o cumprimento da legislação bem como a melhoria do bem-estar e da qualidade de vida no trabalho.

A Ergonomia, segundo Grandjean (1998) é o estudo da relação entre o homem e o trabalho, na tentativa de adaptar o meio ambiente laboral ao homem que nele está inserido. O prefixo ergo origina da palavra grega que significa “ação, trabalho, obra”, remetendo a energia e vitalidade do trabalhador e a sua relação com este meio. A análise desta relação se dá sob o ângulo da saúde (SCHWARTZ, 2007).

Guérin et al (2001) e Wisner (1994) propõem a análise da atividade para correlacionar os determinantes das situações de trabalho e as consequências para os indivíduos. Ancorar-se nesta atividade é o que a Ergonomia faz na intenção de compreender seus condicionantes que integra as condições gerais para o trabalho associadas às características específicas de determinado ofício (PETRUS, 2017).

A psicodinâmica do trabalho proposta por Dejours tem seu foco metodológico na coletividade dos trabalhadores, trazendo à tona os aspectos subjetivos a partir da avaliação das vivências de prazer-sofrimento (MACÊDO; FLEURY, 2014). Leva em consideração a mobilização subjetiva dos trabalhadores, suas expressões individuais e coletivas além da busca por mecanismos de transformação do sofrimento vivenciado em situações de prazer (MACÊDO, 2015).

Associar as contribuições da Ergonomia e Psicodinâmica do Trabalho em intervenções aplicadas à área da Saúde e Segurança do Trabalho, mais especificamente à nova Norma Regulamentadora nº 1 – NR 1 que traz em sua mais recente redação, o ítem 1.5 gerenciamento de riscos ocupacionais, tornando compulsório por parte da organização (BRASIL, 2020) é vital neste novo cenário regulatório brasileiro.

Tradicionalmente, os profissionais da Saúde e Segurança do Trabalho abordam os riscos de maneira técnica, voltada para as metodologias em higiene do trabalho. Cabe aos trabalhadores apenas receber, de forma passiva, as instruções para lidarem com os riscos aos quais estão expostos (NASCIMENTO; VIEIRA; CUNHA, 2010).

Gerenciar riscos é mais que o cumprimento de normas e procedimentos. É necessário, além de seguir as etapas da antecipação, reconhecimento, avaliação e controle (pertinentes à mencionada higiene do trabalho); envolver a população trabalhadora por meio da Ergonomia Participativa. Também é crucial favorecer os processos de reflexão e de elaboração que mobilizam os trabalhadores na direção de mudanças no trabalho e nas suas relações laborais (MACÊDO; FLEURY, 2014).

Abordar os conceitos da Saúde e Segurança do Trabalho a partir da Ergonomia Psicodinâmica do Trabalho implica em incorporar os saberes dos trabalhadores nas discussões e ações de prevenção. Para o alcance da efetividade de suas ações e uma menor resistência por parte dos trabalhadores, a atuação da Saúde e Segurança do Trabalho de abordagem tradicional deve se roupar de outra nuance, ganhar a empatia dos trabalhadores e engajá-los no processo de prevenção de acidentes e doenças do trabalho, partes integrantes da gestão de riscos ocupacionais.

O presente estudo teórico visou fazer um levantamento da contribuição da Ergonomia e da Psicodinâmica do Trabalho neste processo de gestão de riscos ocupacionais que contempla a Saúde e Segurança do Trabalho.

A ergonomia teve sua origem na Inglaterra no ano de 1949, data na qual o engenheiro e psicólogo Murrell criou a primeira sociedade de ergonomia (Ergonomics Research Society), reunindo profissionais engenheiros, psicólogos, fisiologistas, arquitetos, designers e economistas, se afirmando, portanto como pluridisciplinar. Anos mais tarde, em meados da década de 1950, foi fundada na França a Société d´Ergonomie de Langue Française, surgindo uma nova vertente para os estudos em Ergonomia, de origem francófona (SANTOS; COELHO, 2018).

Desde o seu nascimento até os dias atuais, a Ergonomia tem sido difundida como uma das mais importantes estratégias para reduzir os problemas originados por situações de trabalho, adaptando o ambiente de trabalho às necessidades do indivíduo, baseando-se na promoção da saúde, segurança e conforto aos trabalhadores, tendo como prioridade o bem-estar do ser humano. A Associação Internacional de Ergonomia (IEA) a define como a ciência relacionada à interação entre pessoas e diversos elementos de um sistema, assim como o ramo da ciência que teoria, princípios e métodos com a finalidade de otimizar o bem-estar humano e a eficiência global de um determinado sistema. (HERNÁNDEZ; XAVIER; NUNES, 2019).

Enquanto ciência, a Ergonomia visa reconhecer na atividade a distância entre o prescrito e o real. O trabalho prescrito estabelece o modus operandis do trabalho executado, o tempo das operações, as regras por respeitar. Já o trabalho real é constituído pela atividade dos trabalhadores e sintetiza e integra os diferentes fatores que estruturam o processo de trabalho. É nele que estão contidos os determinantes que condicionam a sua interação com o meio. O processo incessante de construção de estratégias e modos operatórios pelo sujeito, para responder às exigências do trabalho, é o que distancia as noções entre o trabalho prescrito e o real (MENDES et al, 2012).

Tais estratégias adotadas, quando fracassadas por um ou vários operadores, podem levar a danos, tais como acidentes de trabalho, doenças profissionais e/ou desgastes materiais. A noção de regulação revela o processo desenvolvido pelos operadores para construir um compromisso operatório. As margens de manobra dependem da organização do trabalho, mas também das competências dos operadores (VIDAL-GOMEL; OLRY; RACHEDI, 2009).

Nos anos de 1970, Christophe Dejours, psiquiatra, médico do trabalho e ergonomista iniciou suas pesquisas com trabalhadores, se pautando na herança da rica tradição francesa da Psicopatologia do Trabalho, cujo interesse é na restauração da integridade e dignidade do homem no papel de produtor (LANCMAN; SZNELWAR, 2004).

Um pouco mais tarde, em meados dos anos de 1980, Christophe Dejours propôs uma teoria crítica para estudar o trabalho, dando origem à psicodinâmica do trabalho. É uma das clínicas do trabalho que tratam de teorias e metodologias na busca da compreensão e intervenção nos contextos laborais a partir da articulação entre as atividades executadas e a subjetividade de quem as realizam (BENDASSOLLI; FALCÃO, 2015).

No Brasil, ela foi inaugurada com o lançamento do livro traduzido A Loucura do Trabalho, de Dejours, cujo original em francês Travail: Usure Mentale foi lançado em 1987. Sua preocupação é compreender o que move psíquica e socialmente o sujeito ao prazer no trabalho (MACHADO; MACÊDO, 2016).

As clínicas do trabalho embora distintas, se relacionam. A Psicodinâmica do Trabalho e a Ergonomia, objetos da presente pesquisa, se inter-relacionam e ambas podem contribuir para a gestão de riscos na Saúde e Segurança do Trabalho.

Um sistema de gestão é um conjunto de elementos inter-relacionados os quais estabelecem e executam objetivos de diversas ordens, a partir de atividades de planejamento, práticas, procedimentos, processos e recursos. A norma Occupational Health and Safety Assessment Series (OHSAS) 18001 afirma que os Sistemas de Segurança do Trabalho são condições e fatores que afetam ou que poderiam afetar a segurança e saúde dos funcionários, visitantes ou qualquer outra pessoa no local de trabalho. Portanto, Projeto e Gestão de Segurança do Trabalho faz parte de um sistema importante de gestão dentro de uma empresa, pois gerencia seus riscos em relação à segurança e à saúde no trabalho (HERNÁNDEZ; XAVIER; PICININ (2018).

Os programas de prevenção de riscos ocupacionais que fazem parte do processo contínuo de gestão devem ser parte integrante do conjunto mais amplo das iniciativas da empresa no tocante à preservação da saúde e da integridade (física e mental) dos trabalhadores, e estar articulado com o disposto na legislação trabalhista vigente. Um dos principais itens de um programa de prevenção é a obrigatoriedade de adoção de medidas necessárias e suficientes para a eliminação, a minimização ou o controle dos riscos ambientais, medidas estas que irão compor um sistema de gestão contínua (OLIVEIRA; MENDES, 2014).

Dentre estas medidas estão as metodologias utilizadas na Ergonomia e na Psicodinâmica do Trabalho que devem, portanto, ser incorporadas à prática diária da gestão de riscos nos ambientes de trabalho.

2  MÉTODO

Na presente pesquisa foi realizada uma análise bibliométrica a partir de um levantamento na base de periódicos da CAPES/MEC, em língua portuguesa, no período de 2010 a 2020. Os descritores utilizados foram “Ergonomia”, “Psicodinâmica do Trabalho” e “Gestão de Riscos”, palavras-chaves estas utilizadas de modo associadas.

Por análise bibliométrica entende-se o estudo que apresenta um teor quantitativo tanto da produção, quanto da disseminação e uso das informações registradas. Trata-se de uma técnica que analisa as características dos autores e das fontes de publicação, a base de dados e outras fontes de informação, bem como tendências de utilização dessas informações (MACHADO; MACÊDO, 2016).

Em se tratando dos objetivos, o estudo classifica-se como descritivo. Segundo Gil (2011), este tipo de pesquisa tem como finalidade principal a descrição das características de determinada população ou fenômeno, fazendo uso de técnicas padronizadas de coleta de dados.

3  RESULTADOS

A partir da análise, foram levantados 86 estudos. Após proceder com a leitura dos respectivos resumos, foram considerados 29, sendo 22 relacionados à Ergonomia e Gestão de Riscos e 07 pertinentes à Psicodinâmica do Trabalho e Gestão de Riscos. Tal exclusão se deu pelo fato de que os estudos não contemplavam a temática proposta, mesmo que tivessem no rol de produções científicas após a escrita dos descritores mencionados.

Do total de 29 estudos considerados na presente pesquisa, 84 participaram como autores e coautores. Destes, 47 do gênero masculino e 37 do gênero feminino cujos percentuais que representam estão demonstrados no quadro 1.

Quadro 1 – Distribuição dos autores e coautores por gênero (AUTORAS, 2021)

Gênero

Percentual

Masculino

56%

Feminino

44%

A maioria dos estudos foi elaborada em parceria. Dois, três e quatro autores juntos compartilham suas experiências acadêmicas e profissionais na escrita e publicação de suas pesquisas. A quantidade de estudos escrito por um único autor ou por cinco autores ou mais, ou seja, os extremos, foram as que representaram menor percentual. O quadro 2 demonstra o percentual da quantidade de autores por estudo.

Quadro 2 – Quantidade de autores por estudo (AUTORAS, 2021)

Quantidade de autores

Percentual

01

11%

02

37%

03

19%

04

22%

05 ou mais autores

11%

As parcerias na escrita dos estudos também foram observadas em estudo de Rossoni (2006) que detectou o aumento da cooperação entre autores em geral e que consequentemente estão mais produtivos.

Analisou-se ainda as características dos trabalhos relacionadas à quantidade páginas escritas. O maior percentual encontrado foi de estudos entre 8 e 10 páginas, seguido por publicações que totalizam mais de 20 páginas e por fim, estudos entre 13 e 16 páginas. O restante do percentual para que completasse os 100% são de publicações que não se enquadram neste intervalo de páginas (quadro 3), sendo o número mínimo de 2 páginas e o número máximo de 28 páginas.

Quadro 3 – Quantidade de páginas dos estudos (AUTORAS, 2021)

Quantidade de páginas

Percentual

Entre 08 e 10 páginas

36%

Mais de 20 páginas

28%

Entre 13 e 16 páginas

24%

Demais intervalos

12%

 

Os anos nos quais foram identificados uma maior quantidade de publicações foram 2014 e 2018, totalizando 24% e 17%, respectivamente, seguido dos anos 2017

(14%) e 2019 (10%). A maioria das produções (65%) concentrou-se nestes 04 anos.

Em relação aos locais de publicação dos estudos, a maioria deles em revistas (79%), seguido por cadernos e capítulos de livros e teses de doutorados, cada um representando 7%.

Nota-se que as revistas que mais publicaram os estudos foram Gestão da Produção, Operações e Sistemas – GEPROS (27,5%) e Ciência e Saúde Coletiva (17%). Coincidentemente, os anos de maior publicação, já mencionados, foram nestas duas revistas. A Revista Brasileira de Medicina do Trabalho contou com 10% das publicações. Este perfil da área das revistas nas quais os estudos foram publicados vai de encontro com a área de formação dos pesquisadores, sendo a Engenharia de Produção e a Saúde Pública/Coletiva as representantes do maior percentual. Os quadros 4 e 5

ilustram, respectivamente, as áreas de formação dos autores e o nível de tal formação.

Quadro 4 Área de formação dos autores (AUTORAS, 2021)

Área de formação dos autores

Percentual

Engenharia de Produção

29%

Saúde Pública/Coletiva

16%

Psicologia

12%

Outras Engenharias

12%

Medicina

7%

Enfermagem

7%

Fisioterapia

7%

Administração

5%

Serviço Social

3%

Outras (Educação Física, Ciências Biológicas)

2%

 

Quadro 5 – Titulação dos autores (AUTORAS, 2021)

Nível de formação dos autores

Percentual

Pós-doutorado

15%

Doutorado

52%

Mestrado

22%

Graduação

11%

Considerando a classificação dos periódicos que publicaram os artigos, mais especificamente dos artigos publicados, conforme estratificação de qualidade prevista pelo sistema Qualis, 4% se enquadram na categoria A1; 16% como A2, 20% A3, 8% totalizam as categorias B1 e B2, sendo 4% cada uma delas, 32% correspondem as categorias B3 e B4 e 20% sem classificação. Praticamente 50% das publicações analisadas estão publicadas em periódicos de boa e excelente qualidade para fins científicos enquanto outros 50% não se enquadram nesta qualidade.

No que se refere aos métodos utilizados para os estudos, foram contempladas combinações de metodologias, demonstradas no quadro 6. A maior combinação de métodos se deu entre entrevista semi-estruturada e observação da atividade (31%).

Quadro 6 Metodologias utilizadas nos estudos e respectivas quantidades (AUTORAS, 2021)

Metodologia

Quantidade de estudos

Observação e avaliação da atividade

9

Entrevista semiestruturada

9

Questionário

5

Análise documental

5

Análise Ergonômica do Trabalho (AET)

4

Revisão da literatura exclusivamente

4

Escalas de avaliação

3

Entrevista em autoconfrontação

1

Caracterização das competências e observação de uma formação

1

Brainstorming

1

4  DISCUSSÃO

Segundo Bolis (2015), entrevistas apresentam vantagens relacionadas à facilidade de contemplar múltiplos tópicos, de construir confiança com os interlocutores, de possibilitar a construção de verdades, de coletar dados detalhados e de permitir o entendimento das percepções dos entrevistados. É por meio das entrevistas que relacionamentos com os interlocutores da organização são desenvolvidos e se dá o aprendizado sobre questões organizacionais intrínsecas, críticas e complexas.

Tanto por meio das entrevistas quanto através de questionários, sendo este último a metodologia adotada por 05 estudos é que se cumpre parte da Norma Regulamentadora nº 17 (NR 17) e seu respectivo manual (BRASIL, 2002) ao trazer em seu texto a palavra conforto. É imprescindível buscar a opinião do(a) trabalhador(a) acerca deste quesito no posto de trabalho e esta constante “consulta” aos que executam as atividades é parte de uma gestão participativa.

Tendo como certa a inevitável interação do homem com o trabalho, a necessidade de ouvir o trabalhador, ou mais que isso, propiciar que o trabalhador retome a palavra, incita uma discussão que não somente evita a degradação da saúde, mas que, numa abordagem ativa da saúde do trabalhador, amplia as possibilidades de construção e reinvenção da relação saúde e trabalho (MARQUES; MARTINS; SOBRINHO, 2011).

Tanto a legislação nacional quanto internacional, compondo esta última a convenção nº 148 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) regulamentam a participação dos trabalhadores no acompanhamento das inspeções do trabalho e a implementação das negociações tripartites, permitindo, consequentemente, melhorias das condições de trabalho no país (OLIVEIRA et al, 2011). As entrevistas (semiestruturada e em autoconfrontação), os questionários, as escalas de avaliação e o brainstorming são métodos que envolvem a população trabalhadora e trilham um caminho para a gestão.

A observação e avaliação da atividade, método adotado por 09 estudos, também contempla, mesmo que de forma indireta, a participação dos trabalhadores na tentativa de que as discussões advindas destes aproximem o trabalho efetivamente realizado daquele que foi prescrito.

“A atividade colocada como central possibilita o olhar sobre as dimensões subjetivas da ação e permite compreender o trabalho como um lugar permanente de microescolhas, de debate de normas e valores” (FIGUEIREDO; ALVAREZ, 2011, p. 3).

Analisar fatores de riscos nas tarefas e operações desempenhadas é fundamental para a prevenção de danos e vai muito além dos recursos normativos e legais que, por si só, não são o bastante para a diminuição dos riscos ocupacionais (MARTINS et al, 2018). Em 04 estudos avaliados identificou-se a Análise Ergonômica do Trabalho (AET) como método de análise das situações laborais, que também contempla os elementos da atividade e os determinantes que condicionam a relação desta com o meio. A AET facilita não só a coleta de dados, mas a gestão como um todo e a proposição de melhorias após análise (MENDES et al, 2012).

Embora em apenas 01 estudo verificou-se a caracterização das competências e observação de uma formação, é de crucial importância para a gestão dos riscos ocupacionais formar trabalhadores nesta temática. As competências dos trabalhadores, a identificação dos saberes de referência e da didática profissional contribuem para a gestão dos riscos de situações laborais.

Aos atores envolvidos deve ser fornecida a oportunidade de compreenderem a complexidade do trabalho e reconhecida a possibilidade de tomar decisões em situação, nomeadamente no que diz respeito ao direito de recusar o trabalho em situações perigosas (VIDAL-GOMEL; OLRY; RACHEDI, 2009, p. 20).

A organização e gestão dos processos produtivos deve considerar a capacidade e o saber do trabalhador e suas representações no manejo dos riscos e na competência técnica para o aprimoramento dos sistemas de trabalho (BONFATTI; VASCONCELLOS; FERREIRA, 2017).

Ressalta-se que foi identificado na literatura pesquisada um baixo percentual de produções feitas relacionando Psicodinâmica do Trabalho e Gestão de Riscos (24%). Os demais 76% se referem à relação entre Ergonomia e Gestão. Normalmente a área de Psicodinâmica do Trabalho está vinculada aos processos de saúde-doença e não ao processo de gestão. Isso permite inferir que há uma necessidade cada vez maior por parte dos gestores, em especial, da Saúde e Segurança do Trabalho a fazerem uso da PDT e Ergonomia em suas gestões.

Salienta-se também que os estudos, ao tratarem de gestão de riscos, fazem correlação com doenças e/ou demais danos que podem resultar. O enfoque no dano e não na forma de solução também leva a concluir que os estudos se reportam ao processo saúde-doença e não às formas de gestão em si para controle e mitigação dos riscos.

O mapeamento de indicadores críticos relacionados ao trabalho de forma proativa e não reativa serve de subsídio para intervenções que promovam mudanças no contexto laboral e para elaboração de estudos longitudinais que permitam o acompanhamento das percepções dos trabalhadores com o passar do tempo, já que gestão se faz a médio e longo prazo (ANTLOGA et al, 2014).

5  CONCLUSÃO

O objetivo da presente pesquisa foi fazer um levantamento da contribuição da Ergonomia e da Psicodinâmica do Trabalho em gestão de riscos na saúde e segurança do trabalho através de uma análise bibliométrica a partir de um levantamento na base de periódicos da CAPES de 2010 a 2020.

Conclui-se que o objetivo da pesquisa foi alcançado, revelando que a relação entre Ergonomia e gestão de riscos está mais evidente do que a relação entre Psicodinâmica do Trabalho e gestão de riscos. Poucos foram os estudos que trouxeram o olhar da PDT para a gestão de riscos na saúde e segurança do trabalho. Pode-se inferir que a lacuna desta temática na formação de engenheiros, médicos, enfermeiros dentre outros profissionais que estão entre os autores dos estudos seja a razão da baixa quantidade de estudos que relacionam PDT e gestão de riscos.

Depreende-se também, a partir deste estudo, que dentre as inúmeras metodologias adotadas, a grande maioria contempla a participação dos trabalhadores e análise dos fatores que envolvem a atividade e as operações, elementos estes cruciais nos estudos da Ergonomia e Psicodinâmica do Trabalho.

Parafraseando Holz; Bianco (2014), “[…] a gestão coloca-se mais como uma arte do que como uma técnica”, cabendo a cada gestor e organizador do trabalho, considerar os imperativos de toda atividade humana e a contradição entre normas necessárias e renormalizações tratando as situações sempre singulares.

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