Profa. Dra. Kátia Barbosa Macêdo, Adriana Guimarães Campos, Daniela Cristina Guimarães, Daniela Tavares Ferreira de Assis, Juliana Evangelista Brasileiro, Patrícia Braz de Souza
Resumo
O presente artigo relata uma pesquisa realizada com 33 empresas localizadas em Goiás, com o objetivo de verificar os impactos da ISO9000 em sua cultura organizacional. Trata-se de um estudo de caráter qualitativo, comparativo , descritivo que trabalhou com multicasos e utilizou entrevista para coleta dos dados que foram analisados com a técnica de análise gráfica do discurso.
Como resultados tem-se que os motivos que levaram as empresas a buscarem a certificação eram tanto internos quanto externos, o que influenciou na forma de implantação , que foi profunda para algumas e instrumental para outras. A fonte preferencial de busca de informações foi o SEBRAE, porém as empresas também tiveram consultorias externas.
Qualificação, motivação para envolvimento de todos no processo, procedimentos padronizados e maior controle surgiram como fatores que facilitaram o processo. Ficou clara a importância do planejamento de recursos materiais, financeiros e humanos que viabilizem a execução do planejado , acompanhar , avaliar e controlar o andamento dos procedimentos.
Como fatores dificultadores, surgiram falta de planejamento, falta de recursos financeiros e humanos, dificuldades com a norma em si, o que levou algumas empresas a interromperem o processo.
Dentre os impactos na cultura organizacional, houveram várias mudanças internas, com fornecedores, maior controle e burocracia, o que gerou resistência por parte de todas as áreas das organizações, reconhecimento de vários aspectos positivos como a ISO9000 vista como ferramenta gerencial e também várias críticas relativas à dificuldade de implantação, alto custo, e o fato de ela não representar uma garantia de qualidade.
As pessoas envolvidas perceberam a ISO9000 como uma faca de dois gumes, podendo representar a possibilidade de implementar procedimentos normatizados e proporcionar melhor controle por um lado, e também ser mais um instrumento de dominação , exploração e alienação dos trabalhadores.
Palavras-chave – ISO9000, cultura , organizações.
Justificativa
Nos anos oitenta, enquanto a indústria mundial passava por uma série de mudanças, decaiam o PIB e o investimento produtivo no Brasil. Em nível macroeconômico, o quadro era de descontrole da inflação, de crise do setor público e de perda progressiva da capacidade do Estado de intervir por meio de políticas fiscais, industriais e tecnológicas e de operar e ordenar políticas de caráter mais regulatório.
No final da década de 1990, a globalização trouxe para o Brasil uma crise, sustentada por aspectos como o desemprego, a falta de qualificação de mão-de-obra e o mercado cada vez mais competitivo e exigente . Esse contexto levou as organizações brasileiras a buscarem uma adequação competitiva em nível de mercado internacional, e uma das possibilidades que se vislumbrou foi a implantação de programas de qualidade, e a busca da certificação internacional ISO 9000.
Para Melo (2001), este momento se caracterizou pela conjugação de um ambiente externo marcado pelos processos de reestruturação e globalização das economias e um ambiente interno marcado por recessão e abertura comercial.
Pode-se afirmar que a adoção das normas ISO9000 no Brasil, principalmente no início da década de noventa, aconteceu concomitante a uma série de fatores econômicos e políticos que transformaram radicalmente o cenário nacional. Naquele momento, as empresas brasileiras passavam por um intenso processo de reestruturação industrial em que buscavam se adequar às exigências do mercado internacional. Em alguns casos, essa situação levou ao surgimento posterior de legislações específicas que exigiam certificações de qualidade, como a lei de farmácias do CFF ( Conselho Federal de Farmácia )de abril de 2001, além de empresas como a Telebrás que também passaram a exigir de seus fornecedores ou terceirizados que fossem certificados.
À medida que o selo ISO9000 passou a ser critério para seleção de fornecedores e grandes empresas e, segundo Souza (1995) foi percebido pelas empresas exportadoras, como uma espécie de barreira não-tarifária ao acesso a mercados internacionais, o número de certificações cresceu vertiginosamente no Brasil.
O Brasil, apresenta-se com uma das maiores taxas de crescimento em certificações, o que demonstra a preocupação quanto à garantia da qualidade, tanto por questões de marketing como por pressão de clientes e concorrentes. Portanto, o crescimento no número de empresas com certificação da qualidade passa, então, a ser visto como um dos indicadores da capacidade de resposta da indústria brasileira aos desafios da inserção internacional (Pires, 1997).
A busca pela certificação levou muitas empresas a participarem de treinamentos em qualidade total , e a inscreverem-se para a obtenção da certificação , o que não significa necessariamente obtê-la.
Há um grande incentivo por parte de organismos governamentais e pela mídia para que as empresas busquem a certificação segundo o padrão ISO9000. Porém, esses incentivos levaram a discussões sobre a possibilidade de estarem conduzindo as empresas a uma confusão entre o atendimento aos requisitos das normas ISO9000 e sua conseqüente certificação , a Gestão pela Qualidade Total e que esse procedimentos realmente garantiriam qualidade aos serviços e produtos (Melo, 2000).
A Confederação Nacional das Indústrias (CNI, 1996) chama atenção para o fato da ISO9000 não poder ser vista como única opção para as empresas começarem seus programas de qualidade e produtividade ou mesmo
para a seleção de fornecedores.
A entidade também adverte para o fato de que os incentivos oficiais podem acabar estimulando a burocratização da certificação, pois sua exigência passa a não decorrer de uma relação cliente-fornecedor, e sim é o resultado de uma ação que estaria fora da operação econômica. Em outros termos, as empresas passariam a ver na implantação e certificação de sistemas da qualidade uma condição para receberem incentivos financeiros e não um instrumento para melhoria.
A literatura sobre o padrão ISO9000 é extensa e versa principalmente sobre formas de implantação e respectivas experiências práticas, mas apresenta pouco sobre as mudanças efetivamente ocorridas, as melhorias alcançadas e sobre a forma de avaliação dos resultados. Outra característica notada na maior parte da literatura acessada é quanto ao seu caráter essencialmente comercial, ou seja, apresentações de experiências com comentários direcionados para demonstrar somente efeitos benéficos, ocasionados pela adoção da norma na performance das empresas (Roth, 1998).
Para Schommer (Vergara 1998), grande parte das idéias no campo da administração, desde os anos 1940, baseia-se em prescrições norte-americanas. O tema em estudo é um claro exemplo disso, já que as formas através das quais as empresas brasileiras atuam no aspecto social são marcadas pelo hibridismo e são definidas por teorias geradas em outros países. A norma ISO9000 teve uma nova versão em 2000 visando atender a algumas criticas recebidas por sua versão anterior, mas mesmo assim ainda mantém o padrão de qualidade internacional que pouco considera diversidades transculturais.
Sabe-se que as organizações brasileiras possuem peculiaridades e culturas organizacionais diferenciadas das de outros países , principalmente do primeiro mundo, segundo trabalhos de Hofstede(1994).
Existe consenso que a implantação de um programa de qualidade gera impactos em todas as dimensões da organização: tecnologia, estrutura organizacional, modelo de gestão e, certamente estratégia empresarial. Sabe-se que o tipo de mudança que gera melhores resultados é a evolucionária, no entanto, o modo preferencial com que os programas de qualidade vêm sendo implantados podem ser melhor caracterizados como revolucionários, segundo Pereira(1997), o que pode levar a reações inesperadas ou que dificultem o gerenciamento do processo.
A adoção das normas ISO9000 como modelos de sistemas de garantia da qualidade, congrega um grande número de defensores, mas também igual número de críticos. Desta forma, o estudo se justificam na medida em que contribui para a discussão desta questão, dentro e fora da esfera acadêmica. Considerando que a globalização exige padrões mundiais de gestão de qualidade, a adoção de sistemas para a garantia da qualidade dos produtos torna-se imperiosa.
Esse estudo objetivou verificar os impactos que o programa de qualidade para a certificação ISO9000 causou nas organizações goianas, levantando os motivos que levaram à busca da certificação, as fontes de informações procuradas, como ocorreu o processo, quais foram os fatores facilitadores e dificultadores, e qual a percepção que as pessoas envolvidas no processo têm sobre a dita certificação.
O conceito de percepção utilizado no presente trabalho é o de Caldas e Hernandez(2001) que a consideram como o processo pelo qual um indivíduo seleciona, organiza e interpreta os estímulos com o objetivo de formar representações significativas e coerentes da realidade.
A cultura e as organizações A realidade organizacional é mediada pela cultura, que é construída coletivamente no espaço-tempo da interação social, no desenvolvimento das atividades como um modo adequado de dar resposta aos problemas enfrentados. Determina o modo de agir, sentir, pensar, dar significados e perceber a dinâmica do trabalho.
Hofstede (1994) afirma que o termo “cultura organizacional” apareceu, primeiramente, na literatura de língua inglesa nos anos 1960, como sinônimo de clima. O termo equivalente “cultura organizacional” tornou-se um modismo. Para Frost (1991), além do modismo, o tema tornou-se uma ferramenta funcional ligada ao modo como as pessoas trabalham e para a busca da alta performance.
Smircich (1983) compreende as organizações como o resultado de uma construção social, um fenômeno cultural simbolicamente constituído e reproduzido através de interações. A análise da organização sob um
ponto de vista simbólico da cultura representa fundamentalmente um modo diferente de compreender as organizações, levando-se em consideração o sentido da vida no lugar do trabalho. Assim, a cultura descreve um atributo ou qualidade interna de um grupo, sendo um conjunto bastante estável de suposições implícitas , de crenças compartilhadas, significados e valores que formam um tipo de pano de fundo para a ação.
Desse modo, a cultura é um conjunto de pressupostos que legitimam a ação, que dá sentido e explica porque as coisas são feitas.
Smircich argumenta que há uma concepção que trata a cultura organizacional apenas com uma variável a mais na organização podendo assim ser manipulada e controlada, visando apenas sua eficiência. Porém, para
ela, há outro modo de fazer cultura, modo que implica em uma orientação para as questões subjetivas. Esse novo modo de fazer cultura consiste no estudo da significância do social, como coisas, eventos e interações tornam-se significativas. Assim, o estudo da cultura organizacional é o estudo da formação da organização constituída simbolicamente. Desse modo, ela evidencia a importância do papel da cultura na construção da vida
humana no trabalho.
Considerando os autores acima citados, pode-se perceber que a cultura de uma organização funciona como um pano de fundo , indicando para os membros que participam dessa organização formas corretas de pensar,
agir, sentir e trabalhar.
A cultura organizacional na concepção de Schein(1991) é“Cultura é um padrão de suposições básicas compartilhadas, inventadas, descobertas ou desenvolvidas por um grupo, que ensina a lidar com problemas de adaptação externa e integração interna, que funcionaram bem o bastante para serem considerados válidos, e, portanto, para ser ensinado a novos membros do grupo como modo correto de perceber, pensar, sentir, em relação a esses problemas”. (Schein, 1991, p.247)
A cultura de uma organização possui uma tendência de visar certa estabilidade. Assim, as próprias organizações criam sistemas de socialização e de controle das pessoas que trabalham nela, com o objetivo de fortalecer a identidade com a organização e de perpetuar sua cultura organizacional.
No entanto, para que um programa de qualidade seja implantado em uma organização, sua cultura deve necessariamente ser alterada para se adequar às mudanças necessárias para que o programa tenha sucesso e alcance os resultados propostos.
Pode-se então prever certo nível de resistência da própria cultura organizacional em relação a proposta de mudanças. A resistência à mudança, segundo Caldas e Hernandez(2000) é o resultado da tendência de um indivíduo ou de um grupo a se opor às forças sociais que objetivam conduzir o sistema para um novo patamar de equilíbrio. Tendo um comportamento diferente do padrão de comportamento do grupo, o indivíduo corre o risco de ser ridicularizado ou até excluído do grupo.
Segundo Vasconcelos & Vasconcelos (2000), existem dois meios de implementar os padrões ISO9000, que são o procedimento profundo ( “ïn-depth”) e o procedimento instrumental. Na implementação profunda, a organização busca certificar o padrão ISO9000 tendo duas formas de objetivá-la.
Uma delas se baseia na hipótese de que a função da organização esteja de acordo com suas estruturas formais. O sistema de qualidade garantido pelas normas ISO9000 propõe, na teoria, ajuda para a organização construir um sistema de qualidade transparente e confiável, aumentando a eficiência e efetividade da produção organizacional.
Outra forma de objetivar relata a legitimidade externa da organização, que procura certificação usando um prestígio e algumas diferenciações de mercado, contribuindo para uma melhor imagem organizacional, ajudando
a abrir novos mercados, principalmente com organizações que requerem ISO9000.
Na implementação instrumental as organizações devem ter uma legitimidade externa aprovada pelos padrões ISO9000 como único objetivo. Essas organizações criam uma fachada que satisfaça os requerimentos da ISO9000. Caso os processos planejados não sejam eficazes, poderão resultar produtos que não atentam aos requisitos especificados. Nestes casos está-se diante de situações em que planeja-se a não-qualidade.
De acordo com os trabalhos de Freitas(1997), Caldas(2000), dentre outros, sugiro que a chave para a compreensão dessa dinâmica está diretamente relacionada com a cultura organizacional, ou seja, que os fatores que contribuíram para o sucesso ou a desistência da certificação reside nos aspectos da cultura das organizações, e no modo como a implantação foi trabalhada com os clientes internos (funcionários) e externos (fornecedores e cliente final).
Abordagem Metodológica
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, com caráter descritivo e comparativo que trabalhou com multicasos, o instrumento para coleta de dados utilizado foi entrevista individual, realizada com amostra intencional nas 33 organizações pesquisadas. A análise dos dados utilizou a técnica análise gráfica do discurso de Lane(1985).
Diversos autores salientam a necessidade de se utilizar métodos qualitativos para pesquisar a cultura organizacional. Dentre eles, pode-se citar Chanlat (1993), Sackman(1991), e Fleury (1994) que comenta que grande parte das pesquisas realizadas sobre cultura organizacional são baseadas em estudos de caso.
Após o levantamento de dados, foram contactadas 42 empresas, sendo que apenas 33 (trinta e três) delas aceitaram participar da pesquisa. A população foi composta por todas as empresas que se inscreveram para a certificação ISO9000 no Sebrae até junho de 2000. A amostra foi composta destas empresas, de modo a atenderem os requisitos do presente estudo, ou seja, foram divididas em dois grupos, o grupo A, composto por 17 empresas certificadas e o grupo B, composto por 16 empresas que iniciaram o processo, mas que não haviam obtido a certificação até junho de 2000.
Após o levantamento bibliográfico, o grupo de pesquisadores montou um roteiro de entrevista, que foi apreciado por consultores e profissionais da área para ajustes e foi submetido a testagem piloto, e após reformulações ficou sendo comum tanto para empresas certificadas como para as não certificadas.
O roteiro da entrevista foi composto por seis categorias, sendo a primeira referente aos dados de identificação da organização, a segunda, referente aos motivos que levaram a busca pela certificação ISO9000, a terceira relacionada as fontes onde buscaram informações sobre a certificação ISO9000, a quarta categoria se refere ao processo de implantação para obtenção do certificado,e a quinta se refere às mudanças e aos impactos ocorridos na cultura organizacional em virtude da implantação do programa para obtenção da certificação ISO9000 e a sexta se refere à percepção que as pessoas envolvidas têm sobre o processo vivenciado.
Nas organizações, as pessoas entrevistadas compuseram uma amostra intencional que incluiu o RA responsável técnico pela implantação da ISO9000, um diretor e um funcionário da área operacional. totalizando, assim, 72 entrevistas. Algumas empresas do grupo B tiveram menos pessoas entrevistadas porque estas não estavam mais trabalhando nas mesmas.
As entrevistas foram transcritas e os dados foram analisados de acordo com a técnica de análise gráfica do discurso de Lane. Essa técnica permitiu detectar os núcleos de pensamento presentes nas representações dos sujeitos, o que facilitou a elucidação dos fatores que compuseram o discurso das pessoas entrevistadas, fornecendo assim respostas às questões levantadas.
RESULTADOS
Os resultados serão apresentados divididos em seis categorias, sendo a primeira referente aos dados relacionados às empresas participantes, a segunda se relacionam aos motivos que levaram à busca pela certificação ISO9000, a terceira relacionada as fontes onde buscaram informações sobre a certificação ISO9000, a quarta categoria se refere ao processo de implantação para obtenção do certificado e a quinta se refere às mudanças e aos impactos ocorridos na cultura organizacional e a sexta se apresenta as percepções das
pessoas envolvidas no programa para obtenção da certificação ISO9000.
Como pode-se perceber, participaram da pesquisa empresas de pequeno, médio e grande portes, que atuavam nas áreas de indústria, comércio e serviços, exclusiva ou inclusivamente.
Categoria 2
Dentre os motivos que levaram a busca pela certificação ISO9000, surgiram comuns aos dois grupos, a qualidade. Pode-se dividi-los em motivos de caráter externo, como a exigência da norma pelos clientes e/ou fornecedores, e o fato desta ser considerada uma ferramenta de marketing. Como motivos de caráter interno, aparece a visão da norma ISO9000 como ferramenta administrativa (garantia de qualidade, padronização, redução de custos, preparação para novos programas e satisfação dos clientes internos).
Foi relatado que houveram programas anteriores à implantação, sendo comuns aos dois grupos vários programas do Sebrae.
Categoria 3
No que se refere às fontes onde buscaram informações sobre a certificação ISO9000, os dois grupos relataram as mesmas fontes: clientes, fornecedores, meios de divulgação de massa, até alguns eventos promovidos pelo Sebrae e/ou Sindicatos e Associações como palestras de divulgação.
A instituição procurada em primeira instância foi o Sebrae, por motivos de know-how, relação anterior, atendendo a convites, falta de opção e por ser mais econômico. As empresas dos dois grupos procuraram outras fontes de informações.
As empresas do grupo A buscaram outras instituições além do Sebrae, inclusive utilizando-o como intermediário em alguns casos. Esse recurso foi utilizado para atender às reivindicações das empresas, que não estavam satisfeitas com a orientação que vinham recebendo do Sebrae até aquele momento. As empresas do grupo B buscaram consultores externos.
Categoria 4
No que se refere ao processo de implantação para obtenção da certificação, algumas empresas relataram que nem chegaram a iniciá-lo. Elas não consideram que iniciaram porque não chegaram a implantar os procedimentos. No entanto, ao participarem do curso no Sebrae, se inscreverem, escolherem o RA e os consultores internos e receberem um consultor, já estavam envolvidas no início do processo de mudança.
Dentre os fatores que pesaram na escolha do RA (representante da administração) e dos auditores internos estão o envolvimento com a empresa, a relação de confiança com a diretoria , e a qualificação ou o conhecimento dos procedimentos, além das qualidades pessoais como: visão crítica, interesse, comprometimento, sociabilidade, bom nível intelectual. Surgiram também fatores como: a escolha de um representante em cada área, seleção neutra, determinação da diretoria, disponibilidade de tempo, melhor
desempenho no curso de auditoria, além do envolvimento com a empresa e/ou com o processo.
Todas as empresas utilizaram consultoria externa, em geral prestada por consultores do SEBRAE. Essa atitude comum demonstra que as empresas não se sentem preparadas para fazer a implantação só usando recursos internos.
Foi relatado que o que facilitou o processo foi o fato de haver um profissional dedicado e/ou qualificado (interno ou externo) cuidando da documentação. A colaboração das pessoas, a divisão de tarefas entre os departamentos e a facilidade de escrever o que já estava sendo feito esteve presente no grupo A. A experiência anterior facilitou o trabalho no grupo B.
As empresas apresentaram o mesmo programa para a preparação dos funcionários. Foram adotadas estratégias internas de motivação e conscientização, reuniões periódicas e convites ao envolvimento com a diretoria. As empresas do grupo B apresentaram estratégias de divisão de tarefas e fiscalização (controle) para manter o clima estável. As empresas do grupo A apresentaram uma variedade de estratégias, como a elaboração
de treinamentos, palestras, inclusive com material gráfico e uma comunicação boca-a-boca, ainda contaram com estratégias externas de intervenção com o apoio de consultorias e psicólogos, e especialmente o relato de demissão de funcionários que não se adaptaram ao processo.
As empresas do grupo A forneceram dados diferencias e relevantes para o sucesso da implantação: a responsabilidade – talvez denotando que a co-participação entre funcionários e empresa seja um fator decisório; a mudança cultural – fator presente no procedimento profundo de implantação; o treinamento – base para a melhoria técnica e qualificação do corpo funcional; e a avaliação constante – o que promoveu a retroalimentação dos dados fundamentais, além de um programa de conscientização anterior.
Algumas empresas incluíram todos os funcionários no processo, e outras qualificaram os funcionários somente das áreas envolvidas com a certificação. O fator diferencial entre os grupos compôs-se do fato de que
algumas empresas do grupo A realizarem a qualificação em funcionários mais qualificados e/ou que mais se destacavam, enquanto que as do grupo B, indicaram para a qualificação elementos-chave ou apenas os funcionários que estavam dispostos a participar.
As empresas realizaram treinamentos, palestras e cursos com os funcionários. Porém não promoveram programas de qualificação quando consideravam os funcionários suficientemente qualificados. Assim, houve
uma alteração na política de contratação de novos funcionários, passando a exigir que fossem qualificados. Os dados diferenciais dos grupos são: algumas empresas do grupo B simplesmente não realizarem qualquer tipo de
qualificação; as empresas do grupo A consideraram seu grupo funcional já qualificado e promoverem qualificação apenas para os novos funcionários; algumas empresas do grupo A exigiram que seus funcionários se qualificassem, passando a responsabilidade da própria qualificação para eles.
Algumas empresas apresentaram vários procedimentos de adequação dos seus fornecedores como: exigência de adequação ao item “aquisição” da ISO9000 com visitas periódicas para verificação e análise de dados, através de fichas de acompanhamento. Os procedimentos encontrados exclusivamente no grupo A foram: contato direto com fornecedores para solucionar falhas, exigência de certificados de programas de qualidade e comprovação de experiência e processos de inspeção de produtos fornecidos.
Categoria 5 – Mudanças e impactos
Houve resistência a mudanças por parte de servidores terceirizados e por funcionários antigos. A resistência decorreu do excesso de burocracia, falta de qualificação adequada das pessoas , demissões ,aumento da carga de trabalho e o stress gerado pela pressão por resultados . Essas empresas relataram que todas as áreas da organização sofreram durante o processo pelo fato da ISO9000 ser considerada de difícil implantação.
Foi relatado que em várias empresas dos dois grupos não houve um planejamento para verificar qual seria o impacto do processo na empresa, o que não gerou planejamento de recursos financeiros , humanos e materiais
adequados para a implantação. Parece que várias empresas não tinham a dimensão do empreendimento para a certificação da ISO9000, o que provavelmente interferiu nos resultados.
Os diferenciais do grupo B destacados são a dificuldade com o alto custo do processo, o que, pela sua constância no discurso deste grupo surge como indicador de ser um fator de relevância para a interrupção do processo. Um ponto apresentado que merece destaque é a freqüente necessidade de atualização dos equipamentos, a dificuldade da área técnica, falta de estrutura material e a falta de compromisso.
Em relação à documentação, várias dificuldades foram citadas, como: redação de rotinas por pessoas não qualificadas para tal, exigência de muito trabalho, burocracia, normas de difícil entendimento, assim como a necessidade de revisá-las constantemente, a falta de colaboração e/ou resistência das pessoas, e a inexistência de um redator qualificado. O grupo A relatou, ainda, que o processo de documentação foi dispendioso e com normas inadequadas à realidade da empresa.
A área operacional teve sua maior dificuldade pela falta de capacitação dos funcionários e a diretoria apresentou dificuldades para o trabalho em equipe.
Os dois grupos implementaram várias mudanças em decorrência da ISO9000.
As empresas do grupo A apresentaram um maior detalhamento, englobando controles de procedimentos e administrativos como ferramentas organizacionais e o grupo B apresentou respostas restritas e superficiais, o que é perfeitamente esperado e compreensível, uma vez que as empresas não certificadas apenas iniciaram o processo de implantação da norma ISO9000. Interessante observar que um núcleo importante que emergiu foi o de “controle”, o que é esperado, considerando-se que as normas são instrumentos gerenciais e que, como tal, pressupõem maior controle dos processos.
As empresas que compuseram o grupo B foram as que interromperam o processo antes da certificação, e relatam que dentre os motivos que influenciaram na interrupção do processo tem-se como fatores internos: a
falta de recursos financeiros, falta de planejamento estratégico, falta de experiência anterior em programas de qualidade, resistência dos funcionários, falta de estrutura interna, relacionamento interpessoal inadequado, a perda de pessoas que ocuparam cargos-chave, demanda excessiva de tempo, implantação difícil, custo e benefício desfavorável. Como fatores externos tem-se: a alteração do mercado externo, a perda de clientes que exigiram a certificação e a insatisfação com a consultoria prestada pelo Sebrae.
Algumas das empresas que demonstraram interesse em retomar o processo apresentaram como motivos para a retomada : o fato de a ISO9000 se constituir numa meta; a estrutura interna viabilizada; a preocupação
com o atendimento ao mercado externo. Outras não especificaram um problema, alegando falta de interesse ou experiência desfavorável sofrida quando houve a experiência de implantação da norma ISO9000. Algumas
empresas não pretendem retomar o processo de implantação da ISO9000.
Categoria 6- Percepção das pessoas envolvidas no processo
A percepção das pessoas envolvidas no processo podem ser divididas em dois grandes grupos, de um lado os aspectos positivos, e de outro os aspectos negativos.
Dentre os aspectos positivos em relação a ISO9000 encontram-se as percepções de que a norma representa padronização, integração, organização, controle de processos, melhoria na comunicação e relação interpessoal, qualidade e planejamento, sendo uma ferramenta administrativa que possibilita melhorar e garantir processos como padronização, registro e controle; assegura a qualidade do produto e do atendimento; é o fator relevante para o marketing da empresa.
As empresas do grupo A consideraram a ISO9000 um instrumento capaz de “alavancar” a tecnologia no país e que o custo x benefício é favorável. É relevante ressaltar que somente no discurso do grupo A aparecem a valorização do fator humano, a garantia da sua qualificação profissional e o conceito de que a norma ISO9000 se refletia na vida pessoal do indivíduos. Isso remete aos conceitos de implantação de processo profundo segundo
Vasconcelos(2000).
Outros dados que merecem destaque são: a diminuição de despesas apontada pelo grupo A, além dos fatores de ganho externo no processo como a credibilidade, diferencial e aumento da capacidade competitiva perante o mercado, bem como a maior satisfação e valorização do cliente externo.
Os aspectos que levaram as pessoas envolvidas a perceberem de forma negativa o processo de implantação da ISO9000 relatados foram: excesso de procedimentos e a dificuldade de manutenção e adaptação dos mesmos; excesso de burocracia (que “engessa a empresa”); a resistência do corpo funcional e o alto custo da implantação.
Dentre as críticas mais freqüentes , surgiram a percepção da norma ISO9000 como fator de dificuldades tanto para compreensão, implantação, como para a sua manutenção. É burocrática, com excesso de detalhamentos, não adaptável à cultura brasileira, constitui um processo desgastante , não garante qualidade nem posição privilegiada no mercado, e é difícil conseguir consultoria que oriente adequadamente para o processo.
Para o grupo A a ISO9000 não valoriza o fator humano, não atende a todos os setores de uma mesma empresa, é apenas uma forma de registro, e, apesar de ferramenta de marketing, não garante posição no mercado.
Surpreendentemente, as pessoas das empresas do grupo A relataram que, na sua visão pessoal, as empresas certificadoras não têm credibilidade e a obtenção da certificação ISO9000 é muito fácil. Além disso, a ISO9000 é um fator desvalorizado pela sociedade, o que leva a indicação de que mesmo as empresas certificadas relataram indiretamente certas expectativas frustradas que tinham no início do processo e que não foram alcançadas.
DISCUSSÃO
Categoria 2
Dentre os motivos que levaram a busca pela certificação ISO9000, vale ressaltar alguns aspectos.
Chama a atenção que nos dois grupos houveram relatos de motivos internos e externos para a busca da certificação. O interessante foi o modo como as empresas dos dois grupos lidaram com esse fato. Enquanto as empresas que chegaram à certificação- grupo A – adotaram um procedimento profundo que pressupunha alterar a cultura interna, motivar as pessoas para se envolverem no processo, qualifica-las para isso, as empresas do grupo B adotaram um procedimento mais de caráter instrumental, pois algumas delas chegaram a relatar inclusive a desistência do processo quando perderam clientes que exigiam a certificação. Isso parece denotar que na verdade essas empresas não sentiram a necessidade e nem tiveram uma disponibilidade de processar
transformações internas com a certificação, mas sim, desde o início visaram atender a exigências externas.
Segundo Whittington (1989), existem formas errôneas na implantação da ISO9000: adotar a ISO9000 visando um efeito mercadológico que o selo de certificação pode trazer; adotar a norma devido a pressão de clientes, o que levará a falta de envolvimento da administração e dos funcionários e uma elaboração do sistema voltada mais para a satisfação dos auditores e clientes do que um instrumento para auxiliar a gestão na empresa; perceber a norma mais como um instrumento para controle e disciplina dos funcionários do que como um instrumento para controle de processo e um meio para aprimorá-lo.
O caráter instrumental da implantação esteve presente nos dois grupos, porém com mais ênfase no grupo B, porque neste não estiveram presentes fatores como: qualidade do produto/serviço, satisfação dos clientes internos, e mais importante, o fato de relacionar a ISO9000 como um instrumento organizacional.
Parece que as empresas do grupo A, desde o início, tiveram uma visão mais ampla da ISO9000, além de uma maior abertura e pré-disposição para mudanças em sua cultura, o que caracteriza uma visão de implementação profunda, segundo Vasconcelos(2000).
O problema que aparece é que algumas empresas ao implantarem as normas ISO9000 atêm-se apenas ao atendimento de seus requisitos, não efetuando nenhum tipo de mudança além da incorporação da padronização formal que a ISO9000 propicia. A esse respeito, Valle e Peixoto (1994) afirmam que o sistema ISO9000 permite as empresas alcançarem a certificação, sem realmente romperem com práticas organizacionais ultrapassadas.
Sendo assim, a decisão de mudar mais radicalmente e implementar práticas que demandem mudanças mais abrangentes e profundas, incorporando-as ao sistema implantado, depende, fundamentalmente, das opções feitas
pela empresa que adota as normas.
O fato de as empresas já haverem passado por processos de mudança em sua cultura anteriormente além do modo que esses programas foram gerenciados, pode constituir fator de sucesso ou insucesso na empresa. As
pessoas estariam mais propensas ou mais resistentes, de acordo com as experiências anteriores.
Categoria 3
No que se refere às fontes onde buscaram informações sobre a certificação ISO9000 as empresas buscaram principal e primeiramente informações no SEBRAE.
No caso específico da certificação ISO9000, em Goiás, o órgão responsável pela sua divulgação foi o Sebrae, motivo pelo qual a pesquisa partiu do seu cadastro de empresas para montar a amostra.
O Sebrae foi um dos pioneiros na introdução dos programas de qualidade no Brasil, em escala que abarcasse as pequenas e médias empresas. O SEBRAE se propõe a prestar apoio às pequenas e médias empresas que busquem implantar Programas de Qualidade , dentre eles a ISO9000. Esse programas geralmente envolvem alguns procedimentos padronizados. O SEBRAE trabalha com um paradigma positivista que prevê ordem e cumprimento de normas. Um paradigma que pressupõe que a cultura organizacional pode ser manipulável ou administrada por meio de normas.
Algumas empresas dos dois grupos relataram que não houve avaliação para verificar se a ISO9000 era de viável implantação. Esse fato pode ser considerado um indicador de insucesso ou de dificuldades durante a implantação do processo, pois sabe-se que estes procedimentos envolvem grande investimento financeiro.
Algumas empresas relataram haver feito algum tipo de avaliação, sendo que para as do grupo A foram realizadas avaliações financeiras e pesquisa de mercado e para as do grupo B houve apenas consultoria externa.
Empresas dos dois grupos relataram que tiveram que buscar outras opções de consultoria, além da prestada pelo SEBRAE. Talvez a preparação dos consultores ou a resposta às expectativas levantadas pelas empresas clientes não foram bem dimensionadas.
Categoria 4- O processo de implantação para obtenção do certificado
A disponibilidade de recursos é evidentemente necessária para o alcance dos objetivos. Convém que as empresas encontrem meios de identificar as necessidades dos diversos recursos e providenciá-los sempre que for necessário.
Um programa de qualidade em geral se dirige para o aperfeiçoamento de aspectos internos da organização – processos, ações e estruturas que, ao serem reformulados, irão refletir diretamente na melhoria do produto e na eficiência dos métodos e técnicas com que esse é conseguido. O programa de qualidade trata, assim, de questões relativas a: custos de produção, melhoria de processos de fabricação, obtenção de maior quantidade de produtos com maior precisão quanto ao cumprimento de suas especificações técnicas, maior rapidez de produção, menos desperdícios, menos defeitos no produto final, utilização otimizada das metodologias e do equipamento usado na produção. A questão humana é considerada um dos quesitos a serem atendidos para o sucesso do programa (Oliveira, 1994; in Taylor, 2001).
Recomenda-se para as companhias que desejam implantar a norma ISO9000: adicionem progresso às condições de trabalho como uma meta gerencial, dirijam-se para um sistema simples e criem uma real oportunidade para revisar o sistema continuamente, desenvolvam um sistema com participação, usem uma metodologia sistemática para o desenvolvimento e implementação da norma, meçam as metas importantes e providencie feedbacks, invistam na educação e treinamento de pessoal, façam sérios compromissos com recursos organizacionais e necessidades gerenciais, usem profissionais externos e um projeto gerencial interno para facilitar o processo.
Para criar as condições necessárias às mudanças, antecipando-se às modificações que as intervenções provocam em seus diversos setores, as empresas devem desenvolver processos de aprendizado, através de capacitações que sejam consistentes com seus objetivos. ( Muñoz, Duarte & Gantois, 2001)
Segundo Melo (2000), uma das principais críticas relacionadas à ISO9000 é que, a implantação das normas ISO9000 sem um planejamento estratégico, reflete a preocupação imediatista em não perder mercado. É característica de empresas no Brasil, também, a dificuldade em planejar ( Macedo, 2000). Percebe-se que em ambos os grupos algumas empresas incluíram a certificação em seu planejamento estratégico.
O processo de certificação exige um envolvimento forte de pessoal e em alguns casos os recursos financeiros para a compra de equipamentos e reforma de instalações podem também ser significativos. Isto envolve a designação de um representante da administração, a constituição de um comitê de gestão e a formação de um escritório de apoio com o pessoal dedicado para dar suporte aos grupos de trabalho e desenvolver as atividades corporativas (Mainieri, 2000). O representante da administração deve ser um membro da própria administração com responsabilidades e autoridade para coordenar o projeto e assegurar a implementação do sistema.
Pode-se perceber que os dados confirmaram isso, na medida em que os fatores que pesaram na escolha do RA (representante da administração) e também dos auditores internos, foram o envolvimento com a empresa e a relação de confiança com a diretoria para o grupo A, e a qualificação ou o conhecimento dos procedimentos.
Dizer que o elemento humano é um diferencial competitivo não é nenhuma novidade, a novidade está por vir no dia em que isto de fato for uma prática corrente em todas as empresas, ou seja, não basta só proporem isto, mas também apresentar práticas coerentes capazes de tornar este discurso uma realidade. No discurso dos sujeitos há indicadores de que o treinamento é fator de sucesso para a implementação do programa ISO9000.
Os investimentos nos funcionários estão relacionados à exigência de melhor qualificação, à base de escolaridade fraca se comparada com países industrializados e ao baixo índice de treinamentos oferecidos a estes funcionários. Nas empresas com programas de melhoria da qualidade mais eficientes, as entrevistas confirmaram que, com o avanço do programa, a alta direção passou a envolver-se diretamente, pela primeira vez, na elaboração e implementação dos programas de desenvolvimento gerencial.
Ao que parece, a participação da alta direção constitui um dado relevante, pois observando-se a pesquisa referente à ISO9000, as entrevistas realizadas com as empresas do grupo certificado apresentaram coerência com este dado, em contrapartida ao grupo de empresas não certificadas. Assim pressupõe-se que a participação da alta direção constitui um fator de sucesso para implementação de um programa de qualidade.
Categoria 5- Mudanças e impactos
Mudança é a apresentação de algo sob outro aspecto; a transição é a passagem de um estado para outro já a transformação é uma mudança de estágio ou de patamar.
Segundo Pereira (1997), as mudanças acontecem em três dimensões : mudanças reacionárias; mudanças evolucionárias e mudanças revolucionárias. As mudanças reacionárias são aquelas que as pessoas adotam por força das circunstâncias , quando não podem mais resistir a elas.
As mudanças evolucionárias são lentas , gradativas, conscientes e consentidas. Tende a ser gradual e contingente , caracterizam-se por um processo de adaptação dinâmica ,tende a ser mais suportável e gera menor resistência do que a mudança revolucionária.
A mudança revolucionária é ampla, impositiva, traumática e difícil, rápida, de grande impacto , fruto de momentos críticos que exigem decisões radicais . Tem origem em eventos marcantes, externos e atinge radicalmente as pessoas , exigindo modificações prementes em seus comportamentos , influenciando a partir daí as suas decisões e percepções.
Dependendo do modo como a ISO9000 é apresentada na empresa, ela pode representar um tipo de mudança diferente, e gerar respostas emocionais diferentes, incluindo a resistência. O tipo de mudança ideal para a implantação de um programa de qualidade deveria ser a evolutiva, no entanto, percebe-se pelas respostas dos sujeitos que o modo como o processo ocorreu está mais caracterizado como uma mudança reacionária ou mesmo revolucionária, daí porque gerou tanta resistência e talvez porque algumas empresas não alcançaram a meta proposta.
Muitos admitem que as empresas não percebem os impactos da norma ISO9000 antes da implantação, ou só chegam a percebê-los com o avanço do projeto. Grandes empresas de consultoria têm auxiliado efetivamente os clientes a perceber a complexidade da implantação de um programa de qualidade, mas há algumas empresas de consultoria que chegam a omitir informações para não assustar ou perder o cliente. O resultado é que os projetos de implantação tem muito foco operacional e pouco foco estratégico.
Houve relato de que nas empresas dos dois grupos surgiu a resistência.
Caldas e Hernandez (2000) afirmam que nem sempre a resistência é um problema em si mesmo, ela pode ser um sinal de que existe uma situação problemática anterior à sua ocorrência e que ela não é o problema.
De acordo com os dados levantados, a resistência à mudança surgiu em todos os níveis hierárquicos , sendo que foram relatadas diversas causas, o que indica que, provavelmente, a própria certificação traz intrinsecamente aspectos que geram resistência nas pessoas que se envolvem no processo.
Categoria 6- Percepção das pessoas envolvidas no processo
Conforme observa Grohmann,(2000) se as pessoas que fazem o trabalho estão envolvidas e desejam melhorar a maneira pela qual as coisas são feitas, podem mostrar-se fontes superiores de melhoramentos … se cada pessoa na cadeia de qualidade tratar a pessoa seguinte como um cliente valioso, o resultado inevitável será qualidade. Assim, cada trabalhador precisa ser um agente de mudanças, comprometido e engajado na melhoria contínua.
Foram relatadas diversas atividades que demonstram certa preocupação da empresa em envolver os seus funcionários no processo gerando qualificação, motivação e envolvimento , no entanto, deve-se questionar até que ponto essas atividades realmente visavam a qualificação dos mesmos ou simplesmente tinham o caráter instrumental de cumprir mais uma etapa. A abrangência dessas atividades também deve ser questionada, pois enquanto algumas empresas estendiam a todos as atividades, outras direcionavam apenas às pessoas envolvidas diretamente no processo.
Para que haja, então, um envolvimento positivo por parte de todos os funcionários da organização é preciso que estes não se sintam usados e traídos pela empresa. Portanto, a motivação em busca da qualidade é fundamental para que os funcionários possam “vestir a camisa” e se sentirem “parte do todo”(Grohmann, 2000).
Quando as organizações não se comprometem com seus funcionários, não se preocupando com sua família, alimentação, baixos salários pagos e as longas jornadas de trabalho, acontece baixa produtividade, pouca dedicação e alta rotatividade.
Ações de retenção de recursos humanos, apesar de preconizadas pelo modelo da qualidade (Campos, 1992; Bianco & Jaccoud, 2000), são praticamente inexistentes. De uma maneira geral, empregados inadaptados ou não comprometidos eram dispensados: “quem não quis fazer, tchau”. Algumas empresas admitiram evitar demitir os empregados mais envolvidos com as estratégias de gestão da empresa, mas todos promoveram demissões em massa, usando como justificativa a necessidade de racionalização destes onerosos recursos para atingir competitividade.
No que se refere às críticas apresentadas pelos sujeitos em relação à ISO9000, alguns autores também compartilham delas.
Melo (2000) fez um levantamento das principais críticas dirigidas à ISO9000, e elas podem ser resumidas nos seguintes aspectos: as normas contratuais ISO 9001/9002/9003 não contribuem para que as empresas desenvolvam um gerenciamento de caráter sistêmico; elas se apoiam num paradigma organizacional ultrapassado, fundado na documentação de procedimentos; o selo ISO 9000 garante o sistema da qualidade e não a qualidade do produto; a implantação das normas ISO sem um planejamento estratégico reflete a preocupação imediatista em não perder mercado; as normas apenas estabelecem critérios mínimos para a garantia da qualidade do sistema implantado.
Quando vários sujeitos afirmam que a ISO9000 não é garantia de qualidade, eles reafirmam resultados de pesquisas anteriores desenvolvidas por outros autores.
Calegare afirma que o conceito de garantia da qualidade é derivado do que se denominava ‘controle de qualidade’, motivo pelo qual há confusão entre os termos. O controle da qualidade “normalmente não dá garantias cabais de que o produto ou serviço terá os resultados planejados quando em uso efetivo” e por isso “ações complementares, relacionadas com vários campos do conhecimento humano podem ser imprescindíveis ou convenientes” (Calegare, 1985; In: Roth, 2000). Assim, o conceito de qualidade foi absorvido por um conceito mais amplo que é o da Garantia de Qualidade. O mesmo autor afirma que, para que um programa de garantia de qualidade possa ser considerado efetivo, ele deve atender aos seguintes requisitos mínimos: Envolvimento da diretoria; existência de planejamento; existência de coordenação entre vários departamentos; responsabilidades definidas; feedback de informações.
Nas palavras da IBM Brasil “as normas para a certificação definem critérios de análise de processos e controle, mas não afirmam se tais processos são realmente bons para a competição mundial” (Marchiori, 1996; in Roth, 2000).
Para outros, a ISO9000 não considera o lado humano, por dar ênfase ao produto e não às pessoas. Litmanowics (1995; in Roth, 2000) ao relatar o caso da ITAP – Indústria Tecnológica de Artefatos Plásticos S.A. transcreve as seguintes palavras do presidente da empresa:
“A ISO é incompleta com relação ao que seja efetivamente uma empresa com produtos e serviços de qualidade. A ISO9000 está longe de garantir o passaporte da qualidade de uma empresa. Ela cobre somente parte de uma organização, estando fora do escopo toda a parte de comportamento humano, desde um chão de fábrica limpo até formas de atendimento e relacionamento com o cliente. Por isso insisto na necessidade de mudança cultural, mais do que a certificação em si, que será uma conseqüência” (LITMANOWICS, 1995; in Roth, 2000).
Melo(2000) apresenta a defesa às críticas direcionadas à ISO9000, e deve-se ressaltar que: as normas ISO9000 organizam empresas que não têm controle sobre seus processos, sua implementação permite visualizar problemas, resolvê-los e isto gera mudanças; as normas ISO 9000 padronizam processos (pois os documentam), evitando aleatoriedades para soluções de problemas ; a exigência mercadológica de certificação obriga as empresas a trabalharem para manter o selo conquistado tal atitude provoca melhorias contínuas no sistema; a certificação ISO 9000 redime os fornecedores da inspeção feita pelos clientes, reduzindo custos; o fato das normas estabelecerem apenas critérios mínimos facilita sua difusão internacional.
Moura (1996; in Roth, 2000) afirma que os princípios que regem a filosofia da ISO9000 são tecnologicamente corretos, porque inserem a empresa nos trilhos do aperfeiçoamento contínuo e podem até abrir as portas de novos mercados mundiais, uma vez que as grandes empresas exigem o certificado como pré qualificação. O lado sombrio “são as distorções que se fazem a respeito de suas verdadeiras finalidades, a própria existência de um certificado e o pouco conhecimento que as pessoas têm sobre a cultura da qualidade total das empresas, em casa e nas escolas”.
Assim, a ISO9000 se configura como uma faca de dois gumes, sendo que de um lado representa uma ferramenta valiosa para o gerenciamento dos processos nas organizações, e de outro pode se configurar em mais um instrumento de dominação, exploração e alienação dos trabalhadores.
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