Da adaptação taylorista à emancipação dejouriana: os desafios da gestão do trabalho

Da adaptação taylorista à emancipação dejouriana: os desafios da gestão do trabalho – Kátia Barbosa Macêdo

Profa. Dra. Kátia Barbosa Macêdo e Sigmar Malvezzi

RESUMOO presente texto tem como objetivo analisar as funções dos gestores a partir de duas propostas epistemológicas: primeiramente a proposta da Administração Científica que visa a adaptação e controle disciplinar do trabalhador, e em seguida, a proposta da Psicodinâmica do Trabalho, que visa a superação da alienação e a emancipação do trabalhador. Após contextualizar os paradigmas nas ciências sociais, o texto apresenta as duas abordagens a partir das quaissão discutidas as funções dos gestores e seus efeitos nos trabalhadores, a adaptação e a submissão no primeiro modelo e a emancipação no segundo. Palavraschave: gestão; paradigma, emancipação; adaptação.

RESUMO 

O presente texto tem como objetivo analisar as funções dos gestores a partir de duas propostas epistemológicas: primeiramente a proposta da Administração Científica que visa a adaptação e controle  disciplinar  do  trabalhador,  e  em  seguida,  a  proposta  da  Psicodinâmica  do  Trabalho, que  visa  a  superação  da  alienação  e  a  emancipação  do  trabalhador.    Após  contextualizar  os paradigmas  nas  ciências  sociais,  o  texto  apresenta  as  duas  abordagens  a  partir  das  quaissão discutidas as funções dos gestores e seus efeitos nos trabalhadores, a adaptação e a submissão no primeiro modelo e a emancipação no segundo. 

Palavras-chave: gestão; paradigma, emancipação; adaptação.

 

1 INTRODUÇÃO

A  gestão  do  trabalho  é  uma  atividade  própria  do  ser  humano,desde  os  momentos  mais primitivos  da  vida  comunitária.  Reconhecer  a  necessidade  da  complementaridade  de  competências para  se  realizar  objetivos  acima  dos  limites  de  indivíduos  singulares  é  próprio  do  ser  biológico, como  se  pode  observar,  até  entre  animais,  como  as  abelhas,  aves  e  lobos.  A  construção  do  ninho pelo casal de “João de barro” revela a cooperação paraa sobrevivência. A complementaridade de competências  implica  na  distribuiçãodiferencial  de  tarefas  entre  os  distintos  indivíduos  de  um grupo. Essa é a lógica que viabilizou e desenvolve o trabalho coletivo. 

Na sociedade humana, sempre em evolução, a gestão do trabalho coletivo revela a busca da eficiência,  através  da  articulação  intencional  dos  meios  necessários  às  transformações  na  natureza desejadas  por  algum  grupo.  As  realizações  requerem  instrumentalidade  e  ação  coletiva  que  se viabiliza  através  da  divisão  de  tarefas.  Esta  articula  a  complementaridade  de  competências  nas ações  conjuntas.  A  articulação  de  tarefas  e  sua  distribuição  ocorrem  através  das  escolhas  dentre diversas  possibilidades  próprias  do  ser  humano  em  sua  condição  de  agente  indeterminado.  Essa articulação  se  alicerça  nas  propriedades  dos  objetos  e  das  atividades  visando  as  transformações específicas  que  os  objetivos  das  pessoas  e  da  sociedade  definiram  para  a  construção  de  suas existências no mundo. A articulação da instrumentalidade do trabalho é uma potencialidade, aberta para se ajustar à diferentes critérios, como a história do trabalho revela, na cooperação comunitária intuitiva,  na  escravidão,  no  artesanato  e  no  emprego.  Analisar  a  divisão  de tarefas  assumida  como base  da  articulação  das  atividades  distribuídas  entre  diversos  indivíduos  é  o  escopo  deste  ensaio. Seu objetivo é contribuir com a compreensão dessa atividadeneste momento no qual o trabalho é re-institucionalizado  da  arquitetura  dos  empregos  para o  formato  atualmente  denominado  de trabalho precário autônomo. 

Seu  alvo  específico  é  analisar  a  influência  de  dois  paradigmas  que  alicerçaram,  de  modo diverso,   a   racionalidade   das   escolhas   na   articulação   da   divisão   de   tarefas.   Construído   na racionalidade positivista, o primeiro paradigma analisado é centrado nos resultados econômicos do trabalho e o segundo, construído dentro do reconhecimento da subjetividade, é centrado na interface entre  a  transformação  funcional  e  a  qualidade  da  existência  humana.    A  divisão  das  tarefas  é viabilizada a partir da compreensão e escolha alguma dessas racionalidades. 

2 O MODELO ORGANIZACIONAL TEM COMO BASE OS PARADIGMAS

Desde  Descartes,  no  século  XVII,  a  busca  do  conhecimento  foi  formalmente  associada  aos métodos para a sua produção. Nem os gregos, nem os filósofos que os sucederam, como Agostinho de  Hipona  e  Tomas  de  Aquino  deram  significativa  atenção  ao  método.  Descartes,  diferentemente, enriqueceu  a  reflexão  filosófica  trabalhando  na  configuração  da  metodologia  que  diferenciava  a certeza  científica  de  outras  formas  de  conhecimento.  De  sua  reflexão,  surgiu  nova  racionalidade para a produção do conhecimento científico, amplamente disseminada em todos os campos do saber (Cunha,  2017)  com  impactos  significativos  nas  atividades  humanas.  O  trabalho  de  Descartes tornou-seum  marco  para  a  Filosofia  e  para  o  estudo  da  divisão  detarefas.  A  visão  cartesiana fomentou  a  consciência  do  método  como  instrumento  diferenciador  da  validade  da  ciência  em confronto com outros tipos de conhecimento. 

O  modelo  de  racionalidade  que  preside  a  ciência  moderna  constitui-se  a  partir  da  revolução científica  do  século  XVI  e  foi  desenvolvido  nos  séculos  seguintes  basicamente  no  domínio  das ciências  naturais.  Sendo  um  modelo  global,  a  nova  racionalidade  científica  é  também  um  modelototalitário e hegemônico. Segundo esse modelo, conhecer significa dividir e classificar para depois poder  determinar  relações  sistemáticas  entre  o  que  se  separou.  O  resultado  é  um  conhecimento baseado  na  formulação  de  leis  que  se  apoiam  no  pressuposto  metateórico  da  ideia  de  ordem  e  de estabilidade do universo, a ideia de que o passado se repete no futuro. Esta ideia do mundo-máquina foi  tão  poderosa  que  se  transformou  na  hipótese  universal  da  época  moderna:  o  mecanicismo. (Santos, 1987, p. 10-18).

Esse novo rumo, originado com Descartes, ainda  impacta na pesquisa científica, nos campos das  ciências  naturais  e  das  ciências  sociais.  O  alinhamento  da  pesquisa  à  racionalidade  cartesiana evidenciou  que  sua  aplicabilidade  nas  ciências  sociais  se  mostrou  problemática,  uma  vez  que  os fenômenos  humanos  são  dinâmicos,sensíveis  à  influência  do  contexto  sócio-político-econômico  e ainda  enfrentam  dificuldades  de  observação  e  regulagem  de  realidades  subjetivas  e  relacionais. Desse modo, as ciências sociais aprenderam a reivindicar um estatuto metodológico próprio, a partir do qual emergiram paradigmas que evidenciaram diferenças entre as ciências exatas e humanas em suas capacidades de apreensão de seus fenômenos. Essa alteração na compreensão do conhecimento proposta  por  Descartes  aparece,  de  modo  claro,  no trabalho  de  Herbert  Mead  (1962),  reconhecido como  articulador  da  chamada  epistemologia  das  ciências  sociais.  Nessa  diferenciação,  sobre critérios  do  conhecimento  científico,  desponta  o  debate  que  acompanha  o  pensamento  filosófico, desde os gregos nos campos da Ontologia e Epistemologia. 

Esse  debate  foi  sistematizado  na  articulação  de  quatro  bases  que  Burrel  e  Morgan  (2008) elaboraram  para  explicar  essa  diversidade  metodológica  na  constituição  da teoria  social:  ontologia (a essência do fenômeno); epistemologia (a construção do conhecimento); a visão sobre a condição humana  (  determinista  ou  voluntarista);  e  a  metodologia.    Para  esses  autores,  dependendo  das escolhas  que  o  pesquisador  assume  dentre  essas  bases,  seu  trabalho  caminha  na  plataforma  de algum desses quatro paradigmas:  funcionalista;  interpretativista; humanista radical, e estruturalista. O estudo da divisão de tarefas expõe a gestão do trabalho frente a essa escolha. 

Como  explicitado  nos  objetivos  deste  texto,  seu  conteúdo  é  dedicado  à  análise  de  duas abordagens  que  refletem  escolhas  distintas,  por  parte  do  pesquisador.  A  primeira  delas  é  a Administração  Científica,  que  predominou  na  gestão  desde  o  início  do  século  XX,  enquadrada  no paradigma  funcionalista,  e  a  segunda,  despontada  na  literatura,  60  anos  depois,  é  a  Psicodinâmica do  Trabalho,  alinhada  ao  paradigma  do  humanismo  radical.  A  Administração  Científica  parte  do pressuposto  da  sociedade  apoiada  na  divisão  social  do  trabalho  e  na  prioridade  dada  à  produção econômica.  Nessa  racionalidade,  a  adaptação  do  trabalhador  à  organização  é  enfatizada,  enquanto sua subjetividade é legada a um plano secundário. Já, na Psicodinâmica do trabalho, a adaptação do trabalhador requer participação ativa, com sua subjetividade, conforme a proposta do paradigma do Humanismo  Radical.  Essas  duasvisões  contribuíram  para  a  compreensão  do  trabalho  e  do trabalhador  direcionando  de  modo  distinto  a  pesquisa  e  gestão  da  divisão  de  tarefas.  Ambas reconhecem as tarefas, sua divisão e distribuição, como  instrumentos da organização do trabalho e da adaptação, porém dentro de equações diferentes quanto à participação do trabalhador. 

As ferramentas de trabalho são recursos inventados e aperfeiçoados para aperfeiçoar, facilitar e  ampliar  as   habilidades   humanas   na  realização  deatividades  que  produzem  transformações requeridas pela consecução de algum fim específico. Para cumprir sua finalidade, as atividades são consideradas a partir das operações que as constituem as quais podem ser realizadas por pessoas ou por  instrumentos.  As  operações  atribuídas  às  pessoassão  denominadas  por tarefas.  A  estruturação das  tarefas  é  fator  crítico  na  gestão  do  trabalho,  na  adaptação  e  nos  resultados.Essa  atividade impacta em todos os aspectos do processo de produção e na qualidade de vida do trabalhador, uma vez  que  define,  aomesmo  tempo,  as  condições  de  trabalho,  as  relações  de  poder,  a  eficácia daspolíticas de gestão, as relações sócio profissionais, a inserção do trabalhador na sociedade, entre dezenas   de   outras   consequências,   já   amplamente   conhecidas   .   Essa   estruturação   reflete   a compreensão  da  sociedade  e  das  relações  de  trabalho,  bem  como  as  escolhas  que  decorremdo modelo  de  gestão  do  trabalho  que  pode,  ou  não  atender  as  necessidades  dos  contextos  históricos, sempre  marcados  por  estágios  de  mudanças  econômicas,  sociais,  políticas  e  tecnológicas.    “As organizações  são  produto  de  determinada  realidade  socioeconômica  à  medida  que  reproduzem  os princípios vigentes e também influenciam o ambiente, num movimento de mútua transformação” (Heloani, 2003, p. 15).

O surgimento de modelos de gestão do trabalho sempre está atrelado à racionalidade de algum paradigma  em  resposta  às  demandas  de  contextos  socioeconômicos  específicos,  que  passam  pelo escrutínio  de  estudos  teóricos  e  empíricos  para  sua  compreensão  e  validação.    Este  texto  ilustra esses estudos ao analisar os modelos de gestão da Administração Científica, desenvolvida no início do  século  XX,  e  da  Psicodinâmica  do  Trabalho,  desenvolvida  por  Christophe  Dejours,  nos  anos 1980.  O modelo de gestão de qualquer organização revela a racionalidade sobre a qual a divisão de tarefas  é  planejada  e  desenvolvida  em  consistência  com  as  normas  disciplinares,  valores,  rituais  e cultura  organizacional.  Planejamento  e  divisão  de  tarefas  são  atividades  nas  quais  o  processo  da socialização organizacional é desenvolvido.

A socialização organizacional é um  instrumento crucial do processo de adaptação através do qual os trabalhadores aprendem a importância, o objetivo e os meios de adaptação às suas tarefas , à organização  e  ao  ambiente  Esse  aprendizado  é  induzido  pela  transmissão  de  conteúdos  que explicam   os   objetivos   fundamentais   da   organização,   os   meios   para   a   sua   realização, as responsabilidades de seus  membros, os padrões de comportamento necessários para o desempenho eficaz   e   o   conjunto   de   regras e   princípios   implicados   na   sustentabilidade   da   organização,  conservação de sua identidade e  integridade.  O processo de socialização organizacional sustenta a adaptação  dos  trabalhadores  às  suas  normas,  rituais  e  valores,  à  sua  cultura,  capacitando-os  para desempenhar as tarefas de modo congruente entre si.

Nessa   capacitação,   a   cultura   da   organização   atua no   imaginário   coletivo   para   torna-lo consistente  com  seu  sistema  de  símbolos,  que  fornece  um  sentido  prévio  a  cada  ação  dos indivíduos,  conforme  Macêdo  (2002)  e  Pires  e  Macêdo  (2006).  Essa  consistência  se  dá  pelo processo  de  socialização organizacional,  que  tem  como  função  direcionar  e  alocar  os trabalhadores em sua rede de interações. Se o indivíduo se identifica com a organização, se só pensa através dela, se a idealiza a ponto de sacrificar sua vida privada às metas que ela persegue, sejam quais forem, ele entrará, mesmo sem o saber, num sistema balizador e legitimador de sua existência. Para Foucault, o resultado disso é denominado de disciplina, entendida por ele como  

Uma  técnica,  um  dispositivo,  um  mecanismo,  um  instrumento  de  poder,  são  métodos  que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade… é o diagrama de um poder que não atua do   exterior,   mas   trabalha   o   corpo   dos   homens,   manipula   seus   elementos,   produz   seu comportamento,  enfim,  fabrica  o  tipo  de  homem  necessário  ao  funcionamento  e  manutenção  da sociedade industrial, capitalista. (Foucault, 1975, p. 139) 

Os  pressupostos  da  teoria  da  Administração  Científica  e  da  Psicodinâmica  do  Trabalho  se diferenciam  assumindo  visões  antagônicas  sobre  as  funções  dos  gestores  e  sobre  a  divisão  do trabalho na racionalidade da divisão de tarefas, e, portanto, na socialização como exposto no Quadro 2.

 

Os pressupostos da administração científica e a psicodinâmica do trabalho

Nesse quadro, as diferenças entre os dois paradigmas podem ser facilmente capturadas. O paradigma da Psicodinâmica do Trabalho expõe uma abordagem singular que reconhece a subjetividade do trabalhador e seu papel na adaptação e na fluência e qualidade do processo de produção. Hoje, na reinstitucionalização do trabalho, promovida pela digitalização, privilegiar a criatividade e a inovação revela reconhecimento de condições de trabalho e de articulação de tarefas que necessitam do protagonismo cognitivo do trabalhador.

3  A ADMINISTRAÇÃO CIENTÍFICA: ADAPTAÇÃO E CONTROLE

A Administração Científica, criada e implementada pelosmodelos do taylorismo, fayolismo e fordismo  surgiu  como  resposta  às  necessidades  da  redefinição  do  trabalho  e  divisão  de  tarefas, seguindo  demandas  da  emergente  tecnologia  eletromecânica.  Novos  critérios  para  a  divisão  do trabalho eram  necessários para que os desempenhos pudessem atender ao ritmo veloz de produção imposto por instrumentos mecanizados de trabalho. 

Taylor  estudou  a  divisão  de  tarefas,  realizando  experimentos  na  oficina  de  construção  de máquinas da Midvale Steel Company, desde 1884.  Nesses experimentos, ele partiu do pressuposto de  que  o  conhecimento  científico  poderia  ser  aplicado  à  gestão  das  organizações,  com  alta probabilidade   de   aumentar   a   produção.   Ele   sonhava   com   um   gestor   capaz   de   aplicar   o conhecimento  científico  munido  de  técnicas  para  descobrir  a  melhor  maneira  de  maximizar  a eficiência. Para tanto, ele propôs cinco princípios básicos para a gestão das tarefas: transferir toda a responsabilidade da organização do trabalho do trabalhador para seu supervisor; pesquisar a  forma mais eficaz de dividir e realizar tarefas através de métodos científicos para determinar; selecionar a melhor  pessoa  para  desempenhar  as tarefas  dos  cargos;  treinar  o  trabalhador  para  desempenhar eficientemente  todo  o  trabalho;  e  fiscalizar  o  desempenho  do  trabalhador  para  assegurar  que  os procedimentos apropriados de trabalho sejam seguidos e que os resultados sejam atingidos, segundo Morgan (1996).

Naquela  época,  a  força  bruta  predominava  nas  relações  de  trabalho  e,  ao  trabalhador operacional,   cabia   apenas   obedecer   às   ordens   dos   gestores.   Essa   proposta,   assumida   como Administração Científica apresentava nova visão de gestão, que segundo Taylor.

O  principal  objetivo  da  administração  deve  ser  o de  assegurar  o  máximo  de  prosperidade  ao patrão  e,  ao  mesmo  tempo,  o  máximo  de  prosperidade  ao  empregado.      Igualmente,  máxima prosperidade  para  o  empregado  significa,  além  de  salários  mais  altos  do  queos  recebidos habitualmente  pelos  obreiros  de  sua  classe,  este  fato  de  maior  importância  ainda,  que  é  o aproveitamento  dos  homens  de  modo  mais  eficiente,  habilitando-os  a  desempenhar  os  tipos  de trabalho  mais  elevados  para  os  quais  tenham  aptidões  naturaise  atribuindo-lhes,  sempre  que possível, esses gêneros de trabalho. (Taylor, 1985, p.29)

Taylor   estendeu   igualmente   esses   critérios   para   o  trabalho   intelectual   (exercido   pelos gestores) aplicando a todos a norma da divisão de tarefas por especialização, demodo a decompor o trabalho  em  atividades  individuais  mínimas,  separando  a  inspeção  da  produção.  Essa  norma implicava que cada trabalhador desempenhasse repetitivamente apenas uma operação, instituindo a utilização intensiva de mão de obra não especializada, mesmo em um processo de produção que era muito especializado, conforme Heloani (2003). 

Dessa  proposta  de  Taylor  infere-se  sua  concepção  do  trabalhador  como homo  economicus, regulado pela gestão racional, que toma decisões sempre pautada em metas econômicas, apoiada no cronometro e na prancheta para controlar os movimentos dos operários, como procedimento para o maior  rendimento  sem  comprometer  em  demasia  a  saúde  do  trabalhador.    Todas  essas  tarefas minuciosamente   descritas   e   cronometradas   eram   definidas pelo   setor   de   planejamento   de organização de tarefas, que também se encarregava de selecionar e treinar os trabalhadores para os postos de trabalho, considerando suas aptidões pessoais. Nas próprias palavras de Taylor

Na  tarefa  é  especificado  o  que  deve  ser  feito  e  também  como  fazê-lo,  além  do  tempo  exato concebido para a execução. Quando o trabalhador consegue realizar a tarefa determinada, dentro do tempo  limite especificado, recebe um aumento de 30 a 100% do seu salário habitual. Estas tarefas são cuidadosamente planejadas de modo que sua execução seja boa e correta, mas que não obrigue o  trabalhador  a  esforço  algum  que  prejudique  a  saúde.    A  administração  científica  consiste  em preparar e fazer executar essas tarefas. (Taylor, 1985, p. 51)

Ao  instituir o  planejamento  de  organização  de  tarefas,  formalmente  alocado  na  estrutura hierárquica,  a  Administração  Científica  colocou  essa  forma  de  gestão  do  trabalho  no  campo  da ciência  que  dividia  com  a  regulagem  por  parte  do  supervisor  a  responsabilidade  da  execução  de cada tarefa.  Com isso, esperava-se a transição dos antigos sistemas de administração para uma ação cientificamente organizada. Essa proposta se apoiava nos pressupostos positivistas do racionalismo da época, no qual predominava a ideia de que só existe progresso mediante a ordem e, esta somente é  eficaz  onde  houver  a  subordinação  da  prática  à  teoria,  e  onde  o  conflito  é  tratado  como  uma distorção a ser corrigida.

Ao  propor  essa  forma  de  relação  entre  o  capital  e  o  trabalho,  a  Administração  Científica estabelecia  critérios  para  a  relação  formal  de  trocas  entre  dois  sujeitos  que  são  histórica  e politicamente  desiguais:  segundo  seus  defensores,  tanto  a  organização  quanto  os  trabalhadores seriam  beneficiados  porque  essa  racionalidade  seria  o  único  caminho para  se obter  a  maximização da produção, da qual resultaria, por corolário, a maximização dos lucros e dos salários, uma vez que o   salário   do  trabalhador   era calculado por   sua   produção. Considerando   que   mesmo   essa racionalidade  não  poderia  controlar  todas  as  variáveis,  a  Administração  Científica  completa  sua proposta com a ênfase na hierarquia, na disciplina e no controle, exercido pelos gestores. 

Na  prática,  havia  problemas,  tal  como  hoje,  porém,  quando  ocorriam  dificuldades  nos desempenhos,  o  trabalhador  era  separado  do  grupo  e  encaminhado  para  treinamento  individual. Taylor  comenta  as  vantagens  dessa  tática  que  visava  evitar  grupos,  multidões  que  poderiam significar  um  contra  poder.  “Deixando  de  lidar  com  homens,  e  considerar  cada  trabalhador individualmente, entregamos o trabalhador que falha em sua tarefa a  instrutor competente para lhe indicar  o  melhor  modo  de  executar  o  serviço  e  para  guia-lo,  ajudá-lo  e  encorajá-lo  a  estudar  suas possibilidades”. (Taylor, 1985, p. 73).

As  relações  entre  trabalhadores  e  supervisores  seriam  cooperativas,  sob  a  subordinação  do trabalhador  ao  imperativo  do  conhecimento  científico.  Mesmo  nessa  racionalidade,  a  eficiência requeria  aperfeiçoamento  de  pessoal  e  adoção  de  mecanismos  disciplinares,  visando  cumprimento do  ritmode  trabalho  do  operário,  que  era  selecionado  de  acordo  com  suas  habilidades.    Segundo Taylor:

Em uma palavra, o máximo de prosperidade somente pode existir como resultado do máximo de produção. Se for exato o raciocínio acima, conclui-se que o objetivo mais importante de ambos, trabalhador  e  administração,  deve  ser  a  formação  e  o  aperfeiçoamento  do  pessoal  da  empresa,  de modo que os homens possam executar em ritmo  mais rápido e com  maior eficiência os tipos  mais elevados de trabalho, de acordo com suas aptidões naturais.  (Taylor, 1986, p. 31)

Taylor percebeu que o trabalhador comum também deveria ser estimulado a pensar, e oferecer ideias que pudessem  ser aproveitadas para beneficiar a organização e aumentar a produção, porém sem  prejudicar  a  organização  do  trabalho  e  a  hierarquia.  Ele  previa  que  o  trabalhador  deveria receber   reconhecimento,   prêmios   e   recompensas   pelas   melhorias   que   propusesse   e   fosse eficazmente implantada na produção.

A  adesão  do  trabalhador  operacional  a  esse  modelo  de  administração,  demandou  novas técnicas  que  foram  desenvolvidas  pelos  setores  de  métodos  e  sistemas  que  desenhavam  as  tarefas. As mais impactantes entre essas técnicas,foram procedimentos de descrição e de análise dos cargos que  foram  integradas  ao  sistema  de  controle  e  registro  de  tempos  e  movimentos.  Essas  técnicas abrangeram  diversos  setores  da  gestão  de  pessoal.  Tendo  como  ponta  de  processo  de  produção,  a descrição  minuciosa  das  operaçõesa  serem  desempenhadas,  normas  e  padrões  de  qualidade  que deveriam  ser  rigorosamente  seguidos;  a  gestão  de  pessoal  era  complementada  pela  seleção  e treinamento  dos  trabalhadores;  a  distribuição  equitativa  do  trabalho  entre  indivíduos,  clareza  na responsabilidade   do   operário   e   na   autoridade   da   direção.   O   processo   de   produção   era complementado   por   procedimentos   de   avaliação   de   desempenho   caracterizado   pela   aferição individual.  Nesse  processo,  a  produção  era  privilegiada  e  a  subjetividade  do  trabalhador  era totalmente   desconsiderada.   A   implementação   desse   paradigma   favoreceu   a   valorização   dos mecanismos disciplinares que foram crescentemente integrados às práticas de gestão. Nas condições da época, esse instrumental deu conta das demandas de produtividade (Guimarães Júnior e Macêdo, 2013) esperadas pelo modelo econômico predominante.

Apesar  dos questionamentos  e  críticas  relacionadas  às  condições  e  exploração  do  trabalho Maia  (2010),  esse  paradigma  foi  amplamente  difundido  e  assumido  como  fórmula  eficaz  de organização das tarefas e de relações de trabalho, capaz de se ajustar a novas condições e problemas das quais resultaram sua  versão na Teoria das Relações Humanas e no Behaviorismo. Seu sucesso econômico  aprofundou  a  crença  em  sua  eficácia  para  o  crescimento  de  produção  industrializada  e do comércio. Contudo, a constatação da eficácia da produção em contraste com a rotina de trabalho ao   custo   de   longas   jornadas,   tarefas   pesadas   e   insatisfações   generalizadas   fomentou   o reconhecimento  da  exploração  da  mão  de  obra  por  parte  dos interesses  econômicos.  A  crescente visibilidade dos problemas sociais e pessoais impactou na confiança que esse modelo recebera.  

O  taylorismo  elaborou  a  primeira  tentativa  de  administrar  a  percepção  dos  trabalhadores.  O insight taylorista pressupunha a cooperação recíproca entre capital e trabalho, continha um projeto de manipular a subjetividade do trabalhador, denominado reprocessamento da percepção do espaço produtivo(Heloani  (2003).  Esse  processo  foi  aprimorado,  desde  sua  versão  exitosa  da  linha  de montagem  fordista,  assim  como  contaminou  a  racionalidade  criada  pelo  modelo  de  sistemas,  que acomodou muitas práticas da Administração Científica. 

Cresceram  as  pressões  para  a  revisão  desse  modelo.  Os  problemas  sociais  e  a  insatisfação individual demandavam alguma ação de natureza teórica e prática. Essa ação despontou em reações crescentes manifestadas no desenvolvimento de teorias que tratavam do trabalhador, mais do que de seu   desempenho   (Maslow,   1954;   MacGregor,   1960;   Argyris   1957)   e   da   organização   dos trabalhadores  para  solicitar  mudanças  e  melhores  condições  de  trabalho. Embora  esse  modelo continuasse  a  influenciar  a  formação  e  o  imaginário  dos  gestores  (Atehortúa  Hurtado,2013; Trindade,  Mello  e  Silva,  2016)  a  revisão  do  paradigma  da  Administração  Científica  pode  ser constada no surgimento doa paradigma da Psicodinâmica do Trabalho já no horizonte da gestão do trabalho desde os anos 1970.

4  A PROPOSTA EMANCIPATÓRIA DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO

Em  decorrência  do  amplo  uso  dos  princípios  da  Administração  Cientifica,  que  se ajustaram  à  evolução  da  tecnologia,  desde  o  momento  do  final  da  segunda  grande  guerra,  a sociedade  aprendeu  a  reconhecer  e  dar  relevância  às  doenças  relacionadas  ao  trabalho  e  ao  seu visível  aumento.  Dados  da  Organização  Mundial  de  Saúde  e  da  Organização  Internacional  do Trabalho revelam o aumento de acidentes, mortes e enfermidades decorrentes do trabalho (Macêdo, 2015). Esses  fatos  alertaram  os  pesquisadores  para  a  revisão  dos critérios  e  formas  de  divisão  das tarefas  como  objeto  privilegiado  para  a  compreensão  da  adaptação  ao trabalho.  Inúmeros  estudos, principalmente,  pesquisas  em  projetos  de  doutorados  e  mestrados  foram  elaborados  na  área  da saúde  mostrando  a  necessidade  da  revisão  de  pressupostos  que  fundamentavam  a  gestão  do trabalho. Um dos projetos pioneiros aconteceu na Inglaterra sob a orientação dos pesquisadores do Tavistock  Instituteof Human  Relationse  logo  em  seguida  despontou  a  pesquisa  que  afunilou  na Psicodinâmica do Trabalho, foco deste texto.

A  Psicodinâmica  do  Trabalho  surgiu  como  reação  à  Administração  Científica  ao  colocar  a qualidade de vida do trabalhador como critério para a divisão de tarefas e das condições de trabalho. Dessa  reação,  surgiu  um  novo  paradigma,  no  qual  a  subjetividade,  participação  e  cooperação  do trabalhador  foram  seus  pontos  chaves.  Essa  abordagem  surgiu  da  atenção  dos  pesquisadores  à prevenção  dos  adoecimentos  e  à  promoção  da  saúde  do  trabalhador  buscando  dados  sobre  os impactos  na  subjetividade  em  sua  saúde  e  assumindo  o  trabalhador  em  sua  existência  como  um todo. Essa  alteração  de  rumos  ofereceu  subsídios  para  a  crítica aos  modelos  de  gestão  criados  a partir da evolução da Administração Científica e de sua difícil  sustentabilidade diante da crescente complexidade  do  ambiente  de  trabalho.  Em  diversas  situações,  os  pressupostos  da  Administração Científica eram detectados como fontes dos problemas, como constatados nos projetos de qualidade de vida no trabalho, desenvolvidos desde os anos 1960. A  Psicodinâmica  do  Trabalho  tomou a  estrutura  subjetiva  dos  trabalhadores  e  suas  relações sociais  como  fatores  cruciais  da  organização  das  tarefas  e  das  condições  dos  desempenhos, portanto,  critérios incontornáveis  da  saúde  física  e  mental.  Esse  reconhecimento  questionou  a limitação  à  eficiência  organizacional  como  resultado  da  racionalidade  técnica  das  tarefas  e acrescentou  a  essa  análise  o  engajamento  dos  trabalhadores  em  seu  trabalho,  que  desponta  de  sua mobilização subjetiva.

Essa  nova  visão  chamou a  atenção  de  pesquisadores  da  gestão  de  pessoas  e  da  divisão  de tarefas, motivando o olhar para a relação do homem com o trabalho. No Brasil, essa visão alimenta projetos, desde a década de 1980. Os conceitos que a sustentam enfocam a pesquisa sobre a gênese do sofrimento mental e sobre o potencial de alterações na organização do trabalho como caminhos para  a  superação  de  acidentes  e  sofrimentos.  O  sofrimento  foi  tomado  como  fonte  geradora  de constrangimentos e tensões capazes de desestruturar a vida psíquica do sujeito. Como rejeitar essa hipótese antes de ser pesquisada? 

Dejours  (2004),  um  dos  fundadores  dessa visão  emergente,  pesquisou  o  trabalho  como  um determinante  da  relação  social  associado  a  investimentos  afetivos,  solidariedade  e  confiança.  Seus achados  teóricos  revelaram  que  engajamento  da  subjetividade  individual  está  relacionado  com  o coletivo  de  trabalho.  Em  sua  essência,  o  ato  de  trabalhar  mobiliza  tanto  o  corpo  quanto  a subjetividade  do  trabalhador,  não  podendo  sua  pesquisa  ser  limitada  apenas aos  aspectos  visíveis. Essa revisão da relação com o trabalho ganhou força levando-o a ser entendido nas implicações do saber fazer, do engajamento do corpo, da mobilização da inteligência, da capacidade de refletir, de interpretar e de reagir às situações, sendo poder de sentir, de pensar e de inventar.

A  pesquisa  e  a  prática  desenvolvidas  dentro  da  Psicodinâmica  do  Trabalho  assumiram  o trabalho  como  atividade  central  para  a  construção  do  sujeito  na  constituição  da  sua  subjetividade, portanto,  reconhecendo  os  impactos  da  divisão  das  tarefas  na  vida  psíquica.  Nesses  impactos despontam  a  construção  da  identidade  do  trabalhador,  outro  fator  crucial  na  sua  relação  com  o mundo.  Por  corolário,  a  responsabilidade  do  gestor  inclui  sua  atenção  ao  sofrimento  no  trabalho tendo  em  vista  que  seus  danos  à  saúde  mental  não  são  fatalidades,  mas  resultados  do  desempenho das  tarefas,  do  ritmo  de  desempenho  e  das  condições  do  ambiente.  Esta  crença  comunica que  a adaptação  entre  o  trabalhador  e  suas  tarefas  não  seria  justa  se  focasse  apenas  no  potencial  de mudança  operacional  encontrado  no trabalhador, porque  há  potencial  de  mudanças  nas  tarefas  que se  relacionam  com  superação  do  sofrimento  do  trabalhador. Nessa  racionalidade,  a  Psicodinâmica do  Trabalho  desenvolve  e  coloca  as  mudanças  nas  tarefas  considerando  os  impactos  em  seu executante  como  critério  para  a  organização  do  trabalho.  Destarte,  essa  abordagem  assume  duas grandes categorias de análise para orientar a investigação da organização do trabalho: a divisão das tarefas e seus impactos na mobilização subjetiva do trabalhador. 

A  organização  do  trabalho,  com  suas  prescrições,  define  os  destinos  que  o  sofrimento  do trabalhador  terá  como reação  criativa  ou  patogênica,  dependendo  da  margem  de  negociação  entre suas imposições e a realidade do trabalho. 

A organização do trabalho é, de um lado, a divisão das tarefas, que conduz alguns indivíduos a  definir  por outros, o trabalho  a  ser  executado, o  modo operatório  e os  ritmos  a  seguir.  Por outro lado,  é  a  divisão  dos  homens,  isto  é, o  dispositivo  de  hierarquia,  de  supervisão,  de  comando,  que define  e  codifica  todas  as  relações  de  trabalho.  Quando  se  coloca  face  a  face  o  funcionamento psíquico  e  a  organização  do  trabalho,  descobre-se  que  certas  organizações  são  perigosas  para  o equilíbrio psíquico e que outras não o são. (Dejours, Dessors e Desrieux, 1993, p. 104).

A  maneira  como  essas  dimensões  são  estabelecidas  e  a  rigidez  de  sua  observância  em determinado  contexto  de  produção  podem  definir  se  o  engajamento  do  trabalho  favorecerá  a alienação, a construção de defesas patológicas, do sofrimento e do adoecimento, ou se possibilitará a emancipação,  o  reconhecimento  e  o  fortalecimento  da  identidade, a  construção  de  defesas,  de adaptação e o recurso à criatividade, (Fleury e Macêdo, 2012).

Partindo daquilo que lhe é prescrito como tarefas  e dado como ambiente, o trabalhador se vê obrigado  a  se  mobilizar  física  e  psiquicamente  para  transformar  seu  desempenho  em  ação  auto produtiva.   Essa   mobilização   subjetiva   desponta   como   a   segunda   categoria   de   análise   da Psicodinâmica  do  Trabalho.  Conforme  Dejours  (2016,  p.  192).  “Não  existe  inteligência  sem  a mobilização  individual  e  coletiva  das  pessoas.  A  análise  clínica  sugere  que  a  mobilização  no trabalho é anterior à formação da inteligência mesmo quando háo desejo dos trabalhadores”.

Em síntese, o paradigma da Psicodinâmica do Trabalho reconhece e confronta dois resultados do  desempenho,  como  critério  para  a  divisão  de  tarefas  e  para  a  organização  das  condições  de trabalho.  O  primeiro  é  o  resultado  visívelda  transformação  prescrita  nasoperações  das  tarefase  o segundo  é  a  mobilização  do  trabalhador  como  indivíduo  e  como  coletivo  para  administrar  sua relação consigo mesmo e com a sociedade e a adaptação às suas tarefas. A consideração desses dois critérios pressupõe que a divisão de tarefas seja uma atividade cooperativa  na qual o trabalhador é reconhecido  como  sujeitoem  sua  potencialidade  de  subjetivação.  Esse  reconhecimento  implica  em sua potencialidade para participar e opinar  no desenho de suas tarefas e do ambiente, como ocorre no  modelo  de  células  de  manufatura.  As  tarefas  podem  e  devem  ser  estudadas  e  propostas  por técnicos  porem  sem  ser  implementadas  sem  discussão  individual  e  coletiva  com  os  trabalhadores que serão seus executores. 

Essa  participação como  sujeito (individual  e  coletivo)  desponta  como  recurso  de  sua  própria construção a partir da articulação de suas defesas. Através dessa prática o indivíduo pode aprender sobre si mesmo, sobre sua própria articulação psíquica e ser ajudado na identificação das estratégias defensivas  coletivas.  Sua  participação  na  divisão  de  tarefas  pode  promover  sua  mobilização subjetiva   e   possibilitar   a   ressignificação   das   vivências   de   sofrimento   advindas   de   seus desempenhos.   A   constituição   de   espaços   coletivos   favorecea   ampliação   da   percepção   do trabalhador sobre ele mesmo, condição que o coloca decidindo sobre seu destino ao intervir naquilo que  ele  e  o  grupo  identificam  como  requisitos  necessários  para  a  construção  das  tarefas.  Assim, neste  paradigma  o  desenho  das  tarefas  aparece  como  atividade  na  qual  o  trabalhador  constrói  sua emancipação ao aprender a se adaptar e ser auto produtivo, dialogando com o ambiente na demanda das tarefas e com seus ideais, que demandam sua autoprodução.

5 CONCLUINDO:    GESTOR    BUSCA    ADAPTAÇÃO    OU    EMANCIPAÇÃO    DO TRABALHADOR?

Essa exposição dos dois paradigmas desvela os desafios do pesquisador e do gestor diante da diversidade de racionalidades disponíveis para fundamentar sua ação. Sua escolha não é limitada ao fazer  da  produção  econômica,  mas  se  estende  ao  ser  do  trabalhador,  reconhecendo  na  divisão  das tarefas  um  de  seus  principais  instrumentos,  no  qual  ele  define  o  fazer  da  produção  e  o  ser  do trabalhador.    Como  bem  expresso  por  Chanlat  (2000),  a  sociedade  é  construída  através  da compreensão do contexto político e sociocultural  e de escolhas para o fazer, ambas permeadas por dúvidas  e  incertezas  intrínsecas  à  condição  humana  e  à  complexidade  e  evolução  do  mundo.  A compreensão que o gestor elabora de sua própria ação alicerça as escolhas, dela decorrentes que se transformam  em  prática  social.  

Essa  prática  pode  ser  direcionada  para  a  emancipação,  ou  para  a alienação do trabalhador, abafando ou fomentando sua condição de sujeitoauto produtivo, A rotina que  operacionaliza  esses  prática  é  a  divisão  das  tarefas  e  a  organização  do  ambiente  de  trabalho. Essas duas atividades instrumentalizam a construção da sociedade para oferecer qualidade de vida e justiça.Essa  prática  expõe  a  gestão  do  trabalho,  cujo  sentido,  desde  sua  origem  no  latim(gerire) comunica  a  ideia  de  dirigir,  regular  (Cunha,  1997).  O  que  é  dirigido,  regulado?  No  paradigma  da Administração  Científica  a  divisão  das  tarefas  pressupõe  a  hegemonia  da  produção  econômica  na regulagem  das  operações  para  seus  fins,  tomando  em  conta  a  capacitação  do  trabalhador,  na  qual estão   incluídos   aspectos   de   sua   saúde   que   não   bastam   porque   o   trabalhador   requer   seu reconhecimento  como  sujeito  emancipado.  No  Paradigma  da  Psicodinâmica  a  divisão  de  tarefas pressupõe a regulagem conjunta e interdependente da subjetividade e da produção econômica a qual somente  pode  ser  viabilizada  se  o  próprio  trabalhador, reconhecido  como  sujeito  da  divisão  de tarefas, cuidar de sua subjetividade como condição individual e coletiva. Se a gestão é um processo de  regulagem  da  realidade,  necessária  à  sobrevivência  da  sociedade,  a  compreensão  daquilo  que está sendo, ou será feito e das escolhas do rumo da direção, ou regulagem desponta como requisito fundamental. 

A  compreensão  da  ação  regulatória  do  gestor  emerge  do  reconhecimento dos  elementos  a serem articulados e da reflexão sobre o sentido daquilo que é transformado nessa ação. Esse sentido aparece  nos  elementos  que  materializam  a  regulagem  e  na  forma  como  estes  são  articulados.  A compreensão dos paradigmas oferece parâmetros para a busca desse sentido. Este não é algo que se encontra  pronto  nem  visível,  mas  desponta  da  interlocução  entre  gestor  trabalhador  e  realidade  a partir  da  qual  o  gestor  faz  suas  escolhas  em  busca  da  produção  e  da  qualidade  de  vida  do trabalhador   e   da   sociedade.  Seguramente,  faltou  essa  interlocução  aos  “inventores”  da Administração  Científica  cuja  atenção  foi  predominantemente  focada  na  eficácia  econômica.  Seus resultados  não  carecem  de  explicação  porque  foram  visíveis  durante  décadas.  Essa  carência aconteceu  paulatinamente  e  foi  limitada  em  sua  implementação.  Na  primeira  grande  revisão  desse paradigma, a Teoria das Relações Humanas, seus protagonistas descobriram experimentalmente que o  “trabalhador”  reage  como  membro  de  grupo  e  não  como  indivíduo,  eles  não  avançaram  na reflexão das consequências dessa descoberta porque estavam mergulhados em contexto histórico de significativa recessão econômica lhes complicando a mudança de rumo na gestão do dia a dia. 

Por  outro  lado,  os  autores  que  construíram  o  paradigma  da  Psicodinâmica  expuseram  o sentido  da  regulagem  implicada  na  gestão  com  dados  claros  sobre  a  condição  de  sujeito  do trabalhador e a subjetividade como variável da qualidade de vida e do próprio sucesso da gestão, ou seja,  da  eficácia  regulatória.  Os autores  desse  paradigma,  partindo  do  sofrimento  observado,  na interlocução com a realidade, descobriram que o trabalhador é protagonista de seu projeto de vida e pode aprender a enfrentar seu próprio sofrimento e construir sua emancipação.  

Dados  recentes sobre  o  suicídio  de  trabalhadores  têm  sensibilizado  a  opinião  pública  sem gerar as mudanças significativas esperadas na superação de suas causas, assim como dados sobre os impactos   de   profissões   estressantes   como   pilotar   aviões   comerciais   não   geraram   alterações significativas  na  regulagem  exercida  sobre  esses  profissionais.  Tal  como  aconteceu  com  os resultados  dos  experimentos  realizados  pelos  autores  da  Teorias  de  Relações  Humanas,  os  dados sobre o estresse dos pilotos, de motoristas de caminhão e os suicídios de executivos são claros, mas oferecem apenas informação e não força política para alterar a legislação, a cultura e a racionalidade da gestão. Os paradigmas são fontes de reflexão ajudam  na compreensão da realidade, fomentando a  busca  de  sentido  das  escolhas.  O  sentido,  embora  fator  fundamental,  não  é  suficiente  para promover  alterações  nos  rumos  da  regulagem  gestionária  da  divisão  de  tarefas  que  está  engolfada em um contexto institucional.

Para  se  compreender  a  atuação  de  um  gestor,  de  suas  escolhas  e de  sua  articulação  dos recursos,  a  Psicologia  tem  oferecido  teorias  e  dados  empíricos  de  seu  diálogo  com  a  realidade.  A POT  tem  enriquecido  a  compreensão  da  divisão  de  tarefas  explicando  a  cultura  da  organização,  o modelo de gestão adotado, as metas e objetivos perseguidos pela organização, as práticas adotadas para  a  execução,  acompanhamento,  avaliação  e  ajustes  das  atividades,  além  das  relações  de  poder presentes  na  interação  entre  os  trabalhadores  em  seus  distintos  papeis,  em  todos  os  níveis hierárquicos  da  organização.  Esse  enriquecimento  revela  a  POT  como  um  parceiro  com  quem  a divisão de tarefas pode explorar sua  fonte de  interlocução com a realidade. O  mundo da gestão do trabalho requer continua aprendizagem que pode ser fomentada pela observação, pela interlocução e pela  reflexão.  A  eficácia  da  gestão  requer  compreensão  de  seu  objeto  de  ação  e  a  captura  de elementos   que   possam   diferenciar   as   contingências   limitadoras   das   emancipadoras.   Essa diferenciação   é   hoje,   mais   complicada   pela   diversidade   de   paradigmas   e   pela   exponencial implementação de novas tecnologias que impõem condições, como o individualismo, a organização do trabalho e a divisão de tarefas. Essa complicação leva a gestão a se conscientizar da importância da busca de parceiros como a POT para entender a consistência de suas escolhas. 

A  atividade  dos  gestores,  vista  a  partir  do  paradigma  funcionalista  pode  ser  compreendida como   sendo   um   conjunto   de   técnicas   para   racionalizar   e   aperfeiçoar   o   funcionamento   da organização.  Nele, os  gestores  são os  responsáveis  por  fazer  com  que  as  ações  aconteçam  como  o conhecimento  científico  as  explica.  A  divisão  de  tarefas  emerge  como  atividade  balizada  pela racionalidade  técnico-econômica.  É  difícil  pensar  nessa  racionalidade  como  ação  emancipatória uma  vez  que  o  sujeito  não  participa  da  divisão  das  tarefas,  mas  deve  se  submeter  à  explicação científica que a sustenta. 

Diferentemente, nas atividades dos gestores na perspectiva do paradigma da Psicodinâmica do  Trabalho,  a  divisão  de  tarefas  emerge  como  ação articulada  para  a  otimização  conjunta  e simultânea  das  demandas  de  natureza  técnica  e  produtiva  e  das  demandas  advindas  do  sujeito  que pensa, escolhe, sente, sofre e busca emancipação para dar rumo ao seu projeto de vida. Neste caso, sua  função  é  promovera  interlocução  entre  a  demanda  de  resultados  e  as  demandas  do  sujeito,  na qual  o  trabalhador  é  um  protagonista.  É  mais  fácil  considerar  a  emancipação  como  um  resultado possível  e  consistente  com  a  divisão  de  tarefas.  Brian  Baxter  (1982)  analisa  essa  consideração colocando  como  critério  o  trabalho  auto  produtivo,  ou  seja,  o  trabalho  no  qual  o  trabalhador constrói transformações no mundo e em si mesmo, como sujeito de sua história.

Promovendo  esse  diálogo, o  gestor  descobre  que  a  compreensão  e  as  escolhas  podem  variar por  força  das  contingências  econômicas,  tecnológicas  e  políticas.,  sendo  que  estas  aparecem  nos resultados da articulação das tarefas e da organização do ambiente. Portanto, a divisão de tarefas é o espaço  no  qual  se  manifestam  as  causas  imediatas  da  eficácia  e  da  adaptação  humana  com  seus impactos  na  emancipação  do  trabalhador.    Esse  espaço  foi  descoberto  duas  décadas  antes  da elaboração  da  Psicodinâmica  do  Trabalho,  nas  teorias  que  buscavam  a  qualidade  de  vida  no trabalho (Cherns e Davies, 1975). 

O ponto crucial de alguns projetos nos quais essa teoria foi testada foi a divisão de tarefas, por esse  poder  catalizador  que  esta  atividade  tem  de  articular  as  demandas  de  adaptação.  O  prenúncio de alterações significativas na institucionalização do trabalho sob os determinismos da digitalização e dos contratos de trabalho autônomo e a consideração de apenas dois paradigmas abrem uma pauta rica para a agenda da POT em seu desafio de diferenciar adaptação e emancipação na organização do trabalho.

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Publicado na Revista Brazilian Journal of Development., v.6.


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