Profa. Dra. Kátia Barbosa Macêdo
A discussão acerca do que é arte ocupa os homens desde a Antigüidade, e as formas de suas manifestações, os pontos de vista acerca do assunto e seu conceito foram se modificando ao longo da história da humanidade.
A necessidade de fazer arte é exclusivamente humana, e a capacidade de criar arte é um dos traços distintivos do homem, que o separa de todas as outras criaturas como um abismo intransponível. A arte satisfaz o desejo premente do homem de compreender a si próprio e ao universo. Ao mesmo tempo, o artista desempenha por vezes o importante papel de veículo das próprias convicções e valores, a que ele dá voz, servindo-se para tal de uma tradição contínua.
A arte atua com força impulsionadora dos desejos que se manifestam pela. A arte transita entre as possibilidades de um mundo fantasistico, um tipo específico de satisfação movido pela cultura e pela arte.
Há na arte sempre uma possibilidade de transformação da realidade, uma vez que ela denuncia suas contradições. A arte encerra fruição, gozo, e, ao mesmo tempo, reflexão. A arte propõe uma viagem de rumo imprevisto – da qual não se conhecem as conseqüências − porém, empreendendo-a, o que conta não é a chegada, é a evasão.
Segundo Coli (2000), “buscamos a arte pelo prazer que ela nos causa” (p. 112). A arte é formulação fantástica, tem uma tendência para a ordem, a harmonia, a beleza, mediante o aperfeiçoamento dos meios expressivos.
Uma obra de arte influi sempre na visão de mundo do homem. A arte resiste à análise mais minuciosa e à passagem do tempo. Isto não quer dizer que todos sejam sensíveis a ela, pois as próprias limitações humanas, em matéria de personalidade, de experiência, de compreensão, impedem, por vezes, de apreciá-la e estudá-la. Janson (2001) A arte incorpora, simboliza e evoca no receptor certa espécie de emoção arcaica. A arte constrói, com elementos extraídos do mundo sensível, um outro mundo.
A necessidade do artista é expressar em forma de obra de arte o que sente nas profundezas de seu mundo interno. A percepção interna do sentimento mais profundo é que leva o artista a precisar recriar algo que seja sentido como um mundo completamente novo, e o que todo grande artista faz é criar um mundo. A obra de arte comunica uma tensão que subjaz ao processo criativo. Os desejos dos artistas expressos na obra de arte, são desejos reprimidos, inaceitáveis à consciência, e uma obra de arte pode dar origem a inúmeras emoções. As obras de arte incluem não só a poesia, ou a pintura, mas também em particular a música, mesmo com a ausência de um conteúdo verbalizável, ou seja, apenas instrumental.
O processo criativo
O processo criativo envolve toda a personalidade. A linguagem do artista é sensual, uma linguagem da experiência sentida. O impulso elementar e a força vital para criar provém de áreas ocultas do ser. Além dos impulsos do inconsciente, entra nos processos criativos tudo o que o artista sabe, pensa e imagina. A criação dá-se com a determinação interna, que supera a hesitação e faz que o artista tome conhecimento de sua experiência por intermédio de sua obra, e até mesmo para ele, essa experiência não será de todo revelada, ressalta Johanson (2004).
Do dualismo do pólo pulsional e representacional da linguagem, do intervalo constitutivo do psiquismo, da cisão radical entre as exigências da pulsão e os instrumentos de simbolização insuficientes para o sujeito, intervalo este denominado desamparo pelo discurso freudiano, é desse estado abissal e trágico de desamparo que o artista cria. A experiência artística e literária, assim como a psicanálise, possibilita um lugar em que o excesso e a intensidade pulsional, erótica, estruturem a realidade de forma estilizada e singular, organizem e constituam novos caminhos e inscrevam a pulsão no registro da simbolização.
Criatividade é atividade de formar, de dar forma a algo disforme. Artistas mergulham no caos para nele criar a forma. Criar é impor uma ordem a algo que antes da ação criativa se encontrava em estado de caos, de desordem. Criar é formar, dar forma a algo novo. Assim, quando cria, o artista trabalha com formas, e também com o potencial expressivo e significativo dessas formas. O artista busca de modo intencional as configurações formais que transmitam de modo o mais preciso possível os conteúdos as significações que tem em mente.
Para Segal (1993), alguns artistas sentem de modo particularmente poderoso que a obra adquire existência quase independente. O trabalho de reparação do artista nunca é concluído e, no fundo, uma obra de arte deve ser original. Se há na arte satisfação de desejo, não se trata de uma simples satisfação onipotente de um desejo, mas de uma satisfação do desejo de elaborar um problema de um modo particular, e não do que se entende por satisfação de desejo. A natureza do conflito psíquico e o modo pelo qual o artista busca resolvê-lo em seu ego inconsciente podem objetivar o artista sobre a forma significante.
Fantasia e sublimação: dois componentes desse processo, examinados pela psicanálise
Para Freud, a fonte da criação está nos desejos e nas pulsões. O desejo tem sua origem e seu modelo na vivência de satisfação. O primeiro desejar parece ter sido um investimento alucinatório da recordação da satisfação. O sugar do bebê é acompanhado da fantasia de ter a vivência de prazer novamente.
Somos todos caçadores de comida e de amor.
Há uma vivência fundante de nosso psiquismo, uma vivência de ser amparado, cuidado, ser o centro do universo. Essa vivência de prazer, de viver no paraíso, é interrompida pelos traumas, as rupturas. O trauma do nascimento, da separação, do desmame. A partir deles, nós passamos a ter uma outra vivência que passa a nos acompanhar até o último suspiro: a angústia, que tem como base a busca por satisfazer desejos em busca de satisfação.
Para a psicanálise, desejos não satisfeitos podem gerar algum tipo de angústia, o resultado dessa angústia faz com que todo o aparelho psíquico da pessoa se mobilize para buscar uma via alternativa de satisfação.
Diante da angústia, Freud (1930) afirmou que o indivíduo utiliza algumas estratégias, ressaltando principalmente: isolamento voluntário; submissão às normas; uso de substâncias tóxicas; tentativa de controlar a vida instintiva como defesas e sintomas; delírio ou cultivo da ilusão no fanatismo religioso (tornar-se louco), amar e ser amado e a sublimação via trabalho.
Dentre as estratégias apresentadas acima, duas serão abordadas, tendo em vista sua relação com o processo criativo: a fantasia e a sublimação, via trabalho e arte.
Fantasia tem sido definida de várias formas.
- Criação imaginária a serviço de uma realização de desejo. Está a serviço de um desejo, procurando via imaginação satisfações eróticas, agressivas, de amor próprio, havendo uma dimensão narcísica no processo. Fantasia inconsciente é a representante psíquica da pulsão.
- Designa a imaginação, mundo imaginário e seus conteúdos, a atividade criadora que o anima, a atividade imaginativa em geral. Parcela da atividade psíquica que se mantém independente do princípio da realidade, e submetida inicialmente ao princípio do prazer.
- São inatas, pulsionalmente derivadas e primariamente inconscientes. A fantasia é uma produção puramente ilusória, que não resistiria a uma apreensão correta do real.
- Também considerada como uma organização defensiva estável destinada à proteger da castração, que parte da percepção da falta da mãe. Para Klein, também dos mecanismos de defesa contra essas demandas pulsionais.
Todos esses conceitos evocam a oposição entre a imaginação e a realidade. Freud comentou que a realidade psíquica é uma forma de existência especial que pode ser confundida com a realidade material.
De todos os mecanismos utilizados pelos artistas para a criação de uma obra, o que Freud sublinhou como o mais importante é a sublimação, pelo fato de ser ele o que permite, ainda que indiretamente, uma satisfação da pulsão, o prazer.
A noção se sublimação conheceu uma evolução ao longo da obra de Freud que partiu da ideia de enobrecimento, um trabalho intrapulsional que exige uma transformação prévia da energia psíquica visando a satisfação dos desejos. Ao longo de toda a sua obra, Freud recorreu à noção de sublimação para explicar certos tipos de atividades advindas de um desejo que não poderia ser manifesto explicitamente pela possibilidade de a pessoa ser censurada (e talvez excluída).
Freud chegou a considerar a sublimação como o mecanismo mais elevado para se obter satisfação, ainda que de forma indireta. Ressaltou ainda sua importância para a constituição e manutenção da civilização. Assim, a sublimação apresenta-se como um destino pulsional privilegiado porque a energia psíquica, ao derivar-se, permite uma gratificação ou prazer, ainda que indireto em uma ação ou objetos que sejam valorizados culturalmente pela sociedade. A gênese da capacidade de sublimar depende simultaneamente das disposições constitucionais do indivíduo e dos acontecimentos da sua infância.
Freud teve aproximações literárias com obras de importantes escritores, como o Édipo Rei de Sófocles e Hamlet, de Shakespeare, ambos abordados em A arte e a literatura encontram-se nos pilares da construção psicanalítica, desde as primeiras formulações freudianas do Inconsciente e do complexo de Édipo, inspiradas em Sófocles e nas tragédias de Shakespeare.
Tabela 1- Obras de Freud onde ele abordou o processo de criação artística e sublimação
Fonte: desenvolvido pela autora.
É importante comentar que Freud sublinhou sempre os riscos que comporta a sublimação das pulsões quando se efetua a custa das pulsões, pois o sujeito fica privado de satisfações imediatas. Embora a sublimação se apresente como um mecanismo que fortalece o vínculo social e promove a construção da cultura e da sociedade, ela também pode desequilibrar psiquicamente a pessoa, quando passa a impor modelos ideais e cada vez mais exigentes da energia psíquica das pessoas.
CONCLUSÕES
Esse encontro da arte com o sujeito provoca sensações, sentidos, motivos, prazer e sofrimentos como destaca Segal (1993) declara que a criatividade artística envolve muita dor, e a necessidade de criar é compulsiva, ela não pode ser abandonada com facilidade. No próprio trabalho criativo, por maior que seja a alegria de criar, há sempre também um elemento importante de dor, sendo necessária grande quantidade de trabalho consciente associado a um alto grau de autocrítica, frequentemente muito dolorosa.
Para Segal (1993) e Johanson (2004), a vida artística é acompanhada de rótulos negativos, preconceitos e estigmas sociais da sociedade em relação aos artistas. Esses autores também afirmam que a imagem do artista construída socialmente afeta de modo negativo a formação de uma identidade profissional, portanto ele experimenta, dentre outros, sentimentos negativos.
Desse dualismo do pólo pulsional e representacional da linguagem, desse intervalo constitutivo do psiquismo, dessa cisão radical entre as exigências da pulsão e os instrumentos de simbolização insuficientes para o sujeito, intervalo este denominado desamparo pelo discurso freudiano, é desse estado abissal e trágico de desamparo que o artista e o psicanalista cria. A experiência artística, assim como a psicanálise, possibilita um lugar em que o excesso e a intensidade pulsional, erótica, estruturem a realidade de forma estilizada e singular, organizem e constituam novos caminhos e inscrevam a pulsão no registro da simbolização.
O trabalho do psicanalista, partindo dos princípios acima expostos é também um trabalho artístico. Ele mergulha no caos, busca organizar, nomear
Seleciona fatos, faz construções, interpreta e dá sentido.
Assim, o título mais adequado para essa fala seria não só Psicanálise e arte, mas sim Psicanálise é arte…
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