Debate sobre Gênero Refletindo sobre os direitos humanos das Mulheres
Introdução
O Brasil tem uma herança de patriarcado de mais de quatro séculos, sobre a qual o Estado patrimonialista e o machismo estrutural se assentaram e, nesse cenário, a mulher, por longo tempo,
foi tida como objeto e uma quase propriedade de pais, maridos e filhos. Somente na primeira metade do século XX, com o processo de industrialização e da consequente urbanização, a mão de
obra feminina entra no mercado de trabalho. Nesse momento, a luta pelos direitos das mulheres se iniciou, porém, com conquistas lentas e tardias. Basta lembrar que até 1962, no Brasil, a mulher
casada só poderia trabalhar com autorização do esposo. Somente após a promulgação do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121, de 27 de agosto de 1962), de autoria da deputada federal paulista
Carlota Pereira de Queiroz, pioneira do movimento feminista do Brasil, que as mulheres passaram a trabalhar sem a referida autorização. No entanto, apesar de as mulheres terem passado a ingressar
no mercado de trabalho, esse espaço, que era tradicionalmente masculino, continuou/continua com a lógica masculina de discriminação e de violência típica das relações de gênero. Assim, mesmo após muitas conquistas e a aprovação de leis para resguardar seus direitos, elas ainda enfrentam inúmeras situações que comprometem seu desenvolvimento saudável, tanto físico quanto psíquico.
O objetivo deste artigo é, a partir da teoria do desenvolvimento embasada na psicanálise, pontuar quais desafios devem ser enfrentados pelas mulheres desde sua infância até a idade adulta,
indicando quais os impactos e consequências no funcionamento psíquico acarretados por rupturas ou vivências traumáticas. O referencial teórico adotado foi embasado na teoria do desenvolvimento da psicanálise e da psicologia social. Como se trata de um artigo teórico, a metodologia privilegiou
a revisão bibliográfica, utilizando como termos de busca: mulheres; desenvolvimento; contexto e violência. A partir dessa revisão, organizaram-se os dados, considerando o desenvolvimento
psíquico e suas etapas, conforme descritas pela teoria da psicanálise, com ênfase nas obras de Freud e Winnicott.
Mulheres enfrentam desafios, riscos e sobrecargas para se desenvolver
no Brasil. O contexto sociopolítico econômico apresenta indicadores da sobrecarga a que as mulheres
no Brasil são expostas, desde a dificuldade de acesso aos cuidados primários e os obstáculos para usufruir do direito à amamentação, passando pela precariedade dos serviços básicos de saúde,
educação e segurança, até as duras condições do mercado de trabalho que precisam enfrentar para garantir a sua sobrevivência e a de sua prole.
Segundo dados do Dieese e do Censo do IBGE de 2023, a maioria dos domicílios no
Brasil era chefiada por mulheres. Dos 75 milhões de lares, 50,8% tinham liderança feminina, o correspondente a 38,1 milhões de famílias. Para sobreviver, as mulheres enfrentam uma batalha
diária em um mercado de trabalho desigual. Ainda segundo os dados acima citados, do total da força de trabalho no Brasil, as mulheres correspondiam a 44%, segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio Contínua (PNAD C), realizada pelo IBGE, para o terceiro trimestre de 2022.
Elas, no entanto, eram também a maioria entre os desempregados (55,5%). Do total de pessoas
fora da força de trabalho, 64,5% eram mulheres. Desse percentual, 5,7% estavam em situação de desalento, circunstância em que as pessoas querem trabalhar e estão disponíveis para tanto, mas
não procuram colocação por acreditarem que não vão encontrar uma vaga ou ainda por não terem experiência ou serem muito jovens. Do total de desalentados, 55,5% eram mulheres.
Mesmo as que trabalham se deparam com condições precarizadas, são subocupadas e recebem menos que os homens quando executam as mesmas tarefas. Em termos de rendimentos, as mulheres ganharam, em média, 21% a menos do que os homens – o equivalente a R$ 2.305 para elas e a R$ 2.909 para eles (DIEESE, 2023; IBGE, 2023). Por setor de atividade, mesmo quando as mulheres eram a maioria, elas recebiam menos, em média. Visando enfrentar essa situação, foi sancionada a Lei 14.611/2023, que prevê mecanismos para promover o pagamento de salários iguais para homens e mulheres na mesma função em empresas com pelo menos 100 funcionários.
A questão é que a grande maioria das empresas que empregam no Brasil são de micro, pequeno e médio portes e, provavelmente, não serão impactadas por essa medida.
Quando se aborda a questão do trabalho feminino, não se pode esquecer da dupla ou tripla jornada, pois, quando concluem a jornada fora de casa, geralmente são as mulheres as responsáveis
por todos os afazeres domésticos. Há ainda aquelas que exercem a função de cuidadoras não apenas dos filhos, mas também de idosos e de pessoas enfermas da família. Esse é outro fator que sobrecarrega as mulheres, tanto financeiramente quanto fisicamente e psiquicamente.
Se adicionarmos a essa situação o fato de que o trabalho doméstico geralmente não é reconhecido
ou remunerado, muitas mulheres se encontram em uma condição de dependência econômica dos companheiros e se veem impedidas de exercer um trabalho remunerado em função da cobrança
que sofrem para atender às demandas das tarefas domésticas e de cuidadoras.
Nos serviços domésticos, as trabalhadoras respondiam por cerca de 91% das ocupações, com um salário 20% menor do que o dos homens. No grupamento educação, saúde e serviços
sociais, elas totalizaram 75% das pessoas ocupadas e tinham rendimentos médios 32% menores do que os recebidos pelos homens. As diferenças de inserção no mercado de trabalho, de ocupação
dos postos disponíveis e de rendimentos se refletem também na família e acabam determinando o nível de bem-estar familiar, a forma como se dá a integração de cada membro e a possibilidade
de acesso a bens e serviços básicos, conforme dados do Dieese (2023) e do Censo do IBGE (2023).
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi aprovado como a Lei Federal 8.069, de 13 de julho de 1990, visando regulamentar o artigo 227 da Constituição Federal, que define as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento, e indica a necessidade de promoção da sua proteção integral e prioritária por parte da família, da sociedade e do Estado. Apesar de o estatuto já ter completado 30 anos, o fato é que o Brasil ainda carece
de creches e de vagas suficientes nas escolas, além de apresentar altos índices de abandono de menores, estupro e exploração sexual de crianças e adolescentes. Muitas mulheres são obrigadas
a deixar seus filhos em casa para poder trabalhar, e a maioria não consegue sequer amamentar os próprios filhos, mesmo após a promulgação da Lei 13.436, de 12 de abril de 2017, que garante
o direito às mães de acompanhamento e orientação com relação à amamentação de seus filhos.
Desse modo, já desde as fases iniciais da vida, algumas crianças são privadas dos cuidados iniciais tão importantes para sua formação psíquica. Permanecendo desacompanhadas em casa, muitas
sem acesso à escola, várias são vítimas de abuso sexual, estupro, prostituição, dentre outras formas de violência, o que provoca vivências traumáticas que poderão desencadear vários transtornos
mentais sérios. Além de se deparar com um contexto que por si só já representa uma sobrecarga, as mulheres ainda enfrentam outro tipo de violência: a doméstica. O Monitor da Violência trouxe, mais uma vez,
os dados sobre violência de gênero no Brasil, mostrando que os casos de feminicídio e de homicídio de mulheres continuam aumentando na maior parte dos estados brasileiros.
A Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, criou mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. A referida lei dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e alterou o
Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal. No entanto, mesmo depois da promulgação da Lei Maria da Penha, os dados continuam alarmantes. Conforme o Dieese (2023),
quando se trata de violência, de acordo com os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher foi assassinada a cada seis horas apenas no primeiro semestre de 2022. No total desse
período, 699 mulheres foram mortas em situação de violência doméstica ou devido a questões que envolvem desde o desprezo ou a discriminação à condição de mulher, crime denominado de
feminicídio. Olhando para a série histórica, a partir da promulgação da Lei 13.104/15, que qualifica como feminicídio o homicídio de mulheres em razão de sua condição de gênero, os registros aumentam
ano a ano, indo na contramão da tendência de queda dos homicídios em geral.
Baixe o artigo completo https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/issue/view/237?fbclid=PAZXh0bgNhZW0CMTEAAaZ-tNeV8qBmBrcOL0wTyCamXMZv6smq7hl392R4HXb7Do7gslvwxAi0RTM_aem_eRql8Uofgrgj-kuKiPq5EQ
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